sábado, 2 de novembro de 2024

Resposta ao Padre Deivid, da Resistência; e contrarresposta do mesmo Padre Deivid

                                                                                                                                 Carlos Nougué 

O Padre Deivid, depois de outras considerações que não vêm ao caso aqui, diz quanto a mim o seguinte: “Espero que ele seja orientado em seu apostolado por um sacerdote, o que é normal a qualquer leigo. Esse é o espírito da Igreja”. E termina dizendo que reza por mim e por minha família, que, di-lo ainda, sempre o tratamos muito bem – e continuaremos a fazê-lo, tenha certeza. Mas, assim como à parte o bom tratamento mútuo o Padre Deivid diz quanto a mim o que se lê acima entre aspas, sinto-me na obrigação de responder-lhe – por partes.

1) Antes de tudo, como advogado do diabo, digo que não deixa de ser interessante que um sacerdote da Resistência fale em normalidade e espírito da Igreja. Sim, porque não nada há mais pertencente ao espírito da Igreja que os bispos serem sagrados com autorização do Papa, e a Resistência tem já vários bispos sem autorização deste. É um estado de necessidade devido à degeneração geral do sacerdócio e da Fé pós-Concílio Vaticano II, dirá o nosso Padre. Concedo (mas leia-se o que digo na observação a seguir). Mas por que então não haverá um estado de necessidade de que os leigos tenham um apostolado próprio dada a referida degeneração e a majoritária má formação dos padres? Dois pesos e duas medidas?

Observação: um dos maiores erros de minha vida de católico foi um dia meter-me na disputa intertradicionalista acerca da relação dos católicos tradicionais com o Vaticano neomodernista, e pois acerca da bondade ou maldade de um acordo canônico, da licitude de sagração de novos bispos sem mandato pontifício, etc. Não o deveria ter feito, e penitencio-me publicamente – mais uma vez – de tê-lo feito. Julgo que isto não é coisa para leigos – ou ao menos para o leigo que sou eu – , embora tampouco condene os leigos que o façam, até porque a mesma Resistência e outros os estimulam a que o façam. Defendo, sempre que se dá o caso, os tradicionalistas de ataques neomodernistas. Mas simplesmente, e desde há uns dez anos, já não me intrometo em tais assuntos.

2) Deixando agora de lado o papel de advogado do diabo, digo que há um erro de base nas palavras do Padre Deivid: o apostolado leigo não é regulado senão pelo bispo, que é do corpo docente da Igreja, e não pelo sacerdote, que com os leigos é parte do corpo discente da Igreja, embora tenha o papel evidente de auxiliar, instrumentalmente, o bispo nesta tarefa. Para entendê-lo, veja-se muito por exemplo o Código de Direito Canônico de 1917 e, de Pio XII, a “Alocução aos Cardeais e Bispos para a canonização de Pio X” (31 de maio de 1954) e o “Discurso de 20 de fevereiro de 1946 aos novos cardeais”, nos quais o saudoso Papa fala de magistério eclesiástico por um lado e de magistério laico mais por outro.    

3) Há no entanto outra confusão nas palavras do Padre, quanto a mim, sim, mas de fundo geral. É que apostolado e magistério são coisas algo distintas, e não tenho apostolado em sentido estrito. Com efeito, como o podem confirmar todos os que me conhecem, nego-me sempre e decididamente a orientar qualquer pessoa quanto ao espiritual, a ponto de, mesmo sob críticas de tradicionalistas, negar-me até a dizer a alguém que não deve ir à missa nova (embora nunca deixe de apontar seu caráter), etc. – sempre o encaminho a um padre. Faço-o sempre, portanto, quanto a todas as coisas relativas à vida espiritual concreta das pessoas, porque a meu ver o leigo não tem luzes de estado para discernimento dos espíritos, razão por que, em vez de ajudar, pode prejudicar uma alma; assinale-se porém que não o erijo em regra para leigos, senão que uma vez mais a erijo para mim. O que tenho é certo magistério: magistério tomista, ou seja, o ensinamento da doutrina de Santo Tomás. A utilidade do que faço é evidente: quantos padres hoje são capazes de ensinar a doutrina de Santo Tomás a jovens com sede intelectual? Aliás, os seminaristas de seu seminário, Padre Deivid, saem devidamente formados em Santo Tomás? (Se não, Padre, ofereço-lhes mensalidade gratuita em meu curso “Comentário à Suma Teológica artigo a artigo”, assim como, a pedido de seu bispo, Dom Tomás, dei aula de Suma Teológica a antigo seminarista da Resistência. Ou terei perdido a capacidade de fazê-lo por já não me identificar com a Resistência?)

