Alocução
do Papa Pio XII ao Congresso da “União Latina de Alta-costura”[1]
Amados
filhos e filhas, promotores e associados da “União Latina de Alta-costura”, Nós
cordialmente estendemos a vocês Nossas paternais boas-vindas.
Nós vimos ser
necessário vir até aqui para dar testemunho da sua filial devoção e, ao mesmo
tempo, buscar os favores do céu para sua União. Desde o seu início, vocês se
colocaram sob a proteção d’Aquele cuja glória deve ser o fim de toda
atividade humana, até aquelas que são aparentemente profanas, de acordo com o
preceito do Apóstolo dos Gentios: “Portanto, quer comais quer bebais ou façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.” (I Cor 10, 31)
Um
delicado e complexo problema
Vocês
se propõem a examinar do ponto de vista cristão e com intenção cristã um
problema que é, por sua vez, delicado e complexo. O seu aspecto moral não pode
ser ignorado. O problema da moda, especialmente da moda feminina, é
constantemente objeto de atenção e ansiedade por aqueles cujas tarefas são,
pela razão de seus deveres da família, na sociedade e na Igreja, preservar as
almas das armadilhas da corrupção e proteger toda a comunidade da decadência
moral.
É
correto e apropriado que suas generosas intenções devam receber Nossa gratidão
e a da Igreja, e que sua União, nascida e inspirada por um sólido senso
religioso e cívico, receba Nosso fervente desejo para a realização, através de
uma inspirada autodisciplina dos desenhistas da moda, da dupla meta expressa nos seus estatutos: melhorar a condição deste importante setor da vida pública,
e ajudar a elevar a moda ao nível de um instrumento e expressão de uma bem-intencionada civilidade.
Porque
queremos encorajar tão digno empreendimento, Nós, de bom grado, consentimos em seu pedido de que dirijamos nossos pensamentos a vocês, particularmente na
formulação própria do problema, e, mais importante que tudo, em seus aspectos
morais. Nós também devemos fazer algumas sugestões práticas que podem garantir à
União uma reconhecida autoridade neste campo altamente controverso.
I. ASPECTOS GERAIS DA MODA
Seguindo
o conselho de uma antiga sabedoria que encontra nos propósitos das coisas tanto
o último critério para toda avaliação teórica como a certeza dos princípios
morais, será útil recordar tais objetivos que os homens sempre estabeleceram para si mesmos quanto ao que concerne à sua veste.
As
três razões para o vestir
Sem
dúvida o vestir obedece ao familiar requerimento de higiene, de decência, e de adorno. Estas são três necessidades são tão profundamente enraizadas na natureza
que elas não podem ser ignoradas ou negadas sem provocar hostilidade e
preconceito. Elas são necessárias hoje como o foram ontem; são encontradas
entre quase todos os povos; podem ser vistas em cada estágio da ampla
escala na qual a necessidade natural de vestir-se é historicamente e
etimologicamente manifestada.
É
importante notar a estrita e estreita interdependência que une estas três
necessidades, mesmo vindo de três diferentes fontes. A primeira é derivada da
natureza física do homem; a segunda da sua natureza espiritual; a terceira da
sua natureza psicológica e artística.
… Higiene
Os
requerimentos de higiene para o vestir tratam principalmente do clima, de sua
variação e de outros fatores externos como possíveis causas de desconforto ou de enfermidade. Da interdependência citada acima se segue que as razões
higiênicas – ou antes pretextos – não podem servir para justificar uma deplorável
licença, especialmente em público, à parte os casos excepcionais de comprovada
necessidade. Mas, mesmo nestes casos, toda alma bem-educada seria incapaz de
evitar um sentimento involuntário de confusão, refletido exteriormente pelo
natural rubor.
Da
mesma forma, uma maneira de vestir que é prejudicial à saúde – e há não poucos
exemplos disso na história dos estilos – não pode ser considerada legitimada
pelo pretexto da beleza. Por outro lado, a regra comum de decência deve ceder
espaço às necessidades de uma cura médica que, mesmo que pareçam violá-la, de
fato a respeitam, quando todas as precauções morais são empregadas.
… Decência
Igualmente
óbvio como origem e propósito do vestir é o requerimento natural de decência,
entendido tanto no sentido amplo, que inclui uma consideração apropriada para a
sensibilidade dos outros em face de objetos que são de má aparência, ou, acima de
tudo, como defesa da honestidade moral e um escudo contra a sensualidade
desordenada.
