Carlos Nougué
Nota prévia 1. Este opúsculo se destina,
antes de tudo, aos alunos da Escola Tomista.
Nota
prévia 2. Obviamente, não é demonstrativo, senão que visa antes a arrolar
conclusões a modo de guia. As demonstrações do que se trata aqui dão-se ao
longo do tratado da Lógica na Escola Tomista.
Nota prévia 3. Neste como compêndio,
brevíssimo, digo o que é a lógica, ou seja, qual é seu lugar nas disciplinas,
qual é seu sujeito e qual é sua definição. Como porém estão aqui implicadas a questão
dos universais e dos entes de razão e pois a da abstração, dedico-lhes, de modo
mais detido, um maior espaço neste opúsculo.
1) A Lógica é arte ou
ciência?
Resposta. A lógica é,
excepcionalmente, tanto arte como ciência, mas em ambos os casos só em sentido
amplo.
a) Especialmente como arte,
é propedêutica a todas as demais artes e ciências, e divide-se em logica
docens e logica utens. Como docens, é a arte de pensar. Como utens, constitui aplicadamente
a introdução das demais artes e ciências. – É ademais arte liberal, mas de tipo
especial: está para as artes liberais assim como a medicina está para as artes
servis, ou seja, é uma como “arte de uso” liberal.
b) Mas á antes ciência que
arte, e como tal é a filosofia racional,
que estuda nosso mesmo modo de inteligir. Não é porém ciência cabal, e fica à
espera da Metafísica para que se solva tudo aquilo que ela apenas antecipa
provisoriamente.
2) Qual é o sujeito da Lógica?
Resposta.
Quanto a isto, dividem-se os tomistas (e eu mesmo hesitei durante um tempo). Muitos
dizem que o sujeito da Lógica são os entes de razão de segunda intenção; alguns
como que esquivam o problema; enquanto outros põem que seu sujeito são, sim, os
entes de razão mas enquanto constituem relações de razão, o que é o mesmo que
dizer que o sujeito da Lógica são tais relações. E esta é a posição correta. –
Se porém se considera a Lógica como ciência, seu sujeito serão, mais precisamente,
as relações de universalidade lógica; ao passo que, se se considera como arte,
seu sujeito serão, mais precisamente, as regras de universalidade lógica.
3) Mas que são entes de
razão?
Resposta.
Em princípio, poderia dizer-se que são todos os entes que a razão produz, suas
obras, seus verbos. Mas a insistência nisto antes confunde que esclarece. É
que, se se trata da abstractio totius (a abstração do todo) – que é a
abstração própria das ciências naturais e a que funda a divisão conducente às
definições em concreto (vide a árvore de Porfírio) –, têm-se os
universais metafísicos, ou seja, os universais de primeira intenção, que têm
fundamento próximo no real: substância, não vivente, vivente, vegetal, animal,
bruto, homem, urso, etc. E obviamente entre estes universais – que, como tais,
não podem dar-se senão na mente – também se dão relações. Não se devem todavia
chamar-se a tais universais “entes de razão” e a tais relações “relações de
razão”. Devem antes dizer-se entes da
razão e relações da razão,
reservando os nomes entes de razão e relações de razão aos universais de
segunda intenção: gênero, espécie, diferença, próprio e acidente, e suas
relações. Os universais de segunda intenção, que têm fundamento remoto no real,
são os elementos da Lógica (enquanto a matéria desta são as três operações do intelecto:
simples apreensão, juízo e raciocínio).
4) Mas tais entes de razão
são os únicos elementos da Lógica?
Resposta.
Não. Também o é, por exemplo, o silogismo.
5) Tais entes, no
entanto, são os únicos ditos de
razão?
Resposta.
Não. Também se dizem certos entes de razão os entes matemáticos e as
quimeras ou entes fabulosos.
a) Os chamados entes
matemáticos são certos universais resultantes não de abstractio totius,
mas de abstractio formae (abstração da forma). Na abstractio totius,
abstrai-se o todo de suas partes: assim, por exemplo, homem abstrai-se de
pés e mãos (mas não de corpo composto de elementos diversos); na abstractio
formae, abstrai-se a forma da matéria: assim, por exemplo, círculo abstrai-se
de bronze e de suas qualidades sensíveis (mas não de matéria inteligível,
noção de alta complexidade). Pois bem, quando se trata de quantidades
abstraídas de qualidades sensíveis, como é o caso de círculo ou de 7,
têm-se os entes de razão matemáticos.
