Carta
encíclica do Papa Leão XIII
promulgada em 20 de Abril de 1884.
promulgada em 20 de Abril de 1884.
A
todos os Nossos Veneráveis Irmãos os Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos
do orbe católico, em graça e comunhão com a Sé Apostólica: sobre a Maçonaria.
LEÃO
XIII, PAPA.
Veneráveis
Irmãos, Saudação e Bênção Apostólica.
As duas cidades
1.
Desde quando, pela inveja do demônio, miseravelmente se separou de Deus,
a quem era devedor do seu chamado à existência e dos dons sobrenaturais, o
gênero humano dividiu-se em dois campos inimigos, que não cessam de combater,
um pela verdade e pela virtude, o outro por tudo o que é contrário à virtude e
à verdade. – O primeiro é o reino de Deus na terra, a saber, a verdadeira
Igreja de Jesus Cristo, cujos membros, se lhe quiserem pertencer do fundo do
coração e de maneira a operar a sua salvação, devem necessariamente servir a
Deus e a seu Filho único, com toda sua alma, com toda a sua vontade O segundo é
o reino de Satanás. Sob o seu império e em seu poder se acham todos os que,
seguindo os funestos exemplos do seu chefe e de nossos primeiros pais, recusam
obedecer à lei divina e multiplicam seus esforços, aqui para prescindir de
Deus, ali para agir diretamente contra Deus. Esses dois reinos, viu-os e
descreveu-os Santo Agostinho com grande perspicácia sob a forma de duas cidades
opostas uma à outra quer pelas leis que as regem, quer pelo ideal que colimam;
e, com engenhoso laconismo, pôs em relevo nas palavras seguintes o princípio
constitutivo de cada uma delas: Dois amores deram nascimento a duas cidades:
a cidade terrestre procede do amor de si até ao desprezo de Deus; a cidade
celeste procede do amor de Deus levado até ao desprezo de si (De Civit.
Dei, lib. XIV, c. 17).
2. Em
toda a séria dos séculos que nos precederam, essas duas cidades não têm cessado
de lutar uma contra a outra, empregando toda sorte de táticas e as armas mais
diversas, posto que nem sempre com o mesmo ardor, nem com a mesma
impetuosidade. Na nossa época, os fautores do mal parecem haver-se coligado num
imenso esforço, sob o impulso e com o auxílio de uma Sociedade difundida em
grande número de lugares e fortemente organizada, a Sociedade dos mações.
Estes, com efeito, já não se dão o trabalho de dissimular as suas intenções, e
rivalizam entre si em audácia contra a augusta majestade de Deus. É
publicamente, a céu aberto, que empreendem arruinar a Santa Igreja, a fim de,
se possível fosse, chegarem a despojar completamente as nações cristãs dos
benefícios de que são devedoras ao Salvador Jesus Cristo. Gemente à vista
desses males, e sob o impulso da caridade, muitas vezes nos sentimos levados a
clamar para Deus: Senhor, eis que os vossos inimigos fazem grande bulha. Os
que vos odeiam levantaram a cabeça. Urdiram contra o vosso povo projetos cheios
de malícia, e resolveram perder os vossos santos. Sem, disseram eles, vinde e
expulsemo-los do seio das nações (Sl 82, 2-4).
3.
Entretanto, em tão urgente perigo, em presença de um ataque tão cruel e tão
obstinado desfechado contra o cristianismo, é dever Nosso assinalar o perigo,
denunciar os adversários, opor toda a resistência possível aos seus projetos e
à sua indústria, primeiro para impedir a perda eterna das almas cuja salvação
Nos foi confiada, e depois a fim de que o reino de Jesus Cristo, que somo
encarregados de defender, não somente fique de pé e em toda a sua integridade,
mas faça pela terra toda novos progressos, novas conquistas.
