Carlos Nougué
Um aluno da “Escola Tomista” pediu-me que lhe
descrevesse o que se diz no título acima, e que o tornasse público, porque
talvez pudesse ajudar a muitos. Não é fácil atender-lhe o pedido. Mas o
tentarei, como abaixo.
1)
Diga-se antes de tudo que o ritmo e a disciplina de trabalho e de estudo são,
estritamente, individuais e dependentes de singularidades psicossomáticas e de
condições relativas ao estado próprio (laico, ou religioso, ou sacerdotal).
Portanto, o que escreverei não é de imitar, e sobretudo não se deve imitar se
isto implica subtração aos deveres de estado próprio ou aos deveres religiosos.
Que o que vem a seguir sirva apenas de estímulo e de certo norte.
2)
Comecei a estudar o platonismo, o aristotelismo, o agostinismo, o tomismo aos
45 anos, mas aos 48 se me tornaram péssimas as condições para tal: devia
traduzir e escrever dicionários durante cerca de 16 horas diárias para
sustentar o tratamento contra o câncer de minha primeira esposa. Dois anos
depois ela faleceria, e eu voltaria aos estudos.
3)
Então fui progressivamente aumentando o tempo de estudos, que passou a ter uma
média diária de sete horas. Note-se porém que desde então já não tenho
televisão, desprezo os noticiários políticos, e apenas uma vez por semana tento
dar uma olhada geral nas notícias, com leitura meramente oblíqua. (Ademais, não
ponho uma gota de álcool na boca, razão por que, segundo Chesterton, não devem
confiar em mim...) E desde então deixei o estudo para a noite/madrugada, ao
final da qual passei a escutar durante uma hora mais ou menos música clássica
ou ver um filme de qualidade. Mas note-se outra vez: sempre fui de dormir muito
pouco: quatro, cinco horas sempre, desde criança, me foram bastantes.
4)
Aos 52 voltei a casar-me, e voltei a um ritmo intenso de traduções e de escrita
de dicionários, com o que tive de diminuir consideravelmente o tempo de
estudos. Mas logo Deus me dadivaria uma bela surpresa: passei a dar aulas numa
pós-graduação de Tradução e de Língua Portuguesa que só me ocupavam três dias
(quase inteiros) na semana e me permitiram abandonar pouco a pouco a tradução e
os dicionários. Voltei a mergulhar intensamente nos estudos, e comecei a
suportar, nos dias em que não dava aula, cerca de dez horas de estudo, sempre
com o reconforto posterior da boa música ou do bom cinema (da boa literatura já
me ocupara até os 45 anos).
Observação:
obviamente, há o imprescindível tempo reservado a sacramentos e orações, sempre
ineludíveis, e, em meu caso, ao convívio familiar.
5)
Como contudo nada dura para sempre nesta vida, fechou-se 10 anos depois a
pós-graduação em que dava aula, problema que, se de início foi um baque, logo
depois se superou. É que eu já estudara suficientemente, e na devida ordem das
disciplinas, para dar cursos online de tomismo. Comecei com “Por uma Filosofia
Tomista”, a que se seguiram outros. E continuava com meu ritmo de dez horas de
estudos diários, com o refresco posterior da boa música, etc.
6)
Não tardou todavia a que me julgasse capaz de escrever livros, e lancei meus
dois primeiros: a Suma Gramatical da Língua Portuguesa (que me propicia
um bom rendimento) e Opúsculos Tomistas (esgotado e sem previsão de
reedição). Mas então diminuiu o tempo de estudo: passei a escrever durante dez
horas diárias meus livros, e os estudos caíram para cerca de quatro horas
diárias.
7) O
próximo passo foi fundar a “Escola Tomista”, que é desde então meu principal
ganha-pão e me permitiu escrever dois outros livros: Do Papa Herético e
outros opúsculos e, o mais importante até hoje, Da Arte do Belo,
sempre com a mesma relação horária entre escrita e estudos. A “Escola Tomista”
me toma no máximo três horas semanais.
8)
Como no entanto esta vida é um vale de lágrimas, fiquei muito doente no início
do ano passado (sobretudo por um enfisema devido aos muitos cigarros que fumei
até os 54 anos, e a uma dolorosa doença neurológica que tem algo de
hereditária). No ano passado não consegui terminar de escrever nenhum novo
livro, conquanto nunca tivesse parado de estudar seis, sete, oito horas nem de
gravar as aulas da “Escola Tomista”, mesmo doente.
9)
Este ano -- quando farei 68 anos -- estou melhor, e, conquanto tenha agora de
lutar contra os efeitos colaterais de multidão de remédios -- sobretudo a
sonolência --, pretendo lançar ao menos quatro livros (incluindo a atrasadíssima
“Suma Retórica”, perdão). Se Deus quiser.
Observação
final: não é difícil ver que aprendi algo com o mestre Tomás de Aquino: a busca
da verdade, os estudos para tal, os livros escritos para tal são também um
louvor a Deus. Viver para isto – junto sempre, é claro, dos sacramentos e das
orações e dos deveres de estado, os quais vêm antes de tudo – é também honrar o
nosso Criador, além de à nossa mesma natureza. Com efeito, diz Tomás de Aquino
no proêmio de seu “Das Substâncias Separadas” que não por estar impossibilitado
de comparecer ao ofício solene de louvor aos Anjos ele deixaria passar em
branco o tempo de sua devoção: compensaria sua ausência no ofício escrevendo
sobre eles (“Quia sacris Angelorum solemniis interesse non possumus, non debet
nobis devotionis tempus transire in vacuum; sed quod psallendi officio
subtrahitur, scribendi studio compensetur”).