Carlos Nougué
1) Ao ler o Compêndio
de Teologia, quando São Tomás trata da formação do corpo de Cristo sem
sêmen (pág. 425), tenho a impressão de que o corpo de Nosso Senhor já
tinha a forma humana desde o primeiro instante da concepção, sem precisar
passar pelos estágios normais de crescimento.
RESPOSTA.
Nosso Senhor Jesus Cristo assumiu da natureza humana todas as propriedades e
todos os defectus não degradantes: assim, desenvolveu-se
corporalmente como todo e qualquer homem; teve fome e sede e dor como todo e
qualquer homem; e morreu como todo e qualquer homem depois do pecado original;
mas seu corpo morto não se corrompeu, o que seria degradante para a união
hipostática da natureza divina com a humana. Mas Cristo desde sua concepção sem
sêmen teve ciência infusa perfeita, e, mais que isso, a visão beatífica. Por
isso, aliás, é que era um cânon da pintura medieval representar o rostinho do
Menino Jesus como o de um adulto. – Atenção, porém: a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade assumiu todos os defectus não degradantes
da natureza humana porque o quis: ou seja, para assim tornar perfeitamente
crível sua missão redentora. Poderia não ter sentido fome, nem sede, nem dor;
mas a cruz a que Cristo estava consagrado para redimir o gênero humano seria
inócua ante os olhos dos que ele havia de converter e de salvar se nela ele não
sofresse, não sangrasse, não morresse, etc. – Insista-se, porém, em que
ele verdadeiramente sofreu e sangrou e morreu. Apenas, fê-lo
tão só porque o quis.
2) Caso essa
minha leitura esteja correta, gostaria de saber se a Igreja aceitou essa
doutrina do Aquinate e se permanece a ensiná-la.
RESPOSTA.
Esta foi desde sempre a doutrina infalível da Igreja, ainda que, como é comum
nas declarações dogmáticas de seu magistério, sem a complexa explicação
teológica de Tomás de Aquino.
3) Outra
dúvida, esta talvez mais complexa, é a de tentar harmonizar as duas naturezas
de Cristo em uma só Pessoa. Pois isso me leva a questão de como se forma a
pessoa. Tendo Nosso Senhor alma humana, inteligência humana, vontade humana por
que não há uma pessoa humana? Não duvido do dogma, só desejo compreendê-lo
melhor.
RESPOSTA. Pessoa é
“uma substância individual de natureza intelectual”. Pois bem, Cristo era uma
(só) substância individual. Logo, não poderia ser duas pessoas. Mas Cristo era
uma só pessoa em duas naturezas, a divina e a humana. Quanto à natureza divina,
não a podemos conhecer em sentido próprio: porque, com efeito, só conhecem a
Deus por essência os bem-aventurados. Quanto à natureza humana de Cristo, é
igual à de todo e qualquer homem, com, porém, uma diferença importante: a
natureza humana em Cristo está perfeitamente ordenada à sua natureza divina.
Até aqui podemos ir. Tentar ir além seria tentar penetrar um mistério que só
aos bem-aventurados é dado penetrar e que não nos é dado conhecer senão por
trás dos véus da fé, como em enigma, como por espelho. A união hipostática de
Cristo só pode ser penetrada por aqueles a quem Deus deu já a luz da glória. –
Aliás, hipóstase quer dizer justamente pessoa, e
união hipostática expressa justamente que a união da natureza
divina e da humana em Cristo não poderia dar-se senão em uma só pessoa.
4) Por fim,
aproveitando que o senhor está oferecendo esclarecimentos sobre passagens
bíblicas, gostaria de pedir que o senhor me informasse nomes de exegetas
católicos que sejam fiéis à teologia e à interpretação bíblicas.
RESPOSTA.
Para os Evangelhos, leia-se a Catena aurea de Santo Tomás,
onde reúne a palavra de todos os principais Padres da Igreja sobre cada
versículo. Para as epístolas paulinas, os comentários do próprio Santo Tomás.
Para o Antigo Testamento, além de um que outro comentário de Tomás de Aquino, o
de todos os Padres que aparecem na Catena aurea, mas com certo
cuidado: às vezes a exegese de alguns Padres não é ortodoxa e chegou a ser
condenada pela Igreja (como é o caso de um Orígenes).