Carlos Nougué
Um aluno da Escola Tomista
perguntou-me o seguinte:
“Ao ler De L’Acte de
Lavelle, percebi que ele afirma que o Ser é idêntico ao Ato de Ser próprio que
o produz, e que o Ser que está sendo é Ato de Ser. O senhor poderia, por favor,
discorrer um pouco sobre se isso cai na ocultação do Ato de Ser listada por
Fabro? Pois me surgiu a dúvida de se de fato Lavelle cai nesse problema”.
Minha resposta:
“Conheço muito bem a obra de
Lavelle (traduzi milhares de páginas suas), sobre a qual falarei no ponto da
História da Filosofia. Pois bem, embora de modo geral sua obra seja
confusíssima, ele, digamos, “quase” acerta aqui. Quanto a Fabro, acerta bem
mais, muito mais, mas peca por rigorismo terminológico. Dou-lhe aqui, portanto,
em resumo, a metafísica tomista quanto ao ser.
1) A distinção entre essentia
(essência) e existentia (existência) é evidente para todos (como diz
Fabro, como que se toca com o dedo), mas é só de razão.
2) Por seu lado, a distinção
entre essentia e esse vel actus essendi (ser ou ato de ser,
termos sinônimos) só é evidente para os sapientíssimos, mas é real (tão real
como a distinção entre matéria e forma).
3) Esta última distinção (entre
essência e ser ou ato de ser) é a que funda a primeira (entre essência e
existência), e nos leva a distinguir, por outro lado, entre o ens per
participationem (ente por participação) e o ens per essentiam vel Esse
per se (ente por essência ou Ser por si): ou seja, entre as criaturas, que
recebem o ser ou ato de ser por participação do Criador, e Deus, que participa
às criaturas o ser ou ato de ser ao criá-las.
4) O ser ou ato de ser é a razão própria do objeto da criação divina. Mas atenção: Deus não dá um ‘pedaço de seu ser’ às
criaturas (isso seria panteísmo, ou antes panenteísmo), senão que, ao criá-las,
cria com elas o chamado esse communis (o ser comum ou geral).
5) Não devemos usar o verbo existir
para Deus. Isso é assim porque existir quer dizer ‘provir de, provir de
causa ou de causas’. Mas Deus é incausado. Logo, Deus não ‘existe’; Deus é.
Observação 1: no entanto, para
principiantes, pode-se usar existir, existência para Deus,
enquanto tais principiantes não alcançam a Metafísica – embora eu prefira,
quase sempre, não fazê-lo.
Observação 2: Note-se, ademais,
que nas criaturas a existência é o ser em ato permitido pelo ato
de ser participado por Deus. Em Deus, porém, ser em ato e ato de
ser são exatamente o mesmo. E é isso o que Lavelle não consegue alcançar”.