A
estranha opinião que atribui o senso de modéstia a um tipo de educação ou a
outro, e até considera a modéstia uma deformação conceptual de uma inocente
realidade, um falso produto da civilização, um estímulo à desonestidade e fonte
de hipocrisia, não é suportada por nenhuma válida razão. Pelo contrário, ela
encontra explícita condenação no repugnante resultado com que são
vistos por aqueles que ousam adotar este ponto de vista. Então a solidez do
senso comum, manifestada no uso universal, é confirmada.
A
decência natural no seu sentido moral estrito, qualquer que seja sua origem, é
fundada na tendência inata e mais ou menos consciente de toda pessoa a defender os seus bens físicos de desejos indiscriminados dos outros, de forma
que ele os reserve, com prudente escolha das circunstâncias, àqueles sábios
objetivos do Criador que Ele mesmo colocou sob a proteção da castidade e da
modéstia.
Esta
segunda virtude, a modéstia – a própria palavra “modéstia” vem de modus, uma medida ou limite –, provavelmente expressa
melhor a função de governar e dominar as paixões, especialmente as paixões
sensuais. Ela é o baluarte natural da castidade. É seu baluarte natural, porque modera os atos que estão estreitamente conectados com o próprio objeto da
castidade.
A
modéstia faz o homem escutar seu alarme, como uma sentinela, desde o momento em
que ele adquire o uso da razão, mesmo antes que ele aprenda toda a mensagem
e propósito da castidade. A modéstia o acompanha em toda a sua vida e demanda
dele que certos atos, que são bons em si mesmos porque são divinamente
estabelecidos, devam ser protegidos por um discreto véu de sombra e de silêncio reservado, de modo a conferir o respeito devido à dignidade do seu
grande propósito. É justo então que a modéstia, sendo a depositária de tão
preciosa possessão, deva reclamar para si mesma uma autoridade prevalecente
sobre qualquer outra tendência e todo capricho, e deva presidir à
determinação de modas nas roupas.
… E
Adorno
E
aqui chegamos ao terceiro propósito do vestir, do qual a moda tira sua origem
mais diretamente, e que responde a uma necessidade inata, sentida mais pela
mulher, de melhorar a beleza e a dignidade da pessoa com os mesmos meios que
são capazes de satisfazer aos outros dois objetivos.
Para
evitar a restrição do objetivo deste terceiro requerimento à mera beleza
física, e, ainda mais, para evitar associar a moda com a luxúria sedutora como
sua primeira e única razão, o termo adorno é
preferível ao de embelezamento.
A
propensão a adornar-se a si mesmo claramente deriva da natureza, e por isso
é legítima.
Acima da função da vestimenta que esconde imperfeições físicas, os jovens
querem roupas que tenham a atração e o esplendor que cantam os felizes temas da
primavera da vida, e que facilitam, em harmonia com as regras da modéstia, os
prerrequisitos psicológicos necessários para a formação de novas famílias. Ao
mesmo tempo, aqueles com idade madura buscam obter a partir de roupas
apropriadas uma aura de dignidade, seriedade e serena felicidade.
Nestes
casos em que o objetivo é melhorar a beleza moral da pessoa, o estilo de roupa
seria quase como um disfarce para a beleza física na sombra austera do
ocultamento, distraindo a atenção dos sentidos, e concentrando a reflexão no
espírito.
A
linguagem do vestir
Considerado
neste amplo aspecto, o vestir tem a sua própria linguagem multiforme e eficaz.
Às vezes é uma interpretação espontânea e fiel dos sentimentos e dos costumes;
outras vezes o vestir é convencional, manipulado e, por isso, dificilmente
sincero.
O
vestir expressa alegria e tristeza, autoridade e poder, orgulho e simplicidade,
riqueza e pobreza, o sagrado e o profano. A forma específica desta expressão
depende da tradição da cultura de um povo particular; ele muda mais lentamente,
de forma que instituições, personagens e os sentimentos que os estilos
interpretam são mais estáveis.
A
natureza da “moda”
A
moda – uma antiga arte de origem incerta, que se torna complexa pelos fatores
psicológicos e sociais envolvidos – dedica-se expressamente a melhorar a beleza
física. Neste momento, a moda alcançou indisputável importância na vida
pública, seja como uma expressão estética dos costumes, seja como uma
interpretação de uma demanda pública e um ponto central de substanciais
interesses econômicos.
