Por Miguel Ángel Yáñez (12/7/2020)
(in Adelante la Fe; tradução de Urlan Salgado de Barros)
Se fazemos uma leitura calma do Motu Proprio Traditionis Custodes, o chamado Anti-Summorum, há que reconhecer que, do ponto de vista de Francisco e da revolução conciliar, é absolutamente coerente e compreensível em seus juízos, justificações e medidas: não se equivoca, porque atrás da Missa tradicional há algo mais que uma sensibilidade, algo que os inquieta profundamente, e com razão.
A imposição do Novus Ordo não foi, como nos querem fazer crer desde o Summorum
Pontificum, uma nova forma do rito romano que expressava a mesma fé de
sempre, ainda que marcando os acentos de forma ligeiramente diferente.
A nova missa tem sido, e é, o aríete com que o modernismo destruiu as
portas da antiga Fé para substituí-la por uma nova mediante o Lex Orandi, Lex
Credendi; por algo os cardeais Otavianni e Bacci a definiram como “afastada em
conjunto e em detalhe da teologia católica da Santa Missa”.
Parece-lhes exagerada esta afirmação? Contra factum non valet
argumentum, contra fatos não há argumentos que valham: simplesmente façam
uma simples visita a qualquer igreja cheia aos domingos e perguntem sobre
dogmas de Fé, sobre o que é a Santa Missa, sobre a transubstanciação, sobre a
moral sexual mais básica e em todas as ordens, e descobrirão que a grande
maioria das pessoas e do clero – com batina ou sem batina – que há ali dentro
mal conservam parcos vestígios da verdadeira Fé.
Compreender-se-á, pois, como a tentativa impossível de Bento XVI de
tornar quadrado o círculo, querendo unificar duas supostas “formas” e, por sua
vez, dissipar as dúvidas sobre o Vaticano II com sua absurda hermenêutica da
continuidade – nunca demonstrada e nem sequer exposta sistematicamente –, não
podia senão explodir em algum momento, porque não é possível, se não
renunciamos à lógica e ao princípio de não contradição, sintetizar um suposto
único rito romano bicéfalo com duas cabeças ontologicamente concebidas para se
destruírem uma à outra, porque não é que cada uma expresse o mesmo com ligeiro
acento diferente, senão que expressa exatamente o oposto da outra. Não pode
haver síntese, enriquecimento nem paz litúrgica que valha entre um rito
concebido para destruir a teologia católica da Santa Missa e outro concebido
para engrandecê-la.
Não esqueçamos, como já expus num artigo anterior (https://adelantelafe.com/summorun-pontificum-y-la.../), que o Summorum Pontificum não é mais que
o resultado de uma das condições das negociações que se deram com a
Fraternidade São Pio X, as quais não frutificaram, ficando tudo como uma imensa
“batata quente” nas mãos do Vaticano – “batata” que multidão de grupos vinha
bicando até o dia de hoje.
Esta tensão inata ao monstro de duas cabeças criado por Bento XVI não só
se percebe em nosso lado, senão que eles também o conhecem perfeitamente, e
sabem que, assim como eles usam o Novus Ordo para destruir a fé de sempre, nós “usamos”
a Missa Tradicional como muralha defensiva contra seu aríete, e que isto não é
uma questão de sensibilidade, de gosto pelo incenso ou pelos “panos”, senão que
há uma base firme e inevitável, uma emenda à totalidade de todo o modernismo
surgido do, pelo e no Vaticano II, e imposto forte e violentamente por todos os
papas pós-conciliares que agora “santificam” e “beatificam” a todo o transe.
O próprio Bento XVI era consciente disso quando impôs como condição para
aproveitar-se dos benefícios do Summorum a condição sine qua non
de não opor-se ao Novus Ordo, impondo assim de fato uma lei de silêncio que
muitos lamentavelmente acolheram incautamente, querendo ser mais uns na grande
orquestra conciliar da diversidade.
Francisco, pois, não fez mais que concluir esta condição, ao observar –
com razão – que o que se move em torno da Missa tradicional não é somente uma
sensibilidade especial pelo antigo, senão que é a ponta do iceberg de todo um
exército que se opõe a tudo o que eles “construíram” ao longo 50 anos; e isto
os aterroriza e lhes dói profundamente, razão por que não cabe outra coisa que
destruí-lo. De alguma forma, este Motu Proprio esclarece e certifica o inconciliável
entre os dois ritos.
Espero que isto sirva de lição para aprender que o combate pela Fé deve
antepor-se até ao privilégio de ter a Missa tradicional, e que não há dádiva
que possa fazer-nos calar, dissimular ou contemporizar com os destruidores da
Igreja. Não será por estratégias humanas que se ganhará esta guerra, mas pela
fidelidade ao depósito da Fé até ao preço de nosso sacrifício pessoal e
espiritual.