A comunicação é assunto da maior importância para o ser humano, pois este é social por natureza. Sem comunicação não há família, nem sociedade, nem educação, e o homem não desenvolve sua personalidade.
E a comunicação é ainda mais importante para o cristão, porquanto Jesus
Cristo quer que entre Ele e seus fiéis haja uma união grande ao ponto de ser
semelhante à que há no seio da própria Santíssima Trindade: “E eu não rogo somente por eles (os Apóstolos), mas rogo também por aqueles que hão de crer em mim por meio da
sua palavra, para que sejam todos um, como tu, Pai, és em mim, e eu em ti, para
que também eles sejam um em nós, e creia o mundo que tu me enviaste”
(São João, 17). Daí se segue que aquilo que nos comunica e une com Deus seja
também aquilo que nos comunica e une com os demais homens: a caridade, o amor
divino, que tem ao mesmo tempo por objeto a Deus e ao próximo. Sem comunicação
não há Igreja nem salvação.
Por isso tem também fundamental importância o meio de comunicação. Sim, usamos propositadamente essa
expressão, já que tanto se fala hoje em “meios de comunicação”. Qual é o
principal meio de comunicação cristão? O principal meio de comunicação cristão
é a Eucaristia. Sempre os homens se uniram a Deus pelos
sacrifícios e se comunicaram entre si compartilhando uma refeição, e a
Eucaristia é ambas as coisas: Sacrifício divino e divina Refeição pela qual o
cristão se une a Deus e aos seus irmãos, tornando-se assim membro do Corpo
místico, cuja cabeça é Jesus Cristo.
A Eucaristia é o Sacramento da unidade
eclesiástica, o Meio que engendra, engrandece e fortalece a
sociedade divina que é a Igreja. Sinal puro e sensível, apto a ser compreendido
pelas mais simples inteligências sem que deixe de ser eficacíssimo, pois nas sagradas
espécies do pão e do vinho está presente o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.
E a fim de explicar esse Sinal do amor divino, pelo qual Jesus Cristo se
entrega ao Pai como Vítima e se entrega a nós como Refeição, a Igreja engastou
a joia da dupla consagração na Liturgia da Santa Missa, pela qual somos
formados no verdadeiro catolicismo e da qual brota toda a riquíssima cultura
cristã. O meio de comunicação cristão é certamente a Eucaristia.
Mas também existem os meios de comunicação humanos, que na medida em que
não são usados de maneira cristã merecem ser chamados meios de comunicação mundanos, e estes se têm
aperfeiçoado de maneira assombrosa nos últimos tempos.
Esses meios se têm incorporado aos homens numa sociedade também universal
– é oportuno dizer – que constitui uma verdadeira anti-igreja, cuja cabeça invisível já podemos adivinhar
quem é: Satanás. E hoje o principal meio de comunicação é o smartphone (em inglês, que é a língua sagrada
da antiliturgia mundana), o telefone astuto que constitui
uma espécie de antieucaristia pela qual se
comunga nesta nova sociedade invertida. Isso é hoje, porque muito provavelmente
amanhã todos terão um chip no cérebro e o 666 na fronte. Esta é uma
sociedade antitradicional em que tudo
muda a uma velocidade cada vez maior.
Talvez tu sejas tão ingênuo que a exagerada oposição que pusemos entre o
celular e a Eucaristia te surpreenda. Por acaso não te dás conta de como esses
aparelhinhos cativam e encantam, arrancando-te da oração, da família e da boa
amizade? Quantas vezes não se interrompe uma conversa por causa da matreira
vozinha do celular! Ou não se vê uma pessoa olhando para o vazio enquanto fala
durante uma reunião! Não é à toa que se pede que se desliguem os celulares ao
entrar na igreja: eles são contrários a Nosso Senhor. E o são muito mais do que
geralmente se está disposto a reconhecer.