Uma
profunda observação do fenômeno da moda revelará que ele não é somente
extravagante na sua forma, mas também o ponto de união de diferentes fatores
psicológicos e morais como gosto pela beleza, sede pela novidade, afirmação da
personalidade e intolerância da monotonia, não menos que luxúria, ambição e
vaidade.
A
moda é de fato elegância, condicionada, no entanto, pela constante mudança, de
tal forma que sua própria instabilidade garante uma constante e distintiva
mudança do que está na moda, que agora se tornou sazonal – mudanças que são
lentas nas linhas básicas, mas extremamente rápidas em variações secundárias –
e parece ser um desejo de superar o passado. Isto ainda é facilitado pelo
frenético caráter da era presente, que tem tremenda capacidade de destruir,
em curto período de tempo, tudo o que tenha como objetivo satisfazer a
fantasia e os sentidos.
É
compreensível que novas gerações projetem seu próprio futuro – um sonho
diferente e melhor que os de seus pais – sentindo a necessidade de desapegar-se
daquelas formas, não apenas nas roupas, mas também nos objetos e ornamentos, que
obviamente lembram um estilo de vida que elas desejam superar. Mas a extrema
instabilidade dos estilos dos dias atuais é determinada acima de tudo pelo querer
dos fabricantes e guias, que têm à sua disposição tais meios, desconhecidos no
passado, como uma enorme e variada produção têxtil, a fertilidade inventiva dos
desenhistas de moda, e um meio fácil de “lançar” modas na imprensa, nos
cinemas, na televisão, e nas exposições e shows de moda.
A
rapidez da mudança é estimulada ainda por um tipo de silenciosa competição, não
realmente nova, entre a “elite” que deseja afirmar a sua própria personalidade
com formas originais de roupas, e o público, que imediatamente converte isso
para o seu uso com mais ou menos boas imitações. E não se pode de deixar de
olhar outra sutil e decadente razão, isto é, o esforço de tais “estilistas” que
jogam com o fator de sedução de forma a assegurar sucesso em suas “criações”, estando
bem conscientes do efeito que a surpresa e novidade constantemente repetidas
criam.
A
economia da moda
É
outra característica da moda atual que, mesmo permanecendo principalmente como
um fato estético, ela também se tornou um elemento econômico de imensa
proporção. As poucas lojas de moda estabelecidas que uma vez ditaram
indisputadas regras de elegância desta ou daquela metrópole da cultura europeia
foram agora substituídas por um número de organizações financeiramente
poderosas que, enquanto suprem a demanda de roupas, também formam gostos
populares e constantemente trabalham para promover uma crescente demanda para
seus próprios mercados.
As
razões para esta transformação devem ser encontradas, antes de tudo, na chamada
“democratização” da moda através da qual um crescente número de indivíduos cai sob o feitiço da elegância, e, em segundo lugar, no progresso técnico que tornou
possível a produção em massa de estilos que seriam caros mas que agora se
tornaram fáceis de adquirir no chamado “mercado-pronto” (prêt-à-porter).
Assim
nasceu o mundo da moda, um mundo que inclui artistas e artesãos, fabricantes e
comerciantes, editores e críticos, bem como uma classe inteira de humildes
trabalhadores que obtêm seus salários da moda.
Desenhista
de Moda
Mesmo
que o fator econômico seja a força motriz desta atividade, sua alma é sempre o
“estilista”, a pessoa que através de uma hábil escolha de material, cor, corte,
linha e ornamentos de acessórios gera vida a um novo e expressivo estilo que
agrada ao público. É desnecessário listar as dificuldades desta arte, fruto da
habilidade e de talento e, ainda mais, da sensibilidade ao gosto do momento.
Um
estilo destinado a certo sucesso adquire a importância de uma invenção. É
envolto por um sigilo enquanto espera para ser “lançado”. Uma vez no mercado,
gera uma subida nos preços, enquanto a mídia lhe dá ampla publicidade, quase
como se fosse um evento de importância nacional.
A
influência dos desenhistas de moda é tão forte que a indústria têxtil deixa sua
produção ser guiada por eles, tanto na quantidade como na qualidade. A sua
influência social é igualmente grande na interpretação dos costumes do público,
porque, se a moda foi no passado a expressão externa do uso de um povo, hoje ela
o é ainda mais – desde quando este fenômeno da moda começou a ser resultado de
reflexão e estudo.
