Carlos Nougué
Adquiri há uns meses duas séries de importantes
livros de teologia católica traduzidos do espanhol e publicados por editoras
católicas brasileiras. Naturalmente, não direi o nome destas; e é de muito
elogiar seu esforço por lançar clássicos da teologia. É todavia muito de
lamentar que a tradução destas obras seja tão ruim (tanto do ângulo da tradução
mesma como do ângulo da gramática), que pode dizer-se as deforma ou adultera.
Bem sei que em épocas de grave crise cultural, como a atual e a das invasões bárbaras, é difícil sustentar a boa gramática e a boa tradução. Mas há grande diferença entre um São Gregório de Tours pedir desculpas ao leitor por seu mau latim (como diz ele mesmo, chega a confundir nominativo e acusativo) e lançar obras fundamentais de teologia numa tradução horrorosa (a ponto de cair na armadilha de quase todos os falsos amigos do espanhol) e numa gramática ainda pior – sem sequer pedir desculpas ao leitor; antes, louvando-se pela iniciativa de sua publicação. Como estamos longe aqui do senso autocrítico do nosso santo das Gálias! Não há suficientes católicos que dominem a arte da tradução e a arte da gramática? Que estudem! Ou, se no meio da crise atual estão todos tomados de letargia e são incapazes de fazer de tudo para dominá-las, então que passem a tarefa a não católicos, a ateus, a quem quer que tenha expertise em ambas as coisas. E os há bastantes, sem dúvida alguma; são não só em algum grau competentes, mas capazes de traduzir e de escrever ao menos suficientemente bem até textos que vão contra suas crenças (ou descrenças). São profissionais no sentido moderno, e devemos valer-nos deles enquanto houver carência de expertos entre nós. A teologia, seu leitor e nosso idioma agradecerão.