Carlos Nougué
O Padre Deivid, depois
de outras considerações que não vêm ao caso aqui, diz quanto a mim o seguinte:
“Espero que ele seja orientado em seu apostolado por um sacerdote, o que é
normal a qualquer leigo. Esse é o espírito da Igreja”. E termina dizendo que
reza por mim e por minha família, que, di-lo ainda, sempre o tratamos muito bem
– e continuaremos a fazê-lo, tenha certeza. Mas, assim como à parte o bom
tratamento mútuo o Padre Deivid diz quanto a mim o que se lê acima entre aspas,
sinto-me na obrigação de responder-lhe – por partes.
1) Antes de tudo, como
advogado do diabo, digo que não deixa de ser interessante que um sacerdote da
Resistência fale em normalidade e espírito da Igreja. Sim, porque não nada há
mais pertencente ao espírito da Igreja que os bispos serem sagrados com
autorização do Papa, e a Resistência tem já vários bispos sem autorização
deste. É um estado de necessidade devido à degeneração geral do sacerdócio e da
Fé pós-Concílio Vaticano II, dirá o nosso Padre. Concedo (mas leia-se o que
digo na observação a seguir). Mas por que então não haverá um estado de
necessidade de que os leigos tenham um apostolado próprio dada a referida
degeneração e a majoritária má formação dos padres? Dois pesos e duas medidas?
Observação: um dos maiores erros
de minha vida de católico foi um dia meter-me na disputa intertradicionalista
acerca da relação dos católicos tradicionais com o Vaticano neomodernista, e
pois acerca da bondade ou maldade de um acordo canônico, da licitude de
sagração de novos bispos sem mandato pontifício, etc. Não o deveria ter feito,
e penitencio-me publicamente – mais uma
vez – de tê-lo feito. Julgo que isto não é coisa para leigos – ou ao menos para
o leigo que sou eu – , embora tampouco condene os leigos que o façam, até
porque a mesma Resistência e outros os estimulam a que o façam. Defendo, sempre
que se dá o caso, os tradicionalistas de ataques neomodernistas. Mas
simplesmente, e desde há uns dez anos, já não me intrometo em tais assuntos.
2) Deixando agora de lado o papel de advogado
do diabo, digo que há um erro de base nas palavras do Padre Deivid: o
apostolado leigo não é regulado senão pelo bispo, que é do corpo docente da
Igreja, e não pelo sacerdote, que com os leigos é parte do corpo discente da
Igreja, embora tenha o papel evidente de auxiliar, instrumentalmente, o bispo
nesta tarefa. Para entendê-lo, veja-se muito por exemplo o Código de Direito
Canônico de 1917 e, de Pio XII, a “Alocução aos Cardeais e Bispos para a canonização
de Pio X” (31 de maio de 1954) e o “Discurso de 20 de fevereiro de 1946 aos
novos cardeais”, nos quais o saudoso Papa fala de magistério eclesiástico por um lado e de magistério laico mais por outro.
3) Há no entanto outra confusão nas palavras do
Padre, quanto a mim, sim, mas de fundo geral. É que apostolado e magistério são
coisas algo distintas, e não tenho apostolado em sentido estrito. Com efeito, como o podem confirmar todos os que
me conhecem, nego-me sempre e decididamente a orientar qualquer pessoa quanto
ao espiritual, a ponto de, mesmo sob críticas de tradicionalistas, negar-me até
a dizer a alguém que não deve ir à missa nova (embora nunca deixe de apontar seu caráter), etc. – sempre o encaminho a um
padre. Faço-o sempre, portanto, quanto a todas
as coisas relativas à vida espiritual concreta
das pessoas, porque a meu ver o leigo não tem luzes de estado para
discernimento dos espíritos, razão por que, em vez de ajudar, pode prejudicar
uma alma; assinale-se porém que não o erijo em regra para leigos, senão que uma
vez mais a erijo para mim. O que tenho é certo magistério: magistério tomista,
ou seja, o ensinamento da doutrina de Santo Tomás. A utilidade do que faço é
evidente: quantos padres hoje são capazes de ensinar a doutrina de Santo Tomás
a jovens com sede intelectual? Aliás, os seminaristas de seu seminário, Padre
Deivid, saem devidamente formados em Santo Tomás? (Se não, Padre, ofereço-lhes
mensalidade gratuita em meu curso “Comentário à Suma Teológica artigo a artigo”, assim como, a pedido de seu bispo,
Dom Tomás, dei aula de Suma Teológica
a antigo seminarista da Resistência. Ou terei perdido a capacidade de fazê-lo
por já não me identificar com a Resistência?)
4) E obviamente magistério tomista não é o
mesmo que magistério eclesiástico, conquanto, claro, possa fazer parte deste. Mas
então por que faz o Padre Deivid a como insinuação retórica de que não sou
dirigido em minha atividade pública por nenhum sacerdote? Sim, porque não se
diz aquilo que lemos entre aspas senão com quase certeza, sob pena de
leviandade. Como tenho certeza de que o Padre Deivid não é leviano, então hei
de acreditar que ele tem ao menos quase certeza de que não me dirige nenhum
padre. Pois bem, se sou ou não dirigido por um padre, absolutamente não é da
alçada do Padre Deivid – com quem aliás nunca nem sequer me confessei – nem de
mais ninguém. Mas digo, depois, que isto, ou seja, o magistério tomista por leigos,
sim, é de verdadeira necessidade hoje, pela razão alegada. Portanto, quanto a
meu magistério tomista, um sacerdote que se queira verdadeiramente entendedor
da atual crise da Igreja não pode ter senão dupla postura: ou criticá-lo ou
apoiá-lo (ou ao menos aceitá-lo) depois
de tê-lo conhecido. O senhor o conhece, Padre Deivid? Mas há mais: quem há
de confirmá-lo ou negá-lo é um bispo, razão por que escrevo na apresentação de
meu livro Do Papa Herético e outros
opúsculos: “Sucede
que desde o Concilio Vaticano II a hierarquia passou a exercer a modalidade
liberal de autoridade, subtraindo-se com isso à assistência do Espirito Santo.
