Carlos Nougué
O liberalismo católico pode dar-se em um ou em vários âmbitos, ou em todos eles. Ademais, se no erro ou falsidade há graus, então,
por óbvio, os há no liberalismo, que é um erro. E é o que vemos no jornal
online “Corrispondenza Romana” e em seu parceiro hispânico “Adelante la fe”
(ambos de responsabilidade de Roberto de Mattei). Com efeito, num recente
artigo do primeiro, “Criminosos ataques aos EUA”, assinado por Maurizio Ragazzi, transluz o
liberalismo político travestido de tradicionalismo religioso – e em grau
surpreendentemente alto.
O artigo parte de algo verdadeiro: não houve
ato de racismo na morte do negro que tanto foi instrumentalizada pela mídia
internacional; e os atos de protesto e de vandalismo contra o racismo são
puramente revolucionários, além de visar a desgastar a Trump em ordem às
próximas eleições. Naturalmente, a posição correta, como diz o artigo, é votar
em Trump nas próximas eleições; e, como diz ainda o mesmo artigo, parte do
episcopado norte-americano portou-se vergonhosamente ao apoiar tais atos de protesto
e levar assim água ao moinho eleitoral dos democratas. Mas esquece-se de dizer
o que é catolicamente mais importante: o voto em Trump é meramente voto num mal
menor; e, se Trump perder as eleições, grande parte da culpa será dele mesmo. De
fato, e antes de tudo, ele vinha bem nas pesquisas, até que, irresponsavelmente
e em nome do “sacrossanto” mercado, negou o perigo do coronavírus, deixou de
liderar o combate à pandemia, e fez assim que os EUA se transformassem num
cemitério cada vez mais vasto. Mas, depois, Trump é um liberal conservador, e
como tal é incapaz de deter a maré montante da revolução subsequente, a
marcusiana, encarnada sobretudo pelo Partido Democrata. Em outras palavras,
Trump não sustenta a única coisa que poderia fazer que os EUA deixassem de ser
pasto de demônios: a realeza de Cristo.
Mas o que diz, precisamente, o referido
artigo quanto a Trump? Transcrevo-lhe as próprias palavras: Trump foi “valentemente com a Bíblia nas mãos à ‘igreja
dos Presidentes’ [...] (um gesto, o de Trump, para demonstrar que a ideologia
subversiva e a práxis violenta não prevalecerão sobre os valores cristãos dos
Estados Unidos), e “ao Santuário João Paulo II em Washington”.
Isto é o que pode dizer-se, com toda a
propriedade, vender gato por lebre. Quer dizer então que os EUA se fundam sobre
valores cristãos? Não, senhores católicos liberais e americanistas: enquanto
foram colônia britânica, os EUA foram não cristãos em geral, mas puritanos; e,
desde sua independência – que constituiu ela mesma uma revolução liberal, aparentada
à francesa –, são a própria pátria da maçonaria, o que aliás foi grandemente facilitado pelo próprio puritanismo. Os EUA são anticristãos,
esteja em seu governo um democrata ou um liberal conservador; trata-se somente
de diferença de grau, capaz, sim, de determinar o voto num mal menor, que, porém, obviamente, não deixa de ser um mal – e é incapaz de fazer da nação da
América do Norte uma terra de Cristo.
De que serve, pois, que jornais ou sites como
os de responsabilidade de De Mattei se mostrem partidários da missa tridentina
e anti-Vaticano II ou anti-Francisco, se em verdade se identificam com estes quanto
ao ponto-chave da revolução operada na Igreja na década de 1960: o
destronamento de Cristo? Leia-se o esquema preparatório para o Vaticano II
sobre as relações entre estado e igreja (redigido pelo Cardeal Ottaviani), e
ver-se-á quanta razão tem o Pe. Calderón ao dizer que o conservadorismo católico
pré-conciliar era um “muro com brechas” ante a maré montante da revolução que
se daria proximamente. Mas, se assim é, o que se deverá dizer do
conservadorismo ou tradicionalismo adorador dos maçônicos EUA, como o que se
transluz no referido artigo de “Corrispondenza Romana”?
Nota final: o próprio Arcebispo Viganò,
cujas recentes críticas à revolução operada na Igreja na década de 1960 são dignas
do mais alto louvor, padece ainda de confusões liberais no âmbito da política.
Rezemos porque as supere e adira firmemente à doutrina infalível da Realeza de
Cristo. Mas pergunte-se: não padecerão de confusões análogas os tradicionalistas
que não só criticam a condenação de Maurras e de sua Action Française por Pio
XI – o que parece correto do ângulo da prudência política –, mas elogiam a
própria doutrina nada católica de Maurras? Voltarei ao assunto.