Carlos Nougué
2) A sugestão de
programa de estudos que farei destina-se a todos, individualmente considerados.
Mas é sempre bom que haja um ou mais guias nos estudos. Por isso sugiro
especialmente aos católicos e institutos que se afastaram da Liga Cristo
Rei por justíssimos motivos doutrinais que assumam o papel de tais guias,
mediante cursos, palestras, textos que atinjam o maior número possível de
pessoas. Contem com minha intensa divulgação. Ademais, minha sugestão de
programa não passa disto: sugestão, e podem fazer com ela o que bem entenderem.
Esperem-na, pois, até este domingo.
3) Agora a
objeção. Segundo esta, eu proponho, com tal programa, que os católicos busquem
alcançar o poder e instaurar o Reinado Social de Cristo contrariamente aos desígnios
da atual hierarquia da Igreja, a qual o julga atualmente impossível. Mas não há
Reinado Social de Cristo sem que as nações se ordenem à Igreja. Logo, eu não
proponho senão algo mundano travestido de santidade. – Respondo agora à objeção,
crendo ter sido de todo fiel a seu espírito ao descrevê-la.
a) Antes de
tudo, o que a objeção deixa de dizer é que a hierarquia saída do CVII não tem
por desígnio o Reinado Social de Cristo justamente porque, como disse D. Lefebvre,
destronou ela mesma a Cristo. No referido livro, relatarei – com provas! – os
escandalosos exemplos do que ela fez na Espanha, na Colômbia, nas colônias
portuguesas, na Itália... Antecipo, sucintamente, um exemplo: na Espanha, ela
estimulou o cancelamento da concordata de 1953, que porém fora considerada por
Pio XII um modelo de concordata. Ou seja, o que a objeção “se esquece” de dizer
é que o destronamento de Cristo pela hierarquia conciliar teve por objetivo,
anticristão, fazer que se rendessem ao mundo os últimos bastiões de uma
moribundíssima cristandade. Criminoso. Portanto, não é que a hierarquia
conciliar julgue impossível hoje em dia o Reinado Social de Cristo: é que ela é, digamos, heterodoxamente contrária a ele. Sem ela, de fato, não haverá recristianização do
mundo; mas antes de tudo, insista-se, porque ela heterodoxamente não a quer. (Aliás,
recomendo ao objetor que se inscreva em meu curso on-line gratuito “A Atual
Crise na Igreja” e tente responder a todo ele, em conjunto.)
b) Depois,
quanto a isto de impossibilidade, recomendo ao objetor a releitura meditada de
Mateus 19, 21-26: “Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o
que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me.
E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas
propriedades. Disse então Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo
que é difícil entrar um rico no reino dos céus. E outra vez vos digo que
é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico
no reino de Deus. Seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, e
disseram: Quem poderá pois salvar-se? E Jesus, olhando para eles,
disse-lhes: Aos homens isso é impossível, mas a Deus TUDO é possível” – incluindo
a conversão da hierarquia conciliar.
c) Depois, digo
que eu mesmo não acredito em recristianização do mundo, ao menos até a morte do
Anticristo; e mostro por quê no artigo 3 de “Se se deve rezar pela salvação do
mundo” (in Do Papa Herético e outros opúsculos). Mas o fato é que não sou
profeta – nem você, caro objetor (ou pelo menos assim o creio; se me equivoco,
perdão). Não só não sabemos quanto tempo sofreremos até a morte do Anticristo,
senão que mesmo nossas predições mais prováveis podem esfumar-se ante os
desígnios secretos de Deus.
d) Por fim,
assim como um sacerdote, conquanto saiba perfeitamente que nem sequer entre
seus fiéis o pecado se extinguirá, não deixa de vituperar o pecado nem de instá-los
a uma vida santa, assim tampouco nenhum católico deve deixar de proclamar o Reinado
Social de Cristo, ainda que o julgue doravante impossível. Como o mostro em “Da
Realeza de Cristo” (in Estudos Tomistas – Opúsculos II), professar – segundo o
estado de cada um – esta realeza é parte da nossa profissão de fé; e deixar de fazê-lo
quando não se pode deixar de fazer constitui pecado, mais ou menos grave
segundo o estado de cada um (e, antes que alguém me acuse de querer pontificar
nisto, digo que no referido opúsculo não faço senão seguir a S. Tomás). – Mas nosso
principal modelo quanto a tudo isto há de ser o Cardeal Pie de Poitiers (1815-1880),
grande paladino do Reinado Social de Cristo e principal influenciador, nisto,
do pontificado de São Pio X. Diferentemente de um Mons. Henri Delassus
(1836-1921), que tinha certeza de
que o mundo voltaria a pôr-se longamente sob o Reinado Social de Cristo, e
muito mais realisticamente que ele, o Cardeal Pie oscilou entre a esperança de
que o mundo (e especialmente a França) voltaria a pôr-se sob este reinado mas
só brevemente e (depois de 1870) a
desesperança até de tal breve restauração. Hoje, decorrido já quase um século e meio de aprofundamento
revolucionário desde a morte do Cardeal, havemos de partir desta sua
desesperança, se queremos permanecer tão realistas como ele. Mas o que importa mostrar
aqui, a modo de conclusão, é o que disse o grande paladino do Reinado Social de
Cristo aos pósteros, aos que já viveriam na antessala do breve império do Anticristo,
o que parece ser nosso caso.
Deu-nos ele, em verdade, a postura que deve ter todo católico em toda e
qualquer época da história, sabendo que Deus não exige de nós a vitória – que sempre
é d’Ele –, mas o combate. Disse o nosso Cardeal: “Nesse extremo das coisas, nesse estado desesperado, neste globo entregue
ao triunfo do mal e que logo será invadido pelas chamas, o que deverão fazer
todos os verdadeiros cristãos, todos os bons, todos os santos, todos os homens
de fé e de coragem? Aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável
que nunca, eles dirão com energia redobrada e tanto pelo ardor de suas preces
como pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai
nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome assim na terra como no
céu; venha a nós o vosso reino assim na terra como no céu; seja feita a vossa
vontade assim na terra como no céu! Eles murmurarão ainda estas palavras, e a
terra tremerá sob seus pés. E, assim como outrora, em seguida a um espantoso
desastre, se viu todo o senado de Roma e todas as ordens do Estado ir ao
encontro do cônsul vencido, e felicitá-lo por não se ter desesperado da
república, assim também o senado dos céus, todos os coros dos anjos, todas as
ordens dos bem-aventurados virão ter com os generosos atletas que
tiverem sustentado o combate até ao fim, esperando contra a esperança mesma: contra
spem in spem’ E então este ideal impossível, que todos os eleitos de
todos os séculos tinham obstinadamente perseguido, se tornará enfim realidade.
Neste segundo e derradeiro advento, o Filho entregará o Reino deste mundo a
Deus seu Pai, e o poder do mal terá sido evacuado, para sempre, para o fundo
dos abismos; todo aquele que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a
Deus por Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da lei será relegado à cloaca das imundícies eternas. E Deus viverá e reinará
plenamente e eternamente, não apenas na unidade de sua natureza e na sociedade
das três pessoas divinas, mas na plenitude do corpo místico de seu Filho
encarnado e na consumação dos santos!”
Adveniat
Regnum Tuum.