Os meios de comunicação e a revolução anticristã
É muito clara a ligação entre o progresso dos meios de comunicação e o
avanço da revolução anticristã. O processo que vivemos
começa em 1300 com o mal chamado Renascimento humanista,
quando tantos cristãos deixaram de pôr Deus no centro de suas vidas e começaram
a pôr-se a si mesmos. Mas é um fato histórico reconhecido que esse movimento de
antropocentrismo foi determinantemente influenciado pela invenção do papel e da
imprensa, e do consequente barateamento dos livros. Os homens cultos já não
quiseram ter como mestres os sacerdotes e os teólogos, pois preferiram acessar
as fontes de sabedoria por si mesmos: a Bíblia e os filósofos antigos.
Dois séculos depois, em 1500, a propagação de traduções da Bíblia e de
livros fáceis de autodeclarados teólogos provocou a mal chamada Reforma protestante (os nomes dessa história foram
dados pelos revolucionários), a qual jamais poderia ter acontecido sem o
progresso dos sistemas de fabricação de papel e de impressão dos escritos. Da
mesma maneira, mas ainda mais intensa, foi o caso da Revolução francesa, que se deu
no início do século XVIII (agora os historiadores começaram a chamar as coisas
pelo seu nome, embora os bons franceses não gostem do adjetivo). Ela foi
possível por causa de uma inundação de revistas e folhetins muito simples que
denegriam a ordem cristã sem o cuidado argumentativo que tomavam os heresiarcas
luteranos. Observe-se que, quanto maior a pujança do meio
de comunicação, maior a pobreza do conteúdo comunicado.
Dois séculos depois e chegamos, no século XX, ao Concílio Vaticano II, onde
a revolução modernista contagiou a própria hierarquia da Igreja. Pois bem, este
foi o Concílio dos jornalistas, pois foi nele que os padres
conciliares prestaram mais atenção aos jornais que ao Espírito Santo. É um fato
patente que a reforma conciliar – que não é outra coisa que uma infecção de
revolução anticristã na Igreja – não teria sido possível sem os modernos meios
de comunicação: as impressoras rotativas, que vomitavam todos os dias milhões
de jornais; o rádio, que aturde com seu incansável palavreado; e a televisão,
que com sua vertigem enlouquece a imaginação. Os jornais bateram à porta, o
rádio entrou em casa, e a televisão assentou-se de frente para a mesa familiar.
Os católicos então não puderam mais pensar.
No entanto, os meios de comunicação que temos à disposição hoje são
imensamente mais poderosos, e não estão em casa, pois já se meteram em nossos bolsos!
Hoje não somente se têm as bibliotecas do mundo no celular mas todos estão
chamados a ser autores; hoje não somente se ouve a incessante voz do rádio mas
todos são instigados a tornar-se emissoras que falam sem parar; e não somente
se abre estupidamente a boca diante do programa de televisão mas todos agora
são convidados a atuar. Se deixamos a ingenuidade, o que hoje se pode esperar
que ocorra quando vemos os poderosíssimos instrumentos à disposição de Satanás
para possuir a mente dos homens?
As oito desventuranças do smartphone
Nós, os sacerdotes, não deixamos de assombrar-nos com os multifacetados
danos produzidos por esses aparelhos endiabrados. Assombrados e atemorizados de
fato, e, se não estamos horrorizados como deveríamos, é porque pouco a pouco
acabamos por acostumar-nos com a situação. Tentamos fazer uma lista de males,
daqueles que às vezes são tão graves que é inconveniente descrever, mas
acreditamos que precisamos ser suficientemente claros.
Desventurança da
impureza
Leva-se no bolso uma ampla biblioaudiovideoteca com uma seção quase
infinita de pornografia, e para acessá-la não é preciso passar a vergonha de
entrar na fila de um cinema de má fama, nem mostrar a triste cara na banca de
jornal, que vive de enriquecer à custa da miséria alheia; basta apenas apertar
um discreto botão. Vive-se em perpétua ocasião com um saco de gasolina suja na
mão, pronta para explodir com a primeira fagulha de tentação. Quanta virtude é
preciso ter para nunca acabar por incendiar-se?
