Carlos Nougué
Os antigos diziam que Deus move a primeira
esfera celeste, e que esta move a seguinte esfera, e assim sucessivamente, esferas
que, em seu movimento conjunto, são de algum modo causas das formas e motores das
próprias potências ativas no mundo sublunar. Mas isso já não se pode sustentar.
Assim, por exemplo, Deus é não só o criador direto das almas humanas, mas é
quem move suas mesmas potências ativas a atuar. Com efeito, a vontade pode
fazer voluntária a inteligência, mas não pode levar esta potência a inteligir,
porque para tal falta comproporcionalidade entre causa e efeito. E isto vale
também para a potência ativa do intelecto agente. A potência ativa do intelecto
agente é real e individual, e de fato é ela quem leva ou reduz a ato o
intelecto possível (potência passiva). Mas é Deus quem move o intelecto agente
a agir; feito isto, o próprio intelecto agente abstrai dos fantasmas as
espécies inteligíveis e com elas reduz a ato o intelecto possível. Em outras
palavras, Deus é não só o criador direto da alma, mas move suas potências
ativas a atuar por conta própria – o que lança a última pá de cal sobre o deísmo
racionalista, segundo o qual Deus criou o universo e a partir do sétimo descansou para sempre, entregando
o mundo à própria sorte de sua natureza. Não: Deus não só traz o universo e
seus entes a ser, senão que os sustenta nele ao mesmo tempo que sustenta sua
ação atuando suas potências ativas. Em resumo, Deus é não só o primeiro motor
imóvel das séries de motores, mas o motor imóvel e permanente de todos e cada
um dos motores, sempre que se trate de fazê-los mover-se a seu ato segundo (a inteligência a
inteligir, a vontade a querer, a vis irascível a irar-se, o gravitacional-inercial a fazer girar os corpos celestes,
etc.). Deus é motor de motores, eficiente de eficientes, ente de entes,
perfeição de perfeições, finalidade de finalidades. Como diz o P. Santiago
Ramírez O.P. em De actibus humanis, trata-se da moção que propriamente
se pode chamar “divino instinto”.