“Alta-costura”
Mas
a formação de gostos e preferências das pessoas e a orientação da sociedade em
direção a sérios ou decadentes hábitos não depende apenas dos desenhistas da
moda. Também depende de toda a complexa organização da indústria da moda,
especialmente das casas de produção e dos críticos daquele mais refinado setor,
que encontra seus clientes nas classes mais altas e toma o nome de “alta-costura”,
como que para designar a fonte da corrente que as pessoas futuramente
seguirão quase que cegamente, aparentemente como uma mágica compulsão.
Agora,
já que tantos valores estão envolvidos nisso e às vezes ameaçados por estilos,
como Nós temos rapidamente apresentado, parece ser providencial que as pessoas
que entrem neste campo devam ter recebido uma preparação técnica e cristã e
que desejem ajudar a libertar os estilos daquelas tendências que não são
recomendáveis.
Estas
são as pessoas que veem nos estilos a arte de saber vestir-se, cujo
objetivo é certamente, ainda que apenas parcialmente, melhorar a beleza do
corpo, mas com tal moderação que o corpo, a obra-prima da criação, não será
obscurecido, mas, ao contrário, nas palavras do Príncipe dos Apóstolos, será
exaltado na “pureza incorruptível de um espírito suave e pacífico, o que é tão
precioso aos olhos de Deus.” (I Pd 3, 4)
II.
O PROBLEMA MORAL DA MODA E SUAS SOLUÇÕES
O
problema da moda consiste numa reconciliação harmoniosa da ornamentação
exterior da pessoa com o interior de “um espírito suave e pacífico”.
No
entanto, algumas pessoas se perguntam se realmente existe um problema moral num
fato exterior, contingente e relativo como a moda. E, presumindo que exista,
elas se perguntam em que termos este problema deve ser estabelecido e de
acordo com que princípios deve ser resolvido.
Este
não é o lugar para protestar longamente contra as insistentes tentativas de
muitos contemporâneos de separar as atividades exteriores do homem do campo
moral, como se pertencessem a dois diferentes universos, como se o homem não
fosse o sujeito e o objeto do campo moral e, portanto, responsável diante do regulador absoluto de todas as coisas.
É
bem verdade que os estilos, como a arte, a ciência, a política e outras atividades
chamadas profanas, seguem as suas próprias regras para alcançar os seus fins
imediatos a que se propõem. No entanto, seu sujeito é invariavelmente o
homem, que não pode prescindir de dirigir suas atividades a seu último e supremo
fim.
Existe,
então, o problema moral dos estilos, não somente na medida em que digam
respeito a uma atividade humana genérica, mas principalmente na medida em que
esta atividade seja levada a cabo num campo comum, ou pelo menos bem próximo, de evidentes valores morais. O problema é especialmente grande, já que os
objetivos dos estilos – objetivos que em si mesmo são bons – são facilmente
torcidos pela perversa tendência de uma natureza humana que devido ao pecado é
uma natureza caída, e por isso a moda pode ser transformada em ocasião de
pecado e de escândalo.
Severidade
Eclesiástica
Esta
inclinação de uma natureza corrupta para abusar das modas levou frequentemente a tradição eclesiástica a tratar a moda com suspeitoso e severo julgamento,
como é expresso com intensa firmeza por notáveis escritores sagrados e por
missionários zelosos, até ao ponto de “queimar objetos vãos”, o que, de acordo
com o uso e a austeridade daqueles tempos, era estimado como eloquência efetiva
pelo povo.
A
partir destas manifestações de severidade, que basicamente mostram o cuidado
materno da Igreja com o bem das almas e com os valores morais da civilização,
não se pode argumentar, no entanto, que o Cristianismo demande quase que a
renúncia do respeito e do cuidado pelo físico da pessoa e por seu decoro
externo. Qualquer um que chegasse a esta conclusão estaria esquecendo o que o
Apóstolo dos Gentios escreveu: “Do mesmo modo, quero que as mulheres usem traje
honesto, ataviando-se com modéstia e sobriedade” (I Tim 2, 9).
A
Atitude Positiva da Igreja
A
Igreja, pelo contrário, não censura ou condena estilos quando eles são criados
para o próprio decoro e ornamentação do corpo, mas ela jamais falha em advertir
os fiéis contra serem facilmente arrastados por eles.