Desventurança da
indecência
No homem se dá mais a tentação de ver; na mulher a de ser vista. Que a
vejam mas não a toquem. E, em seu orgulho, a jovenzinha quer ser vista sem que
se note que se mostra, como que por surpresa. Pois bem, a tela oferece a
maneira mais gradual e mais medida de nutrir a vaidade e enfraquecer o pudor,
porque permite manejar sua imagem e aparecer defendida por uma barreira de
proteção. Ainda há aqueles que se escandalizam com a podridão dos reality shows, e não se dão conta de que, com os
milhões de filmadoras que registram a todo momento, a sociedade moderna inteira
se está mostrando da mesma maneira. Papais tranquilos quando o namoradinho tem
uma janelinha aberta para entrar no quarto de sua filha.
Desventurança da
sedução
O sedutor tem à sua disposição o melhor meio para ter acesso à sua presa. A
jovenzinha tem o cuidado de não falar com qualquer homem, mas quem resiste a
ler uma mensagem?! Ninguém deixa que qualquer pessoa se aproxime de sua filha e
sussurre ao ouvido dela – ou do esposo, ou da esposa –, mas o celular consegue
fazer isso. Pior ainda são as conversas anônimas, porque é sedutor lidar com o
perverso ou a prostituta, assim como Eva foi atraída pela ciência do bem e do
mal. E os aparelhos permitem entrar nesses infernos com a aparente segurança de
poder sair instantaneamente com um movimento do dedo. Mas a cada momento que
ali está cativa, como o ratinho hipnotizado pela serpente, a jovem caminha
rumo à casa de seu estrangulador.
Desventurança da
cobiça
O desejo das coisas cresce ao infinito. O cartão de crédito já era uma
ocasião de gastos imoderados que poucos podem controlar, de modo que era
preciso segurar em casa os compradores compulsivos. Mas agora já não é
necessário passear no shopping, pois o
celular é uma vitrine de tudo o que se vende no universo, tudo pronto para ser
comprado em parcelas com um clique. E há também os gastos em telecomunicação.
Pobres católicos tradicionais com muitos filhos: como fazem para pagar a conta
de celular de cada um? Antes as crianças mendigavam uma moeda para as
guloseimas ou para as figurinhas do álbum; agora é para carregar o celular.
Desventurança da
irrealidade
O ser humano, por sua própria natureza, sempre sofreu o conflito entre
aparência e realidade, porque os rostos nem sempre manifestam o que acontece na
alma, e quase todos cobrem sua personalidade real com a máscara de uma
personalidade artificial. Como é difícil conhecer até o próprio irmão! Mas
agora, neste cenário virtual em que toda a sociedade inteira está encenando,
este problema foi elevado ao nível de verdadeira loucura coletiva, de uma
toxicodependência em massa, ou, pior, de certa possessão diabólica social. Se
examinarmos bem, concluímos que não há exagero aqui. A sofisticada aparência
virtual cria ilusões muito difíceis de dissipar. Hoje, até nossos bons fiéis
creem ter amizade virtual, apostolado virtual, caridade virtual, e a distância
que se toma do real pode ser imensa (advertimos, não condenamos). Um triste
dado confidencial: temos certeza de que grande parte dos sacerdotes que nos
últimos tempos deixaram a Fraternidade foi por se terem deixado enganar por uma
ilusória fraternidade virtual. E se isso nos acontece a nós, em nossa família
sacerdotal, não menos se passa convosco, queridos fiéis, em vossas próprias
famílias. Ou não?
Desventurança da
irreflexão
Já observamos que, quando cresce o meio, diminui o pensamento. Aquele que
lê pouco pensa muito, e aquele que lê muito pensa pouco (entenda-se que não
estamos contra o hábito da boa leitura!). E, se a letra esgota o espírito,
quanto mais a imagem sonora em movimento! Hoje se têm mil cinemas abertos no
bolso, se mantêm mil conversas, e mil notícias ao vivo bombardeiam o cérebro.
Não sobra um segundo de contemplação nem de pensamento. A ebulição da atividade
imaginativa torna-se obsessiva e tende a anular toda atividade propriamente
intelectual. Não se dá de outra maneira a possessão demoníaca.
