À
guisa de apresentação
Carlos
Nougué
Pretender-se tomista, como nos pretendemos, na segunda
metade do século XX ou no XXI implica tropeçar numa série de escolhos. Antes de
tudo, os próprios desvios ou inflexões que o tomismo veio sofrendo ao longo de
sete séculos. Entenda-se bem: não passa por nossa mente o não reconhecer os
tomistas de todos os tempos como verdadeiros baluartes da doutrina que a Igreja
fez sua, contra os ataques permanentes do scotismo, do nominalismo, da
“filosofia” moderna e sua “reinvenção do mundo”, da “ciência” moderna e seu
desprezo da filosofia (como se ciência e filosofia não fossem o mesmo) e das
causas aristotélicas (sem cujo conhecimento não há ciência proprie dicta), e, por fim, da impiedade do ateísmo. Mas tampouco
se pode negar que, sitiados constantemente, os tomistas foram progressivamente
cedendo terreno aos adversários, assumindo, primeiro, algo de sua mesma
terminologia e admitindo, depois, algumas de suas mesmas conclusões. Em alguns
pontos, como o das relações entre o poder temporal e o espiritual, tal admissão
foi muito grande, e teve consequências dramáticas no que restava de
Cristandade. Em outros, porém, beirou-se a desfiguração metafísica, como com a
supressão ou esquecimento da distinção entre ser e existência. É
verdade que, após a determinação de Leão XIII e de São Pio X de que se voltasse
ao tomismo, teve início um processo, ainda que muito desigual, de efetiva
recuperação da doutrina, do qual é exemplo maior o De analogia de Santiago Ramírez O.P. Mas tal processo foi
abruptamente interrompido pelo Vaticano II: a partir deste, as referências do
magistério a Tomás de Aquino já não se fizeram por sua doutrina, mas por suas
qualidades de estudioso e de santo, e abriram-se as portas da Igreja, de par em
par, para Descartes, para Kant, para Hegel. Parecia o fim do tomismo como
teologia sagrada, e do aristotelismo-tomismo na filosofia. Mas tais escolhos,
aparentemente intransponíveis a quem, repita-se, se queira hoje tomista, malformado
que é segundo aquela sucessão de inflexões, de concessões, de traições,
apresentam todavia outra face. Com efeito, se se recebeu graça suficiente para
ver a crise em que estamos submersos e para resistir a ela, o que se queira
tomista estará à margem; e nesta margem, ou seja, já sem compromissos em razão
dos quais ceder terreno aos sitiantes, pode não só empreender o retorno à
doutrina íntegra de S. Tomás, mas, fundado firmemente nela, sistematizá-la
filosoficamente, refazê-la nos pontos filosóficos caducos (como na Cosmologia),
arrostar e solucionar os mais agudos problemas teológicos da atualidade. É a
obra do sacerdote argentino Álvaro Calderón. De nossa parte, não fazemos senão
tentar seguir-lhe o exemplo e superar nosso mesmo passado de inflexões do
tomismo. Estes opúsculos são pois um novo passo neste caminho, e uma como
preparação para o que julgamos ser nosso ponto de amadurecimento: as obras Do Verbo Cordial ao Verbo Vocal – o Tratado
dos Universais e Das Artes do Belo,
as quais, se Deus quiser, se publicarão algo proximamente.
Do mesmo autor:
• Suma Gramatical da
Língua Portuguesa (São Paulo, É Realizações, 2015, 2.ª ed. revista 2017,
608 pp.);
• Estudos Tomistas –
Opúsculos (Formosa, Edições Santo Tomás, 2016, 192 pp.);
• Da Necessidade da
Física Geral Aristotélico-Tomista (São Paulo, É Realizações, por
publicar-se como estudo introdutório da tradução do Comentário de Santo Tomás à
Física de Aristóteles);
• Do Verbo Cordial ao
Verbo Vocal – o Tratado dos Universais (São Paulo, É Realizações, por
publicar-se);
• Das Artes do Belo (São
Luís/Formosa, Resistência Cultural/Edições Santo Tomás, por publicar-se).