Esta
atitude positiva da Igreja deriva de razões bem mais altas que a mera estética
ou considerações hedonistas que foram assumidas por um renovado paganismo. A
Igreja sabe e ensina que o corpo humano, que é a obra-prima de Deus no mundo
visível, e que foi colocado a serviço da alma, foi elevado pelo Divino Redentor
ao nível de templo e de instrumento do Espírito Santo, e como tal deve ser
respeitado. Portanto, a beleza do corpo deve não ser exaltada como um fim em si
mesmo, e muito menos como um disfarce que manche a dignidade de que foi dotado.
Avaliação
Moral da indumentária
Falando
em termos concretos, não se pode negar que junto com estilos decorosos existem
também modas imodestas que criam confusão em mentes bem formadas e podem ser
incentivos para o mal. É quase sempre difícil indicar com normas universais a
linha divisória entre o decoro e a imodéstia, porque a avaliação moral da veste
depende de muitos fatores. No entanto, o chamado relativismo da moda a respeito
de tempo, lugares, pessoas e educação não é uma razão válida para renunciar a priori a um julgamento moral nesta ou naquela
moda que, agora, viola o limite normal da decência.
O
senso de decência, quase sem ser consultado nesta matéria, dá uma advertência
imediata se a imodéstia, sedução, idolatria da matéria e luxúria, ou qualquer
frivolidade, são ocultadas. E se os fabricantes de modas imodestas são peritos
no tráfico da perversão, misturando-a num vestuário de elementos estéticos que
são bons em si mesmo, a sensualidade humana é desafortunadamente ainda mais
hábil em descobri-la e está pronta para cair sob seu feitiço.
Aqui
como em todo lugar, uma maior sensibilidade a esta advertência contra as
armadilhas do mal, longe de ser motivo para criticar aqueles que a possuem,
como se fosse um sinal de depravação interior, é geralmente uma marca de uma
alma reta e de uma vigilância sobre as paixões.
Mas não importa quão ampla e variável seja a moral relativa das modas: sempre
haverá uma norma absoluta para guardar depois de ter escutado a admoestação da
consciência advertindo ao se aproximar o perigo: um estilo jamais deve ser ocasião próxima de pecado.[2]
O
Elemento da Intenção
Entre
os elementos objetivos que concorrem para fazer que um estilo seja imodesto,
está em primeiro e principal lugar a má intenção de seus fabricantes. Onde
existe uma busca de criar ideias e sensações impuras através da moda, está
presente uma técnica de disfarçada malícia. Eles sabem, entre outras coisas,
que o atrevimento nestas matérias não pode ser levado além de certos limites,
mas eles também sabem que o efeito desejado está próximo destes limites, e que
uma hábil combinação de elementos sérios e artísticos com outros que são menos
dignos é altamente adequada para capturar a fantasia e os sentidos. E eles se
dão conta de que uma moda assim planejada será aceita por clientes que buscam tais
efeitos, mas de que isso não comprometerá, ao menos em sua opinião, o bom nome
das clientes honrados.
Toda
restauração da decência deve então começar com a intenção daqueles desenhistas
e daqueles que vestem suas roupas. Em ambos deve haver um despertar de suas
consciências bem como de sua responsabilidade pelas trágicas consequências
que podem resultar de roupas que são demasiadamente ousadas, especialmente se
vestidas em público.
Imodéstia
Basicamente
a imoralidade de alguns estilos depende em grande parto do excesso da imodéstia
ou do luxo. Um excesso de imodéstia em moda envolve, na prática, o corte do
vestuário. O vestuário não deve ser avaliado segundo a estimação de uma
decadente ou corrupta sociedade, mas de acordo com as aspirações de uma
sociedade que premia a dignidade e a seriedade da sua veste pública.
Geralmente
é dito quase com passiva resignação que a moda reflete os costumes do povo.
Seria mais exato dizer – e muito mais útil dizer – que ela expressa a decisão e
a direção moral que uma nação tenciona tomar: ou ser naufragada na
licenciosidade ou manter-se a si mesma num nível a que foi elevada pela
religião e pela civilização.
Luxo
Não
menos afortunadamente, mas em outra área, existem os excessos de estilos quando lhes é designada a tarefa de satisfazer a sede de luxo. O pequeno mérito que o
luxo tem como fonte de trabalho é quase anulado pela grave desordem que deriva dela na vida privada e pública. Pondo de lado a dissipação da riqueza, que o luxo
excessivo exige dos seus adoradores – que mais provavelmente terminarão sendo
devorados por ele –, o luxo sempre insulta a integridade daqueles que vivem do
seu próprio trabalho, e expõem a pobreza ao cinismo, seja ostentando fáceis
ganhos, seja criando suspeita sobre a maneira de viver daqueles que vivem ao seu
redor. Onde a consciência moral não modera o uso das riquezas, mesmo
que sejam honestamente adquiridas, ou uma barreira medonha se colocará entre as classes ou toda a sociedade ficará à deriva, exausta pela corrida
em direção a uma utopia de felicidade material.
