Frei Mario Agustín Pinto, O.P.
(Publicado na revista VERBO, setembro de 1964, nº 44/45.)
Tradução: Urlan Salgado de Barros
Dizia
São Jerônimo, aludindo à singular difusão que em seu momento alcançara a
heresia do arianismo, que um dia o mundo despertou vendo com espanto que era
ariano. Pois bem, algo análogo pode dizer-se em nossos dias com respeito a essa
nova forma de erro que genericamente leva o nome de progressismo católico.
O
progressismo, com efeito, infiltrou-se em todos os âmbitos da Igreja, mas de modo
principal nos seus centros mais vitais, ou seja, nos seminários, nas casas de
formação do clero secular e regular, nas Universidades, academias e institutos
católicos, em todos aqueles lugares, enfim, onde se formam as mentes daqueles
que estão destinados a ser os dirigentes e mentores do povo cristão. É um
processo semelhante àquele que oferecera, no começo deste século, o modernismo,
com o qual, por outro lado, se apresenta em continuidade perfeita, e contra o
qual reagiria com sobrenatural fortaleza São Pio X. Infiltra-se como um veneno
sutil que dissolve as mentes dos homens e as estruturas sociais nas fileiras
dos leigos, do clero, do episcopado, determinando atitudes, iniciativas,
proposições, decisões, que provocam a angústia das almas fiéis e a
desorientação e confusão no povo crente, que acaba por não saber afinal o que
pensar nem o que fazer, pois vê que se questionam práticas, certezas, costumes
que supunha, fundadamente, imutáveis.
Aos
que, desde trinta anos atrás, vínhamos acompanhando com atenção e angústia este
processo, a situação a que chegamos não pode certamente surpreender. É a
conclusão lógica dos erros do liberalismo, do modernismo, do maritainismo, do
personalismo, que se combinaram e se resolveram no erro global do progressismo.
Mas a grande massa dos fiéis católicos não possuía elementos suficientes para
suspeitar o que se vinha incubando no seio da Igreja, pois até pouco tempo
atrás as novas ideias se manifestavam rodeadas de precauções e cautelas, ante o
temor da autoridade eclesiástica, e principalmente da Congregação do Santo
Ofício, cuja necessária função moderadora e vigilante fez dela objeto de
ataques tenazes e insensatos. Mas eis que, de repente, parece que todas essas
inibições desapareceram, como se todas as comportas fossem abertas. Por isso o
mundo católico pôde despertar um dia vendo, com assombro, que estava
circundado, infiltrado, penetrado pela maré imparável e sempre crescente das
novas correntes progressistas.
Ante
esta situação, em verdade dramática, é necessário, hoje mais que nunca, que os
espíritos que souberam conservar sua lucidez intelectual, e seguem aderindo
firmemente à integral doutrina da Igreja – os tão censurados “integristas” das
campanhas difamatórias do progressismo –, deem seu testemunho da verdade, para
contribuir para dissipar, na medida de suas forças, tão universal confusão. Assim
fizemos entre nós, os teólogos argentinos, que desde muito tempo atrás se vêm assinalando
por sua intrépida constância na luta contra os erros que conduziram
gradualmente até a atual crise progressista. Por tudo isso, recomendamos
vivamente os estudos recentemente publicados que projetam vivíssima luz sobre o
fundamento, a raiz e as múltiplas implicações dos erros que vínhamos
comentando. Um deles é o R. P. Alberto Vieyra, O.P., que em seu opúsculo “O
erro do progressismo” (“El error del progresismo”), assinala agudamente com
fundamento filosófico este erro, o deslocamento que nele se produz no sujeito
mesmo da moralidade sob influxo da instância personalista e existencialista da
filosofia contemporânea, radicalmente oposta à filosofia cristã tradicional das
essências eternas e imutáveis. O outro é um folheto que contém conferências do
R. P. Julio Meinvielle, “Em torno do progressismo cristão” (“En torno al
progresismo cristiano”). Já no ano de 1960, em um número da Revista Estudios
Teológicos y Filosóficos, que adquiriu nestes momentos de crise renovada
atualidade, o R. P. Julio Meinvielle, tomando como ponto de partida o problema
dos sacerdotes operários (obreros), investiga, com sua habitual
sagacidade, a raiz teológica mais profunda do progressismo católico, e a descobre
na concepção de um cristianismo “reencarnado”, quer dizer, na tentativa audaz
de implantar uma sorte de “novo cristianismo”, que completa e aperfeiçoa a
“nova cristandade” de Maritain, e que não deixa de evocar a memória do abade Joaquim
de Fiori, que pretendeu pregar na Idade Média um novo Evangelho, o “Evangelho
eterno”, como ele dizia, e a quem refutou Santo Tomás com razões contundentes
(cf. Summa Theol. I-II, 106, 4). Em suas conferências recentemente
publicadas, o P. Meinvielle completou aquela aguda análise à luz dos novos e
surpreendentes desenvolvimentos que alcançaram aquele erro.
Cremos
sinceramente que todo aquele que lê estes estudos com espírito justo e sem
preconceito, com sincero amor à verdade, encontrará neles todos os elementos
necessários para formar um juízo ortodoxo e exato acerca destes erros
perniciosos, que determinam, para onde o infortúnio vem impor-se, a turbação
dos espíritos, o relaxamento da moral, a destruição do conceito de autoridade e
da disciplina eclesiástica, a mais triste e lamentável subversão. Aqui mesmo na
Argentina exemplos recentes, que não vem ao caso enumerar por serem bastante
conhecidos, vêm a confirmar, com meridiana claridade, nossa asserção.
