CATOLICISMO OU ANARCOCATOLICISMO?
Carlos Nougué
O tradicionalista argentino Antonio Caponnetto
mostra, uma vez mais, na conferência, “Contra la ‘Nueva Normalidad’, la
Pedagogía del Ánimo”, para onde caminha essa corrente tradicionalista que acusa
de ultraclericalismo calvinista a defesa intransigente da ordenação essencial do
estado à Igreja: para um anarcocatolicismo. Na referida conferência, Caponnetto
simplesmente nega ao estado a autoridade máxima em questões sanitárias. Pode
ser que, por argentino, Caponnetto extrapole para o resto do mundo a situação
de seu país, em que um tiranozinho se vale da crise sanitária para aprofundar a
revolução. Mas isto está longe de ser verdade para a maior parte do mundo; e já
vimos aqui a posição muito equilibrada de Roberto de Mattei quanto a isto.
Parece todavia que Caponnetto e seus pares se esquecem da lição de São
Paulo e de São Pedro (respectivamente em Romanos 13, 1-7, e 1
Pedro, 2, 13-17) e de Santo Tomás (na Suma
Teológica) sobre o dever de submissão do católico ao governante na esfera
própria do estado (dever de submissão que, para S. Tomás, se estende até a leis
iníquas mas não demasiado gravemente ofensivas da lei natural). Esquecem-se, ademais, que
o magistério autêntico da Igreja afirmou e reafirmou que o estado é sociedade perfeita,
e que a família não o é. Claro, resta explicar como pode ser que uma sociedade
perfeita, o estado, deva ordenação essencial a outra sociedade perfeita, a
Igreja, questão árdua que ocupará boa parte de meu “Da História e Sua Ordem a
Deus” (que sairá como apêndice, longo, de meu Comentário ao Apocalipse).
Mas diga-se desde já que a resposta se encontra, por um lado, no triplo modo
como algo se pode dizer perfeito e, por outro lado, na absoluta gratuidade da
graça e da beatitude eterna da parte de Deus – além, naturalmente, de na
ordenada subordinação dos fins.
Mas diga-se desde já
também que, se é verdade que, excetuadas talvez a Polônia e a Hungria, todos os
demais estados atuais são em ilegítimos e em algum grau cadáveres de estado,
também é verdade que isso não anula sua autoridade em questões como a sanitária,
assim como um pai ateu não perde a autoridade sobre seus filhos quanto a assuntos
estritamente domésticos. Que um católico como Caponnetto proponha o contrário é
vergonhoso – e não dista muito do liberalismo e do anarcocapitalismo.