Indicando
o dano que uma falta de controle nos estilos pode fazer a indivíduos e à
sociedade, Nós não tentamos sugerir que a força expansiva ou o gênio criativo
dos desenhistas de moda devam ser reprimidos, nem que a moda deva ser
reduzida a formas inalteráveis, à monotonia ou a uma triste severidade.
Três
princípios básicos:
Para tal, alguns poucos princípios devem ser postos como base para resolver o
problema moral dos estilos; a partir deles, normas mais concretas podem ser
facilmente tiradas.
… a
influência dos estilos
O
primeiro é não minimizar a importância da influência de um estilo para o bem ou
para o mal. A linguagem da veste, como Nós já dissemos, é mais efetiva quando é
mais comum e é entendida por todos. Talvez se diga que a sociedade fala através
da roupa que se veste. Através das roupas ela revela suas secretas aspirações e as usa, pelo menos em parte, para construir ou destruir o futuro.
Mas
o cristão, seja ele o criador ou o cliente, deve ser cuidadoso para não
subestimar os perigos e ruínas espirituais espalhados pelas modas imodestas,
especialmente aquelas vestidas em público, por causa da continuidade que deve
existir entre aquele que prega e aquele que pratica, até no sentido
externo. Ele se recordará da suprema pureza que o Redentor exige de Seus
discípulos até nos olhares e nos pensamentos. E se recordará da
severidade que Deus mostra para com aqueles que causam escândalo.
Devemos
lembrar nesta matéria as fortes palavras do profeta Isaías, em que foi predita
a infâmia que sucederia na cidade santa de Sião por causa da imodéstia das suas filhas (Cf. Isaías 3, 16-24). E também devem lembrar-se aquelas outras
palavras com que o maior de todos os poetas italianos expressou em termos
veementes seus sentimentos de indignação pela imodéstia rastejante na sua
cidade (cf. Dante, Purgatório, 23,
94-108).
… controle
O
segundo princípio é que o estilo deve ser direcionado e controlado em vez de
ser abandonado ao capricho e reduzido a serviço vil. Isso se aplica aos
fabricantes de estilos – desenhistas e críticos; a consciência exige que eles
não se submetam cegamente aos gostos depravados que são manifestados pela
sociedade, ou por uma parte dela, e nem sempre a parte mais discernida em
sabedoria. Mas também se aplica a indivíduos, cuja dignidade exige deles que
sejam libertos com livre e iluminada consciência da imposição de gostos
predeterminados, especialmente gostos discutíveis no campo moral.
Controlar
os estilos também significa reagir firmemente contra costumes que são
contrários às melhores tradições. O controle sobre a moda não contradiz mas,
pelo contrário, confirma o ditado que afirma que “a moda não nasce fora nem
contra a sociedade”, dado que a pessoa atribui à sociedade – como deveria ser –
conscientemente e autonomamente dirigindo-se a si mesmo.
… e
moderação
O
terceiro princípio, ainda mais concreto, é o respeito à “medida”, ou melhor, à moderação em todo o campo de estilos. Assim como o excesso é a principal causa
de seus defeitos, assim a moderação preservará o seu valor.
A
moderação, acima de tudo, deve oferecer um padrão pelo qual regula, a todo
custo, a gula do luxo, da ambição e dos caprichos. Os estilistas, e especialmente os
desenhistas, devem deixar-se guiar pela moderação ao desenhar o corte ou a
linha de uma veste e na seleção de seus ornamentos, convencidos de que a sobriedade
é a qualidade mais fina da arte.
Longe
de querer um retorno a formas antiquadas – apesar de que estas com frequência
reaparecem nas modas como novidade – mas confirmando o valor perene da
sobriedade, Nós gostaríamos de convidar os artistas de hoje a fixar-se por
um momento em certas figuras femininas nas obras de artes clássicas que possuem
indisputável valor estético. Aqui a roupa, marcada pela decência cristã, é o
ornamento digno de pessoas cuja beleza é combinada como um único triunfo de
admirável dignidade.
III. SUGESTÕES ESPECÍFICAS PARA OS PROMOTORES
E
ASSOCIADOS DA “UNIÃO”.