Observação:
os entes de razão matemáticos poderiam assimilar-se ou reduzir-se aos
universais de primeira intenção, mas com a seguinte diferença: estão para estes
assim como os acidentes estão para a substância, razão por que, ao contrário do
que sucede com os universais de primeira intenção, aos entes de razão
matemáticos não corresponde definição ou conceito em concreto, tão só em
abstrato.
b) Os entes fabulosos
(centauro, unicórnio, montanha de ouro, etc.) são os que simpliciter
poderiam dizer-se de razão: não têm nenhum fundamento no real, nem
próximo nem remoto.
6) Posto tudo isso,
pode-se dar agora a definição de Lógica?
Resposta.
Sim.
a) Se se trata da Lógica
enquanto arte (em sentido amplo, recorde-se), podem dar-se duas definições. A
primeira, de Santo Tomás, pela matéria e pelo fim, é: “a arte diretiva do
próprio ato da razão, para que o homem proceda no próprio ato da razão
ordenadamente, facilmente e sem erro”. A segunda, do Padre Álvaro Calderón, também
pelo sujeito (e pois mais completa), é: “a arte diretiva do ato mesmo da razão segundo
as regras da universalidade, para que o homem alcance a ciência ordenadamente,
facilmente e sem erro”.
b) Se contudo se trata da
Lógica enquanto ciência (igualmente em sentido amplo, recorde-se), então sua definição
deve ser: “a ciência das relações da universalidade”.
7) Parece, no entanto,
que essa definição não abrange o tratado das Categorias ou Predicamentos, o
qual no entanto, como se diz na Escola Tomista, é parte integral da Lógica.
Resposta.
Com efeito, para abrangê-lo, dever-se-ia definir a Lógica como “a ciência do
ato da razão”. Sucede porém que o tratado das Categorias ou Predicamentos não é
cabal ou autossuficiente: apenas incoa um dos tratados da Metafísica.
8) A propósito, a
Lógica resolve a questão dos universais?
Resposta.
Não, apenas incoa sua solução. Com efeito, no tratado dos Predicáveis (a
primeira parte integral da Lógica) aprendemos que o universal enquanto tal só
existe na mente, enquanto na realidade extramental só existe singularizadamente:
por exemplo, em cada indivíduo ursino. Mas é evidente que esta solução não é
cabal. O físico já verá que, embora o produto palpável de um urso e de uma ursa
seja um novo indivíduo, tal procriação não se dá senão sob certa razão de
universalidade: a essência ursina, a ursidade. Será no entanto preciso esperar
a Metafísica para saber que o que procriam o urso e a ursa é uma participação
ou imitação da ideia divina de urso, e mais: que mesmo cada indivíduo ursino corresponde
a uma precisa ideia divina. Mas por isso pôde dizer Platão que a procriação das
espécies é uma imitação da eternidade.
9) Uma última pergunta:
como devem ter-se os alunos da Escola Tomista (e, afinal, quaisquer alunos de
tomismo) com respeito à Lógica?
Resposta. Antes de tudo, devem entendê-la como o que é, ou seja, como propedêutica, e não como um fim em si. Aquele que se torna exclusivamente um lógico, comprazendo-se nas regras lógicas de universalidade, está na antessala da ideologia. Depois, não devem deter-se indefinidamente em seus “pontos cegos”, ou seja, nos pontos seus que ao cabo o aluno não compreendem perfeitamente. Ao contrário, após certo tempo de detença devem prosseguir, ainda que não tenham de todo claro tal ponto cego. E isto deve ser assim por dupla razão. Primeira: tanto a Física como a Psicologia e, sobretudo, a Metafísica acabarão por dar-lhes luzes suficientes para entender retroativamente aqueles pontos cegos. Segunda: a progressão dos estudos – da Física à Metafísica, inclusive – acabará por dar aos alunos uma maior agilidade e penetração mental, o que também retroativamente os ajudará a vencer aqueles pontos cegos na mesma disciplina propedêutica a todas as demais disciplinas.
Observação: naturalmente, quando se fala
aqui de Lógica, fala-se da lógica aristotélico-tomista. A lógica nominalista e especialmente
as diversas lógicas modernas são todas, em essência, de fulcro kantiano: são
solipsistas, giram em torno de seu próprio umbigo, são uns como uróboros; ao
passo que a lógica aristotélico-tomista tem por fim propiciar o conhecimento
certo, perfeito e atual do necessário por suas causas. Tem por fim a ciência.