Carlos Nougué
Já
fiz, no início do ano passado, público mea-culpa pela ingenuidade culpável com
que acreditara num suposto progresso teológico, religioso e político do Centro
Dom Bosco e da Liga Cristo Rei, os quais afinal, sob uma linguagem aparentemente
tradicional, nunca se haviam desvinculado da influência liberal-conservadora de
Antonio Donato e de OdC. Mas agora hei de fazer uma autocrítica ainda mais
grave, se quero ser honesto diante de Deus, de meus alunos e leitores e de mim mesmo: foi um grande erro meu ter feito campanha pública pela eleição de
Bolsonaro. Entenda-se bem: não me
arrependo de ter votado nele, que de fato na época se afigurava como um mal
menor. O arrependimento é quanto a ter, como dito, feito campanha pública por
ele. Por quê? Porque, buscando seguir a diretriz de S. Pio X segundo a qual, na
ausência de candidato digno, deviam os católicos votar no candidato menos
indigno, não atentei para a grande diferença de conjuntura entre a época do
santo papa e a nossa. No início do século XX, a hierarquia da Igreja ainda
sustentava o depósito da fé e estava pronta a guiar seu rebanho para que ele,
ao votar num candidato menos indigno, não caísse nas armadilhas da
democracia liberal e de nenhuma corrente política não efetivamente católica. Nos
dias de hoje, todavia, a hierarquia da Igreja já não o faz, e por isso o que
parecia ser um simples voto num mal menor (Bolsonaro) – que, ainda que menor,
sempre foi um mal – se transformou não só em APOIO dos católicos liberal-conservadores
e de boa parte dos católicos tradicionais a este mesmo mal, mas em verdadeira
idolatria dele, fazendo assim o jogo dessa grande e forte direita internacional
em cuja liderança se encontra o gnóstico perenialista Steve Bannon. Comecei a
dar-me conta, ainda confusamente, de meu erro cinco meses após a posse de
Bolsonaro, quando, ao constatar que este fazia de tudo menos cumprir as
promessas que o tinham feito um mal menor, escrevi o texto “Eu
acuso”, onde justamente mostrava as traições não só do presidente mas de toda a
direita liberal-conservadora – e no entanto os referidos católicos, ainda
assim, se mostraram tão comprometidos com eles, que já nem sequer se importavam
com que eles não lutassem sequer contra a criminalização da homofobia pelo STF.
Hoje, no entanto, dou-me conta plena da razão de meu erro: defender
publicamente uma orientação prática de um papa antigo com abstração das
condições concretas em que o fazia. Hoje vemos católicos pôr uma imagem de Bolsonaro
ao lado de outra de Nossa Senhora, em patente sacrilégio; hoje vemos algum padre
tradicionalista deixar de fazer um retiro espiritual costumeiro para liberar
seus fiéis para as manifestações de 7 de setembro próximo, cujo único objetivo
é sustentar um governo inepto e absolutamente descompromissado com o que o
tornaria, repita-se, um mal menor; hoje vemos, enfim, católicos tradicionais não
diferenciar-se politicamente não só dos católicos liberal-conservadores, mas
dos mesmos liberal-conservadores não católicos, incluindo notórios maçons. O
reinado social de Cristo? Para as calendas, ou como mera festa litúrgica!
Ademais,
como diz o P. Álvaro Calderón referindo-se a Rubén Calderón Bouchet, seu pai, o
grande historiador é aquele que, tendo especializado de determinado modo o
hábito do intelecto, é capaz de concatenar todos os dados de dada conjuntura
num quadro explicativo abrangente e claro, de modo que, digo eu, se possa
utilizar eficientemente para a ação prática. Diz o P. Calderón que ele mesmo
não é capaz de tal, ou seja, que ele não é historiador, ainda que seja capaz de
entender teologicamente a história em suas linhas gerais. Em minha modesta escala,
digo o mesmo de mim. Mas já me caiu dos olhos a última escama: eu errara de
fato ao fazer campanha pública pela eleição de Bolsonaro. E, com olhos
agora perfeitamente desobstruídos, posso dizer ainda: Mea culpa.