E
agora daremos algumas sugestões específicas a vocês, amados filhos e filhas,
promotores e associados da “União Latina de Alta-costura.”
Parece-nos
que a própria palavra “latina”, que vocês desejaram para designar sua
associação, indica não somente uma geográfica região, mas acima de tudo a meta
ideal de sua atividade. De fato, este termo “latina”, que é tão rico em profundo
significado, parece expressar, entre outras coisas, uma viva sensibilidade e
respeito pelos valores da civilização.
O
termo parece expressar ao mesmo tempo um sentido de moderação, de equilíbrio e de concretude; qualidades que são todas necessárias aos componentes de sua União.
Agradou-Nos ver que todas estas características inspiraram o propósito de
seus estatutos, o qual vocês cordialmente submeteram a Nós. Nós notamos que
estes estatutos derivam de um completo panorama do complexo problema da moda,
mas especialmente da sua firme persuasão da responsabilidade moral da moda.
Seu
programa é, portanto, tão amplo como o problema, já que inclui todos os
setores determinantes da moda: o grupo feminino direto, com a intenção de
guiá-los na formação de seus gostos e nas escolhas das roupas; as casas que são
as “criadoras da moda” e a indústria têxtil; que por comum acordo todos possam
adaptar seus esforços aos princípios saudáveis da União. E sendo a União
composta por organizações que não são meros espectadores mas participantes –
Nós podemos dizer atores no teatro da moda – seu programa também lida com o
aspecto econômico da moda, tornado mais difícil agora pelas futuras mudanças na
produção e pela unificação dos mercados europeus.
A
formação do gosto
Uma
das indispensáveis condições para alcançar os objetivos de sua União descansa
na formação de sólidos gostos do público. Esta é de fato uma tarefa difícil, à
qual às vezes se opõem esforços premeditados, e que requer de vocês muita
inteligência, grande tato e grande paciência. A despeito de tudo, encarem-na com um
espírito corajoso. Vocês certamente encontrarão fortes aliados, antes de tudo,
entre as excelentes famílias cristãs que ainda são encontradas em grande número
na sua terra nativa.
É
claro que sua ação nesta direção deve ter como meta ganhar para sua causa
especialmente aqueles que controlam a opinião pública através da imprensa e
outros meios informativos. As pessoas querem ser guiadas no estilo mais do que
em qualquer outra atividade. Não é que elas não tenham senso crítico nesta
matéria de estética ou de propriedade, mas é que, às vezes dóceis e outra vezes
preguiçosas demais para fazer uso desta sua faculdade, elas aceitam a primeira
coisa que lhes são oferecidas e só mais tarde se dão conta de quão medíocres ou
indecorosas certas modas são.
É
necessário então que suas ações sejam oportunas. Entre todos, as celebridades
são aquelas que neste momento estão guiando com grande efetividade os gostos do
público, e especialmente as do mundo do teatro e dos filmes ocupam posição
preeminente. Na mesma medida em que as responsabilidades delas são grandes,
na mesma medida seu querer será frutífero se trouxer de volta pelo menos
algumas delas para esta boa causa.
Problemas
estéticos e morais
Um
traço distintivo de sua União parece repousar no cuidadoso estudo do problema
moral e estético das modas, conduzidos por encontros periódicos, como o
presente congresso, que cada vez mais têm caráter internacional, persuadidos como vocês estão de que a moda do futuro terá um caráter unificador nos
continentes individuais. Trabalhem vocês mesmos, então, para trazer a estes
congressos a contribuição cristã de sua inteligência e talentos, com tal
sabedoria persuasiva que ninguém seja capaz de suspeitar de preconceito no seu
próprio interesse ou da fraqueza do seu compromisso.
A
sólida consistência dos seus princípios será colocada à prova pelo chamado
espírito moderno, que não consegue sofrer resistência. E será tentado pela mesma
indiferença de muitos em face da consideração moral dos estilos, o que é o mais
insidioso sofisma repetidamente usado para justificar a imodéstia e parece ser
igual em todo lugar. Um destes ressuscita o antigo ditado que diz ab assuetis non fit passio (“As paixões não se
levantam em face das coisas a que estamos acostumados”) de forma a marcar como
“old-fashioned” (fora
da moda) a revolta de pessoas honestas contras modas excessivamente
ousadas. Será preciso mostrar quão fora de lugar este antigo ditado está nesta
questão?