Desventurança da
charlatanice
Há aqueles que querem ter uma vida intelectual e descobrem o ambiente
universitário virtual. Mas à irrealidade que padece soma-se outro pecado: o
desconhecimento da autoridade. Não importa quem sabe; todo o mundo tem direito
de ensinar. É como uma imensa praça, a Ágora da nova Atenas, onde qualquer pessoa
instaura sua cátedra. Centenas de milhares falam e milhões escutam (porquanto
não há blog que não tenha visitas), mas não se ensina nem se aprende
nada, pois as verdades que são ditas acabam por ser desperdiçadas num oceano de
ninharias e já ninguém acredita em nada.
Desventurança da
liberdade
A internet é o ilusório triunfo da liberdade de expressão. Escutamos isso
até de um sacerdote: “Os jornais e a televisão estão dominados, mas
pela internet podemos falar”. Que falsa ilusão! O inimigo do homem
sabe perder dez para ganhar um milhão. Deixem que diga o que quiser o padreco
tradicional, que a única coisa de que me vou encarregar é pôr simultaneamente
outras mil pessoas falando a favor e contra a Tradição. Vão todos à Ágora de
Atenas para conhecer a verdade!
Terminamos aqui,
mas todos sabem perfeitamente que a lista dos males poderia alongar-se muito
mais.
Se nossa justiça não é melhor…
Nossas queridas famílias vivem, neste ponto, certa hipocrisia farisaica de
que não estamos totalmente isentos os sacerdotes. O apego aos celulares é tão
grande, e os males que traz são tão vergonhosos, que aquilo que seguramente se
reconhece nos confessionários nem é mencionado na mesa familiar e é de difícil
trato no púlpito. Mas Nosso Senhor nos adverte: “Se vossa justiça não for maior
que a dos escribas e que a dos fariseus, não entrareis no reino dos céus”
(São Mateus, 5). Não façamos igual ao avestruz, que fecha os olhos diante do
mal que sofre. Se a imprensa deu lugar à reforma protestante, se o rádio e a
televisão permitiram a revolução conciliar, que nova etapa nos preparam a
internet e o smartphone? É preciso fazer algo.
É verdade que a atitude católica ante o mundo e suas coisas não é a de
separação material, como no Antigo Testamento ou como fazem hoje os menonitas.
Nosso Senhor disse: “Não peço que vos tireis do mundo, mas que vos
guardeis do mal” (São João, 17, 15). Os santos imprimiram livros e
folhetos, e hoje utilizarão aparelhos, porque o mal não está nos circuitos
eletrônicos, mas no uso que se faz deles. Trata-se de usar das coisas deste
mundo com virtude cristã, tomando o que é bom e deixando o que é mau. Não é
solução universal pretender não usar nunca um computador ou um celular; este é
remédio material que geralmente termina pior. Mas também é muito católica a
humildade de saber-se inclinado ao mal pelo pecado original. Temos pouca
virtude, e por causa disso não precisamos propor-nos a condutas que só podem
sustentar-se com virtude heroica. Necessitamos apartar-nos o quanto possível
das ocasiões de pecado, e isso é que é o celular.
O que fazer? Não a todos convém a mesma coisa, nem todos são capazes das
mesmas coisas, razão por que pode ser até contraproducente dar receitas
universais:
• A posse de um celular traz uma falsa sensação de segurança, e acaba que te
assaltam para roubar o aparelho: confia mais no anjo da guarda, que não é
virtual.
• Quando for preciso usá-lo, convém não ter celulares pessoais, mas apenas
familiares, que são usados apenas quando necessário.
• Não usá-lo em casa, mas apenas quando sair; e deixá-lo na entrada, como
se deixam os guarda-chuvas.
• Impedir a conexão wi-fi em casa.
Ah! Para que seguir esses conselhos, se nada bastará se não se odeia a fonte de tanto mal?! É preciso falar mal dele, difamá-lo merecidamente, lutar contra o feitiço sob o qual ele nos mantém. Eucaristia ou smartphone. Aquela atrai para o alto, este puxa para baixo: é verdadeira a oposição. Se não o desligarmos, perderemos a Nosso Senhor!
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Publicado na
revista Iesus Christus, n.º 155, no penúltimo trimestre de 2016.