domingo, 8 de janeiro de 2017

Decreto de Proteção Papal (do Papa Gregório X) aos Judeus – ou de como praticar a misericórdia sem abrir mão dos princípios


Gregório [X], bispo, servo dos servos de Deus, estende saudações e bênção apostólica a seus amados filhos em Cristo, os fiéis cristãos, os daqui e de hoje, e os do futuro.
Por mais que não se permita aos judeus, em suas assembleias, presunçosamente, assumir para si mais do que se lhes permite por lei, ainda assim não devem sofrer nenhum detrimento nos [direitos] que lhes foram assegurados. Embora eles prefiram persistir em sua intransigência a reconhecer a palavra de seus profetas e os mistérios das Escrituras, e, dessa maneira, chegar ao conhecimento da fé cristã, e da salvação; contudo, porquanto eles fizeram um apelo à nossa proteção e ajuda, nós, portanto, admitimos tal petição e lhes oferecemos o escudo de nossa proteção pela clemência da piedade cristã. Agindo de tal forma, nós seguimos os passos de predecessores nossos de abençoada memória, os papas de Roma Calixto, Eugênio, Alexandre, Clemente, Inocêncio e Honório.  
Ademais, nós decretamos que nenhum cristão deve compeli-los a eles ou a ninguém de seu grupo ao batismo sem seu desejo. Mas, se algum deles, por convicção, se refugiar entre os cristãos, por sua própria vontade, após manifestar sua intenção, deverá ser feito cristão sem nenhuma intriga. Porque, com efeito, não se pode considerar que tenha fé cristã a pessoa que se tenha tornado cristã por coação, sem vontade própria nem desejo.   
Mais ainda, nenhum cristão deve atrever-se a apanhá-los, aprisioná-los, feri-los, torturá-los, mutilá-los, matá-los ou infligir-lhes qualquer violência; ademais, salvo por ação judicial das autoridades civis, ninguém deve atrever-se a mudar os bons costumes da terra em que vivem com o propósito de tomar dinheiro ou bens seus ou de outros. 
Mais ainda, ninguém deve perturbá-los de forma alguma durante a celebração de suas festas, de dia ou de noite, com paus, pedras nem nenhuma outra coisa. Ninguém, ademais, deve extrair nenhum serviço compulsório deles, a não ser que tal serviço seja o que eles estejam acostumados a oferecer desde tempos anteriores.   
Do mesmo modo que os judeus não podem prestar testemunho contra os cristãos, nós decretamos em adição que o testemunho dos cristãos contra os judeus não será válido a não ser que haja entre esses cristãos alguns judeus que ali se encontrem com o propósito de oferecer o testemunho. 
Sucede porém que alguns cristãos perdem suas crianças e os judeus são acusados, por seus inimigos, de secretamente levá-las à força e matá-las, e ainda de fazer sacrifícios com o sangue e o coração dessas crianças. Mas sucede também que os pais dessas mesmas crianças, ou outros inimigos cristãos de tais judeus, secretamente escondem essas crianças com o intuito de poder fazer mal a tais judeus, e com isso ter a possibilidade de extorquir deles certa quantia de dinheiro para redimi-los.  
Falsamente clamam tais cristãos que os judeus tomam secreta e furtivamente tais crianças e as matam, e que oferecem sacrifícios com o coração e o sangue de tais crianças, uma vez que sua lei, quanto a isto, precisa e expressamente proíbe aos judeus sacrificar, comer ou beber o sangue e a carne de animais que tenham garras. Isso foi demonstrado várias vezes em nossa corte por judeus convertidos à fé cristã; muitos judeus, todavia, são apanhados e detidos injustamente por causa disto. 
Nós decretamos, portanto, que os judeus não precisam obedecer aos cristãos numa situação como esta, e ordenamos que  todo judeu aprisionado sob um pretexto tolo como esse seja imediatamente libertado, e que eles não sejam presos de agora em diante sob tão miserável pretexto, a não ser que – o que não acreditamos que ocorra – sejam pegos cometendo o crime. Decretamos que nenhum cristão fomente nada novo contra eles, e que eles devem ser mantidos no estatuto e posição em que estavam na época de nossos predecessores, desde a antiguidade até agora. 
Decretamos, para deter a malvadeza e a avareza dos homens maus, que ninguém deve atrever-se a devastar e destruir os cemitérios dos judeus, ou a desenterrar corpos humanos para ganhar dinheiro. 
Mais ainda, se alguém, após ter tomado conhecimento do presente decreto, atentar – o que esperamos não ocorra – audaciosamente contra ele, sofra punição em sua categoria e posição, ou seja punido por excomunhão, a não ser que faça reparações por sua ousadia mediante a devida compensação. Desejamos ainda que os judeus que não tiverem cometido nada em ordem à destruição da fé cristã sejam fortificados pelo suporte desta proteção.

Dado em Orvieto, pelas mãos do Mestre João Lectator, vice-chanceler da Santa Igreja Romana, no 7º dia de outubro, no primeiro indicto, no ano de 1272 da Divina Encarnação, no primeiro ano do pontificado de nosso mestre, o Papa Gregório X.

[O texto latino original encontra-se no site do Vaticano. Esta tradução é de alguém que prefere permanecer anônimo.]