Fonte: Los Cocodrilos del Foso
Nem tudo o que se encontra na Suma Teológica, de Santo Tomás, é exclusivamente para teólogos. Uma das pérolas mais acessíveis e úteis lá encontradas é seu pequeno tratado acerca dos bens do matrimônio.
Ele começa
dizendo: “Nenhum homem sábio deve aceitar um prejuízo se ele não vier
compensado por um bem igual ou maior”. E observa que o matrimônio traz
juntamente consigo bens e males. Quem se casa aceita sofrer estes para alcançar
aqueles.
Até essa frase,
todos estão de acordo. Mas, daqui em diante — e é assustador percebê-lo — entre
o que ensina Santo Tomás, resumindo toda a Tradição e bom senso católicos, e o
sentir comum de hoje não há uma mera divergência, e sim uma total e exata
inversão. Aquilo que para o Doutor da Igreja são males, agora são considerados
bens, e os bens, males. Deixemos bem claro que falamos de pessoas que se
consideram católicas, de forma sincera.
Embora devamos
reconhecer que tanto nos tempos de maior fé, como na época de Santo Tomás,
quanto nos tempos de muita incredulidade, como hoje, muitos renunciam ao
matrimônio (claro, antigamente renunciavam antes do casamento para entregar-se
a Deus, e hoje renunciam depois dele, para entregar-se a… sabe lá Deus). Ainda
assim, tanto antes quanto agora, a grande maioria segue casando. E é curioso,
porque, apesar dessa inversão exata de valores, o saldo continua sendo
positivo.
Quais são, segundo
Santo Tomás, os males que o casamento traz consigo? Em primeiro lugar, uma
decaída da atividade espiritual, devido à veemência das paixões própria do
trato conjugal. E em segundo lugar, a “tribulação da carne”, ou seja, as
preocupações e os trabalhos ocasionados pelas necessidades temporais.
Contudo, esses não
tão pequenos males são extensamente superados por três grandes bens: a prole, a
fidelidade e o sacramento. São os filhos, a prole, o primeiro e o grande bem do
matrimônio, aquilo pelo qual Deus o instituiu. O segundo bem é a fidelidade,
pela qual o homem se une com uma única mulher, e a mulher com um único homem,
tendo cada um no outro um apoio em que poderão confiar. E o terceiro bem, selo
sagrado dos demais, é o sacramento, pelo qual o matrimônio se vê transformado
por Deus em laço indissolúvel e fonte de santidade para toda a família.
Mas, ao contrário,
o que move hoje muitos católicos a se casar? Principalmente os sentimentos e a
paixão, que para um cristão só podem ser satisfeitos legitimamente dentro do
matrimônio. E, em segundo lugar, as conveniências práticas: que haja alguém que
varra a casa e faça a comida, ou alguém que dê um teto e comida. E, por essas
razões, como homens sábios, aceitam a pesada carga dos poucos filhos, que escapam
a seus cuidados; o resignar-se só exteriormente ao único cônjuge; e submeter-se
como um condenado à cadeia perpétua da indissolubilidade.
Dissemos que
percebemos, assustados, essa total inversão daquilo que é o matrimônio. Com
terror! deveríamos dizer. Porque não se trata somente da perda das verdades de
fé, o que já seria gravíssimo; senão da corrupção mesma da razão natural, o que
é ainda pior. Um incrédulo pode se converter a Deus, mas um insensato não!
É evidente que
para ter fé é necessário não estar louco. Mas, para ter a fé, não basta o uso
da razão, mas também se faz necessário o uso correto da razão natural. Há uma
relação mútua e estreita entre a fé e o bom senso das coisas naturais: nossa
mente se eleva ao conhecimento dos mistérios divinos apoiada em comparações com
as realidades naturais. E a luz desses mistérios faz com que compreendamos de
um modo novo, muito mais profundo, as verdades das quais partimos. Essa é a
explicação teológica do grande senso comum de um bom cristão, e da dificuldade
de ser cristão àquele ao qual falta senso comum.
Não seria
necessária a Revelação para saber que os filhos são a grande recompensa do
matrimônio, que a fidelidade é um grande bem e que a indissolubilidade é, no
mínimo, necessária. Mas somente a luz divina poderia mostrar aos fiéis a
grandeza imensa desses bens. “Grande é esse sacramento”, exclama São Paulo
falando do matrimônio, “mas o digo em Cristo e na Igreja” (Ef 5, 32). Somente
ao mirar o mistério de amor e de união entre Cristo e sua esposa, a Igreja,
podemos nos assegurar da grandeza do matrimônio cristão, já que ele é como um
reflexo ou imagem daquele outro Grande Mistério de fecundidade, de fidelidade e
de santificação.
Mistério de
fecundidade: Cristo deu todo o seu Sangue para fazer fecunda a Igreja, e a
Igreja ardeu em desejos de lhe dar filhos. Em todos os povos os engendrou,
generosa, porque é Católica; e por ser Apostólica os deu à luz, incansável, em
todos os tempos. Que pais verdadeiramente cristãos fariam delongas com o último
de seus filhos, quando de tal forma Cristo os desejou!
Mistério de
fidelidade: porque foi todo o seu Sangue o que Cristo deu, e nada guardou para
si; não houve outra Igreja que pudesse ser objeto de seu amor. Por isso a
Igreja é una, e com olhos para um único Senhor. É contemplando esse amor único,
exclusivo porque é total, que os esposos cristãos aprendem a se amar: “maridos,
amai vossas mulheres como Cristo amou sua Igreja, e, como a Igreja está sujeita
a Cristo, assim as mulheres devem ser sujeitas a seus maridos em tudo” (Ef 5,
24-25).
Mistério de
santificação: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para santificá-la”. É
por sua união indissolúvel a Cristo na cruz que a Igreja é santa, e fonte
inesgotável de santidade. Assim, o matrimônio cristão, elevado à dignidade de
sacramento, é uma das sete fontes que derramam entre os homens a santidade que
vem da cruz. Fonte de santidade na medida que é informada pela caridade e pelo
espírito de sacrifício.
Os esposos
católicos, neste tempo de confusão tão profunda e universal, devem mirar a
Cruz, contemplar ali o mistério da união entre Cristo e a Igreja, para
redescobrir a grandeza do matrimônio cristão. Seus filhos, um dia, ao ter em
vocês a fiel imagem desse mistério de fecundidade, de fidelidade e de
santificação, facilmente compreenderão por que a Igreja é Católica, Apostólica,
Una e Santa.
Que difícil é
compreender a esse par de sobreviventes do egoísmo de seus pais que a Igreja dê
seu sangue em suas missões. Que difícil, quando veem separar-se aqueles que
foram seus pais, para atirar-se em braços de estranhos, entender que Cristo não
pode repartir seu amor em pedaços entre uma infinidade de seitas e religiões;
e, por causa disso, que difícil descobrir que o ecumenismo conciliar é uma
mentira. Que difícil acreditar que somente na Igreja se possa nascer e crescer,
que ela seja o único lugar para a vida da graça, quando nunca sentiram,
coitados, o calor de uma família.
Padre Álvaro Calderón
Fonte: aqui .