4) E obviamente magistério tomista não é o mesmo que magistério eclesiástico, conquanto, claro, possa fazer parte deste. Mas então por que faz o Padre Deivid a como insinuação retórica de que não sou dirigido em minha atividade pública por nenhum sacerdote? Sim, porque não se diz aquilo que lemos entre aspas senão com quase certeza, sob pena de leviandade. Como tenho certeza de que o Padre Deivid não é leviano, então hei de acreditar que ele tem ao menos quase certeza de que não me dirige nenhum padre. Pois bem, se sou ou não dirigido por um padre, absolutamente não é da alçada do Padre Deivid – com quem aliás nunca nem sequer me confessei – nem de mais ninguém. Mas digo, depois, que isto, ou seja, o magistério tomista por leigos, sim, é de verdadeira necessidade hoje, pela razão alegada. Portanto, quanto a meu magistério tomista, um sacerdote que se queira verdadeiramente entendedor da atual crise da Igreja não pode ter senão dupla postura: ou criticá-lo ou apoiá-lo (ou ao menos aceitá-lo) depois de tê-lo conhecido. O senhor o conhece, Padre Deivid? Mas há mais: quem há de confirmá-lo ou negá-lo é um bispo, razão por que escrevo na apresentação de meu livro Do Papa Herético e outros opúsculos: “Sucede que desde o Concilio Vaticano II a hierarquia passou a exercer a modalidade liberal de autoridade, subtraindo-se com isso à assistência do Espirito Santo. Renunciava assim não só, ipso facto, ao exercício da verdadeira autoridade, mas ao mesmo dever de subordinar a si os órgãos subsidiários. Gerou-se desse modo [...] ‘um magistério de leigos subtraído à autoridade, guiamento e vigilância do magistério sagrado’ [Pio XII]. [...] Sucede, no entanto, que como diz Santo Tomás de Aquino, ‘havendo perigo para a fé, os superiores devem ser arguidos pelos súditos, até publicamente’, e isso não seria assim se na defesa da fé um fiel ou súdito não tivesse, de certo modo, a mesma dignidade que qualquer autoridade eclesiástica. [...] Depomos [trata-se de plural de modéstia] porém tudo quanto ensinamos e tudo quanto publicamos aos pés dos órgãos autênticos que mantêm a fé neste tempo de trevas – ainda que a tais órgãos se lhes tenha tirado indevidamente a jurisdição ordinária –, para que ex post facto assinalem quaisquer erros contra a fé que porventura tenhamos cometido. Se o fizerem, retratar-nos-emos imediata e publicamente. Ousamos pretender, porém, que tanto em nosso ensino como em nossos escritos não fazemos senão seguir em espírito e em letra ao magistério infalível da Igreja, a Santo Tomas, a seus mestres auxiliares – para o que procuramos armar-nos da prudência requerida pela fé e pela humildade de nossa condição”.

5) Mas há mais: se o Padre Deivid de fato conhecesse o que faço, saberia que não faço senão seguir o proposto pelo Padre Calderón (a todos, não só aos clérigos) na apresentação de seu livro Umbrales de la Filosofía: que se forme uma corrente geral – difusa, claro – de tomistas realmente fundados em Santo Tomás, para que o tomismo se enraíze em todas as áreas do saber e da atividade humanos. Mais ainda: disse o falecido Dom Tissier de Mallerais o seguinte em um sermão pronunciado em Écône no dia 9 de dezembro de 2012: Também amo a Fraternidade São Pio X porque D. Lefebvre, com outra ideia brilhante, quis que fosse dado um curso especial, além de Santo Tomás de Aquino com sua Summa, obviamente, um curso especial sobre os Atos do Magistério da Igreja, ensinando as encíclicas de todos os grandes papas que, desde o século XIX até as vésperas do Concílio, transmitiram a doutrina da Igreja sobre os erros modernos, o liberalismo, o modernismo e o socialismo. E todos os anos, desde então, os seminaristas têm recebido esse ensinamento das encíclicas papais, verdadeiros sucessores de Pedro”. Pois bem, é exatamente o que faço no âmbito laical, sem obviamente nenhuma intenção de competir com a FSSPX, senão que exatamente  o contrário. Ou dirá o Padre Deivid ou qualquer outro que isto não é necessário no âmbito dos laicos?

6) Insisto na pergunta ao Padre Deivid, ou seja, a de se ele é contrário ou favorável a este magistério laico, segundo, claro, este magistério esteja ou não de acordo com o mesmo Santo Tomás e com o mesmo magistério da Igreja. Sim, porque, se se trata de mera rejeição dele pelo fato de ser laical, então se tratará de clericalismo reprochável. O Pai da Escolástica, o filósofo e teólogo romano Severino Boécio, era leigo; e assim também um dos Padre da Igreja, Lactâncio. Mas não me cabe a mim responder pelo Padre. E que tal Gustavo Corção e Rubén Calderón Bouchet?

Paro por aqui, desejando ao Padre Deivid o guiamento de Deus em seu apostolado, e pedindo-lhe sua bênção distante.


CONTRARRESPOSTA DO PADRE DEIVID

Caro Carlos,

Boa noite!

Espero que o senhor esteja bem.

Estava resolvendo umas últimas pendências do dia e recebi o link de sua resposta à mim, postada em seu blog. No final, o senhor pede minha benção.

Ei-la: Que Deus lhe abençoe.

Tenha uma santa noite.

In Ea,

Padre Deivid Nass, SAJM 

P.S: Caso precise dos sacramentos em caso de enfermidade, como foi o caso da visita do dom João da Cruz em sua casa, enviado por dom Tomás, estou à disposição. 

P.S: Sobre nosso seminário, que o senhor comenta com um certo ar de incerteza da seriedade da formação: Nossos seminaristas terão como professores os dominicanos de Avrillé, que estão gravando todas as aulas com os equipamentos que enviamos à França para isso. Será mais fácil assim do que a estadia francesa, ainda mais em um aparente perigo de guerra. Obrigado pela oferta do seu curso. Não desprezaremos em caso de necessidade.  

P.S: Lembranças a querida dona Rosa e ao Paulinho.