quinta-feira, 17 de setembro de 2020

RESPOSTA A UMA QUESTÃO METAFÍSICA

 Carlos Nougué

 

Um aluno da Escola Tomista perguntou-me o seguinte:

 

“Ao ler De L’Acte de Lavelle, percebi que ele afirma que o Ser é idêntico ao Ato de Ser próprio que o produz, e que o Ser que está sendo é Ato de Ser. O senhor poderia, por favor, discorrer um pouco sobre se isso cai na ocultação do Ato de Ser listada por Fabro? Pois me surgiu a dúvida de se de fato Lavelle cai nesse problema”.

 

Minha resposta:

 

“Conheço muito bem a obra de Lavelle (traduzi milhares de páginas suas), sobre a qual falarei no ponto da História da Filosofia. Pois bem, embora de modo geral sua obra seja confusíssima, ele, digamos, “quase” acerta aqui. Quanto a Fabro, acerta bem mais, muito mais, mas peca por rigorismo terminológico. Dou-lhe aqui, portanto, em resumo, a metafísica tomista quanto ao ser.

1) A distinção entre essentia (essência) e existentia (existência) é evidente para todos (como diz Fabro, como que se toca com o dedo), mas é só de razão.

2) Por seu lado, a distinção entre essentia e esse vel actus essendi (ser ou ato de ser, termos sinônimos) só é evidente para os sapientíssimos, mas é real (tão real como a distinção entre matéria e forma).

3) Esta última distinção (entre essência e ser ou ato de ser) é a que funda a primeira (entre essência e existência), e nos leva a distinguir, por outro lado, entre o ens per participationem (ente por participação) e o ens per essentiam vel Esse per se (ente por essência ou Ser por si): ou seja, entre as criaturas, que recebem o ser ou ato de ser por participação do Criador, e Deus, que participa às criaturas o ser ou ato de ser ao criá-las.

4) O ser ou ato de ser é a razão própria do objeto da criação divina. Mas atenção: Deus não dá um ‘pedaço de seu ser’ às criaturas (isso seria panteísmo, ou antes panenteísmo), senão que, ao criá-las, cria com elas o chamado esse communis (o ser comum ou geral).

5) Não devemos usar o verbo existir para Deus. Isso é assim porque existir quer dizer ‘provir de, provir de causa ou de causas’. Mas Deus é incausado. Logo, Deus não ‘existe’; Deus é.

Observação 1: no entanto, para principiantes, pode-se usar existir, existência para Deus, enquanto tais principiantes não alcançam a Metafísica – embora eu prefira, quase sempre, não fazê-lo.

Observação 2: Note-se, ademais, que nas criaturas a existência é o ser em ato permitido pelo ato de ser participado por Deus. Em Deus, porém, ser em ato e ato de ser são exatamente o mesmo. E é isso o que Lavelle não consegue alcançar”.