Quando
falamos dos limites absolutos por defender diante do relativismo dos estilos, Nós
mencionamos o infundado caráter de outra opinião falaz, de acordo com a qual a
modéstia já não é apropriada na era contemporânea, que se tornou agora livre
de todos esses inúteis e ruinosos escrúpulos.
Certamente
pode conceder-se que existem diferentes degraus de moralidade pública de
acordo com o tempo, a natureza e as condições da civilização das pessoas
individuais. Mas isso não invalida a obrigação de lutar por um ideal de
perfeição e não é razão suficiente para renunciar ao alto degrau de
moralidade que já foi alcançado, e que se manifesta precisamente na grande
sensibilidade pela qual as consciências reconhecem o mal e suas armadilhas.
Um
combate mortal
Que
sua União, então, se comprometa com este combate, cujo objetivo é assegurar um
nível ainda mais alto de moralidade, digno de todas as tradições cristãs, nos
costumes públicos de sua nação. Não é à toa que seu trabalho, que luta por
introduzir estilos morais, é chamado uma “batalha”. Qualquer empreendimento que
tente devolver ao espírito o seu domínio sobre a matéria encontra a batalha da
mesma forma.
Considerando
cada batalha em particular, pode-se ver que há indivíduos e significativos
episódios na amarga e eterna luta que todos que estão chamados à liberdade no
espírito de Deus devem sofrer nesta vida. O Apóstolo dos Gentios descreve com
inspirada exatidão a linha de frente e as forças opositoras deste combate:
“Porque os desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne;
pois são contrários uns aos outros. É por isso que não fazeis o que quereríeis”
(Gal 5, 17). Listando as obras da carne num triste inventário da herança do
pecado original, ele inclui entre elas a impureza, à qual ele opõe a
modéstia como um fruto do Espírito Santo.
Ocupem-se disso generosamente e com confiança, sem permitir jamais que vocês sejam enlaçados
por esta timidez que fez o numericamente pequeno – mas heroico exército – do
grande Judas Macabeus dizer: “Como poderemos enfrentar tamanho exército, se
somos tão poucos, tanto mais que nos sentimos fracos, porque hoje nada comemos?” (I Mac 3, 17). Que a mesma resposta dada pelo grande campeão de Deus e
da pátria encoraje vocês: “Porque a vitória no combate não depende do número,
mas da força que desce do céu” (Ibid., 19).
Com
esta celestial garantia em mente, Nós nos despedimos de vocês, amados filhos e
filhas. E Nós elevamos Nossas súplicas ao Onipotente para que Ele se digne
derramar Sua assistência sobre sua União, e Suas graças sobre cada um de vocês, sobre suas famílias, e em particular sobre os humildes trabalhadores da moda. Como
um sinal destes favores que Nós lhes desejamos a vocês, Nós cordialmente lhes concedemos a vocês Nossa paternal Bênção Apostólica.
Fontes:
[1]S.S. PIO XII, 8 DE NOVEMBRO DE 1957. ORIGINAL NO “THE POPE SPEAKS VOL. IV, NO. 3, – PP. 273-285”. VERSÃO ON LINE NO SITETTP://WWW.STTHOMAS.EDU/CATHSTUDIES/CST/PUBLICATIONS/PIUSXII.HTML. TRADUÇÃO DE JULIE MARIA/REVISÃO IGOR BARBOSA.
[2] CF. HANDBOOK OF MODESTY PARA UM ESTUDO DETALHADA SOBRE A MODÉSTIA EMHTTP://WWW.SLIDESHARE.NET/JULIEMARIA/HANDBOOK-OF-MODESTY (N.T)
Fonte: http://floresdamodestia.blogspot.com/2014/03/problemas-morais-nos-estilos-da-moda-ss.html. Mas o corrigimos em muitos pontos, especialmente quanto à gramática.
[1]S.S. PIO XII, 8 DE NOVEMBRO DE 1957. ORIGINAL NO “THE POPE SPEAKS VOL. IV, NO. 3, – PP. 273-285”. VERSÃO ON LINE NO SITETTP://WWW.STTHOMAS.EDU/CATHSTUDIES/CST/PUBLICATIONS/PIUSXII.HTML. TRADUÇÃO DE JULIE MARIA/REVISÃO IGOR BARBOSA.
[2] CF. HANDBOOK OF MODESTY PARA UM ESTUDO DETALHADA SOBRE A MODÉSTIA EMHTTP://WWW.SLIDESHARE.NET/JULIEMARIA/HANDBOOK-OF-MODESTY (N.T)