Não
se nos oculta a sorte reservada a quem na hora atual se atreve a desmascarar e
denunciar estes erros. Os progressistas, com efeito, declararam uma guerra sem
quartel a todos aqueles que permanecem imutáveis na defesa da doutrina
católica, tradicional e integral. Contam eles com quase todos os meios de
publicidade, e gozam do favor e da ajuda dos inimigos ocultos e abertos da
Igreja. Por isso não vacilaram em desencadear campanhas de difamação e
desprestígio que chegam até aos mais altos níveis da Igreja: Cardeais, Superiores
de Ordens e Congregações, eminentes teólogos romanos. Assim o assinalou com
palavras de fato comovedoras a revista francesa Itinéraries, dirigida
pelo grande polemista católico Jean Madiran, assessorada pelo R. P. Thomas
Calmel, O.P., querido condiscípulo e irmão, por cuja luta heroica travada em
circunstâncias singularmente difíceis lhe fazemos chegar nossa homenagem de
cordial solidariedade e admiração. Lemos, com efeito, no número 69 de Itinéraires,
numa crônica romana assinada por “Peregrinus”, estas palavras de angústia, que
mostram até onde vai essa audácia agressiva do movimento progressista, em sua
campanha contra o “integrismo”, ou seja, contra os defensores da doutrina
católica integral, sem mutilações que a desvirtuem em seu conteúdo essencial. Diz
Itinéraires:
“A
desqualificação arbitrária das pessoas pelos reflexos condicionados do
anti-integrismo é um processo de autodestruição da Igreja. Se esta fosse uma
sociedade somente humana, não poderia sobreviver. O ‘integrista’ é aquele a
quem não se fala; já não é um irmão, nem sequer um irmão inimigo; não é um
adversário humano; é o equivalente a um cão sarnento que se espanta com um
pontapé. Ele é desprezado em silêncio ou insultado com a maior grosseria. Ele é
considerado capaz de tudo e ainda mais baixo na escala dos entes do que
criminosos endurecidos, que recebem pelo menos algumas funções nas prisões.
Pode fazer qualquer coisa, exceto levar em conta sua existência e sua opinião.
Basta que se tenha lançado a qualificação de ‘integrista’ com alguma
insistência no universo do rumor organizado para que, praticamente, nem sequer
se examine se essa qualificação é fundada, e em que medida e em que sentido. É
de si global e definitiva, como a declaração de que um indivíduo está
contaminado com lepra; já não cabe para ele nenhum contato com os homens sãos.
Entretanto, a uma parte cada vez maior em número de clérigos e leigos que
integram a Igreja é posto este rótulo pestífero. É ‘a guerra psicológica’ transplantada
para o seio da Igreja”.
“Esta
‘guerra psicológica’” – acrescenta o mesmo autor – “se desenrolava até há pouco
tempo nas zonas periféricas do corpo eclesiástico, no âmbito das paróquias, da
organização da Ação Católica, dos Vicariatos Gerais das dioceses, às vezes
também no âmbito de tal ou qual conferência episcopal. Mas agora foi levada até
o centro mesmo da Igreja. E agora Cardeais da cúria, Superiores de Ordens
Religiosas, teólogos romanos vêm a ser pessoalmente destroçados pela máquina
infernal. Alguns deles conhecem já por experiência própria a escuridão da
solidão e do desprezo, a tentação do desespero, a desorientação da alma,
provocada em suas vítimas por essa guerra psicológica organizada pelo
anti-integrismo. Experimentam o que experimentaram antes que eles, sem que eles
o soubessem, talvez sem que o tivessem cabalmente compreendido, tantos leigos e
clérigos humildes de última fila. Agora eles, por sua vez, estão sós, com seu
coração rasgado, sós com seu amor reusado e depreciado, sós com suas lágrimas e
orações. Sós com Jesus e sua Santíssima Mãe, no umbral do primeiro dos
mistérios dolorosos.
“Que
todos aqueles que de um extremo ao outro da Cristandade sobreviveram à prova,
que pela graça de Deus suportaram sem ser definitivamente destruídos, que todos
aqueles que estão atualmente submersos nela e tateiam no escuro, que todos se
unam em oração e no Santo Sacrifício da Missa, todos os que hoje em dia, em
Roma, se tornaram alvo, por sua vez, do massacre; alvo desta atroz guerra
psicológica de anti-integrismo, que arruína arbitrariamente sua reputação, que
rompe ou confunde suas amizades mais antigas, que destroça em suas mãos o bem
que poderiam fazer, e que leva suas devastações até o mais íntimo de sua alma.
Com eles, por sua intenção, para que se sintam confortados, consolados,
fortalecidos, recitemos os mistérios dolorosos do Santíssimo Rosário”.
E
nós, por nosso lado, que compreendemos cabalmente toda a dolorosa verdade
destas palavras, com íntima adesão às figuras eminentes, aos campeões da fé que
atravessam hoje esta prova, para que se possa conhecer melhor a raiz venenosa e
profunda, que explica a razão de ser e a íntima coesão de todas essas ideias,
atitudes e doutrinas que estão semeando a confusão em nossas filas,
recomendamos vivamente os estudos libertadores e esclarecedores do P. García
Vieyra e do P. Julio Meinvielle.