Renunciava assim não só, ipso facto, ao exercício da verdadeira autoridade, mas ao mesmo dever de
subordinar a si os órgãos subsidiários. Gerou-se desse modo [...] ‘um magistério
de leigos subtraído à autoridade, guiamento e vigilância do magistério sagrado’
[Pio XII]. [...] Sucede, no entanto, que como diz Santo Tomás de Aquino, ‘havendo
perigo para a fé, os superiores devem ser arguidos pelos súditos, até
publicamente’, e isso não seria assim se na defesa da fé um fiel ou súdito não
tivesse, de
certo modo,
a mesma dignidade que qualquer autoridade eclesiástica. [...] Depomos [trata-se
de plural de modéstia] porém tudo quanto ensinamos e tudo quanto publicamos aos
pés dos órgãos autênticos que mantêm a fé neste tempo de trevas – ainda que a
tais órgãos se lhes tenha tirado indevidamente a jurisdição ordinária –, para
que ex post
facto assinalem
quaisquer erros contra a fé que porventura tenhamos cometido. Se o fizerem,
retratar-nos-emos imediata e publicamente. Ousamos pretender, porém, que tanto
em nosso ensino como em nossos escritos não fazemos senão seguir em espírito e
em letra ao magistério infalível da Igreja, a Santo Tomas, a seus mestres
auxiliares – para o que procuramos armar-nos da prudência requerida pela fé e
pela humildade de nossa condição”.
5) Mas há mais: se o Padre Deivid de fato
conhecesse o que faço, saberia que não faço senão seguir o proposto pelo Padre
Calderón (a todos, não só aos clérigos) na apresentação de seu livro Umbrales de la Filosofía: que se forme
uma corrente geral – difusa, claro – de tomistas realmente fundados em Santo
Tomás, para que o tomismo se enraíze em todas as áreas do saber e da atividade
humanos. Mais ainda: disse o falecido Dom Tissier de Mallerais o seguinte em um
sermão pronunciado em Écône no dia 9 de dezembro de 2012: “Também amo a
Fraternidade São Pio X porque D. Lefebvre, com outra ideia brilhante, quis que
fosse dado um curso especial, além de Santo Tomás de Aquino com sua
Summa, obviamente, um
curso especial sobre os Atos do Magistério da Igreja, ensinando
as encíclicas de todos os grandes papas que, desde o século XIX até as vésperas
do Concílio, transmitiram a doutrina da Igreja sobre os erros modernos, o
liberalismo, o modernismo e o socialismo. E todos os anos, desde então, os
seminaristas têm recebido esse ensinamento das encíclicas papais, verdadeiros
sucessores de Pedro”. Pois bem, é exatamente
o que faço no âmbito laical, sem obviamente nenhuma intenção de competir com a
FSSPX, senão que exatamente o contrário. Ou dirá o Padre Deivid ou
qualquer outro que isto não é necessário no âmbito dos laicos?
6) Insisto na pergunta ao Padre Deivid, ou
seja, a de se ele é contrário ou favorável a este magistério laico, segundo,
claro, este magistério esteja ou não de acordo com o mesmo Santo Tomás e com o
mesmo magistério da Igreja. Sim, porque, se se trata de mera rejeição dele pelo
fato de ser laical, então se tratará de clericalismo reprochável. O Pai da
Escolástica, o filósofo e teólogo romano Severino Boécio, era leigo; e assim
também um dos Padre da Igreja, Lactâncio. Mas não me cabe a mim responder pelo
Padre. E que tal Gustavo Corção e Rubén Calderón Bouchet?
Paro por aqui, desejando ao Padre Deivid o
guiamento de Deus em seu apostolado, e pedindo-lhe sua bênção distante.
CONTRARRESPOSTA DO
PADRE DEIVID
Caro Carlos,
Boa noite!
Espero que o senhor esteja bem.
Estava resolvendo umas últimas pendências do dia e recebi o link de sua
resposta à mim, postada em seu blog. No final, o senhor pede minha benção.
Ei-la: Que Deus lhe abençoe.
Tenha uma santa noite.
In Ea,
Padre Deivid Nass, SAJM
P.S: Caso precise dos sacramentos em caso de enfermidade, como foi o
caso da visita do dom João da Cruz em sua casa, enviado por dom Tomás, estou à
disposição.
P.S: Sobre nosso seminário, que o senhor comenta com um certo ar de
incerteza da seriedade da formação: Nossos seminaristas terão como professores
os dominicanos de Avrillé, que estão gravando todas as aulas com os
equipamentos que enviamos à França para isso. Será mais fácil assim do que a
estadia francesa, ainda mais em um aparente perigo de guerra. Obrigado pela
oferta do seu curso. Não desprezaremos em caso de necessidade.
P.S:
Lembranças a querida dona Rosa e ao Paulinho.