Carlos Nougué
Não é incomum entre os próprios tradicionalistas (como
Michael Davies) afirmar que os documentos do Vaticano II não contêm “heresias
formais”, mas antes ambiguidades ou, nas palavras de D. Marcel Lefebvre, “bombas-relógio”.
É que, segundo tais tradicionalistas, o Espírito Santo não permitiria que um
concílio aprovasse “heresias formais”. Pois bem, no livro Do Papa Herético
mostro tanto o equívoco do conceito de “heresia formal” quanto o fato de que esses documentos contêm, sim, não só
bombas-relógio, mas efetivos desvios da fé (o argumento quanto à ação do
Espírito esquece o fato de que o CVII e o magistério ligado a ele devem
reduzir-se praticamente a magistério privado, ou seja, na maioria das vezes não
se trata sequer de magistério meramente autêntico). É o caso do Decreto Ad
Gentes, com suas heréticas “sementes do verbo”, e é o caso também, entre
muitos outros, do “Decreto sobre o Ecumenismo”. Lê-se neste, com efeito: “Ao
compararem as doutrinas, não esqueçam que há uma ordem ou uma 'hierarquia’ das
verdades na doutrina católica, dado que é diversa sua conexão com o fundamento
da fé cristã”. É evidente a intenção: que a Imaculada Concepção de Maria ou sua
Assunção, por exemplo, não sirvam de pedra de tropeço para o ecumenismo com os
protestantes. Mas, afinal, quem sou eu para dizer que tal passagem implica
desvio da fé? Não sou eu quem o diz, mas Pio XI em Mortalium animos: “De
modo algum é lícito estabelecer aquela diferença entre as verdades da fé que
chamam fundamentais e não fundamentais, como gostam de dizer agora, das quais
as primeiras deveriam ser aceitas por todos, e as segundas, ao contrário,
poderiam deixar-se ao livre-arbítrio dos fiéis; pois a virtude da fé tem sua
causa formal na autoridade de Deus revelador, que não admite nenhuma distinção
desta sorte”. -- É que de fato, como o diz o Pe. Calderón, os documentos
conciliares têm três notas principais: confusão, conexão (entre si), e
proscrição, ou seja, sua doutrina já fora condenada pelos papas anteriores.