Carlos Nougué
Não o foi. O fim da cristandade começou no século
XIV com a aliança da burguesia e dos reis rebeldes contra a direção espiritual
da Igreja sobre as nações. Aprofundou-se no século XV-XVI com o humanismo e o
mal chamado renascimento, quando o vírus alcançou o mesmo papado; é um dos
momentos mais tristes da história da Igreja. Quando Lutero fez o que fez, só
restava de cristandade o império de Carlos V; era a chamada Cristandade menor,
que, efêmera, só duraria até a morte de Felipe II, filho e sucessor imediato de
Carlos V. Na França galicana, é verdade, Cristo ainda estava presente de algum
modo nas leis; mas ali já não era a Igreja a que dirigia espiritualmente o
estado, senão que era este o que, cesaripapisticamente, dirigia aquela. A
revolução francesa daria fim ao mesmo cesaripapismo galicano. – O que portanto
o heresiarca Lutero causou, ou seja, a grave divisão da própria Igreja, não
constituiu todavia senão um aprofundamento do que já se vinha dando desde o
início do século XIV. E nada mais natural, sobretudo se se levam em conta as
ambições cesaripapistas que já se haviam enraizado em solo alemão com o Sacro
Império Romano Germânico. – Em suma, Lutero não é senão um dos elos, ainda que
muito importante, da cadeia histórica da apostasia das nações.