Carlos
Nougué
1) Antes de tudo, sugiro-lhes, católicos, que não se deixem
levar por discussões com respeito às quais não tenham certeza advinda do
magistério da Igreja. Nesta Quaresma, há muito mais que fazer.
2) S. Agostinho punha-se contra o jejum aos domingos (e não só
contra o jejum, mas contra orar de joelhos! coisa que todos hoje fazemos): “Jejuar
em dia de domingo é grande escândalo”, escreve, em 396, a Casulano (Carta 36,
27).
3) Mas S. Tomás admitia o
jejum aos domingos, como se lê em seu sermão sobre os Dez Mandamentos: nestes
dias, diz ele, “secundo corpus nostrum affligere, et hoc ieiunando: Rom. XII,
1: obsecro vos per misericordiam Dei, ut exhibeatis membra vestra hostiam
viventem Deo, sanctam”.
4) A divergência quanto a
isto entre os dois maiores doutores da Igreja indica uma divisão mais vasta,
entre os cristãos em geral, ao menos até o século XIII.
5) O Concílio de Braga,
no século VI, decretara: “If anyone does not truly honor the birthday of Christ
according to the flesh, but pretends that he honors (it), fasting on the very
day and on the Lord’s Day, because, like Cerdon, Marcion, Manichaeus, and
Priscillian, he does not believe that Christ was born in the nature of man, let
him be anathema”. Ou seja, anátema seja ao que fizer jejum aos domingos com
intenção não reta, ou seja, com a intenção dos hereges Marcião, Prisciliano,
maniqueus, etc., descrita no texto. Mas não se proíbe o jejum aos domingos.
6) Por fim, o cânon 1252,
parágrafo 4, do Código Canônico de 1917 (muito mais rigoroso que o do pós-CVII)
reza: “Cessa a lei da abstinência, ou da abstinência e do jejum, ou do jejum
só, nos domingos ou festas de preceito, excetuadas as festas que caiam na
Quaresma [...]; cessa também a dita lei no Sábado Santo depois do meio-dia”. Ou
seja, cessa nesses dias a lei que OBRIGA o jejum e/ou a abstinência, mas NÃO SE
PROÍBEM estes.
7) Em outras palavras,
não é pecado jejuar nos domingos em geral, com o que se reduz a disputa sobre a
matéria a uma questão de conveniência segundo costumes locais ou pendores
individuais.
8) Mas pergunto: quem é
Bolsonaro para dirigir-me religiosamente em qualquer ato? Pecador público até
agora impenitente (que mude!), nem de longe tem autoridade religiosa sobre mim
nem sobre nenhum católico. Os “católicos” que dizem que ele a tem são da seita
direitista bolsonaro-olavética (ela mesma herética). Ademais, tenho certeza de
que nossos sacrifícios, jejuns e abstinências durante toda esta tão especial
Quaresma, marcada pela pandemia, já são de nossa parte oferecimento bastante a
Deus pelos pecados públicos que O levaram a infligir-nos este duro flagelo.