Exortações dos Romanos Pontífices
4. Em
suas vigilantes solicitudes pela salvação do povo cristão, Nossos predecessores
bem depressa reconheceram esse inimigo capital no momento em que, saindo das
trevas de uma conspiração oculta, se lançava ao assalto em pleno dia. Sabendo o
que ele era, o que queria, e lendo por assim dizer no futuro, eles deram aos
príncipes e aos povos o sinal de alarma, e os alertaram contra os embustes e os
artifícios preparados par a surpreendê-los. O perigo foi denunciado pela
primeira vez por Clemente XII (Const. In eminenti, 24 Abril 1738) em
1738, e a constituição promulgada por esse Papa foi renovada e confirmada por
Bento XIV (Const. Providas, 18 Maio 1751). Pio VII (Const. Ecclesiam
a Jesu Christo, 13 Setembro 1821) seguiu as pegadas dos Pontífices, e Leão
XII, enfeixando na sua constituição apostólica Quo graviora (Const. De
13 Março 1825) todos os atos e decretos dos precedentes Papas sobre essa
matéria, retificou-os e confirmou-os para sempre. No mesmo sentido falaram Pio
VIII (Enc. Traditi, 21 Maio 1829), Gregório XVI (Enc. Mirari, 15
Agosto 1832) e, repetidas vezes, Pio IX (Enc. Qui pluribus, 9 Novembro
1846. – Alloc. Multiplices inter, 25 Setembro 1865, etc.).
5. O
intuito fundamental e o espírito da seita maçônica tinha sido posto em plena
luz pela manifestação evidente dos seus modos de agir, pelo conhecimento dos
seus princípios, pela exposição das suas regras, dos seus ritos e dos seus
comentários, aos quais, mais de uma vez, se haviam juntado os testemunhos dos
seus próprios adeptos. Em presença desses fatos, simplíssimo era que esta Sé
Apostólica denunciasse, publicamente a seita dos mações como uma associação
criminosa, não menos perniciosa aos interesses do cristianismo do que aos da
sociedade civil. Decretou, pois, contra ela as penas mais graves com que a
Igreja costuma fulminar os culpados, e proibiu filiar-se a ela.
Irritados
com essa medida, e esperando, já pelo desdém, já pela calúnia, poder escapar às
condenações ou lhes atenuar a força, os membros da seita acusaram os Papas que
as haviam lançado, ora de haverem proferido sentenças iníquas, ora de haverem
excedido a medida nas penas infligidas. Assim foi que se esforçaram por burlar
a autoridade ou diminuir o valor das Constituições promulgadas por Clemente
XII, Bento XIV, Pio VII e Pio IX. Todavia, nas próprias fileiras da seita não
faltaram associados para confessar, mesmo a contragosto, que, dadas a doutrina
e a disciplina católicas, os Pontífices romanos nada haviam feito senão de mui
legítimo. A essa confissão cumpre juntar o assentimento explícito de certo
número de príncipes ou de chefes de Estado que tiveram a peito ou denunciar a
Sociedade dos mações à Sé Apostólica, ou fulminá-la por si mesmos como
perigosa, decretando leis contra ela, conforme foi praticado na Holanda, na
Áustria, na Suíça, na Espanha, na Baviera, na Saboia e em algumas partes da
Itália.
A confirmação dos fatos
6.
Importa sumamente fazer notar o quanto os acontecimentos deram razão à
sabedoria dos Nossos predecessores. As suas solicitudes previdentes e paternais
nem em toda parte nem sempre tiveram o êxito desejado: o que cumpre atribuir
quer à dissimulação e à astúcia dos homens alistados nessa seita perniciosa,
quer à imprudente leviandade daqueles que, no entanto, teriam tido o interesse
mais direto em vigiá-la atentamente. Daí resulta que, no espaço do século e
meio, a seita dos mações fez progressos incríveis. Empregando simultaneamente a
audácia e a astúcia, invadiu ela todas as categorias da hierarquia social, e
começa a assumir, no seio dos Estados modernos, um poder que equivale quase à
soberania. Dessa rápida e formidável extensão resultaram justamente para a
Igreja, para a autoridade dos príncipes, para a salvação pública, os males que
Nossos predecessores desde muito haviam previsto. Chegou-se ao ponto de haver
razão para conceber pelo futuro os receios mais sérios; não, por certo, no que
concerne à Igreja, cujos sólidos fundamentos não podem ser abalados pelos
esforços dos homens, mas com relação à secularidade dos Estados, no seio dos
quais se tornaram poderosíssimas ou essa seita da Maçonaria ou outras
associações similares que se fazem suas cooperadoras e seus satélites.
7. Por
todos estes motivos, mal deitáramos a mão ao leme da Igreja, claramente
sentimos a necessidade de resistir a tamanho mal e de contra ele dirigir, tanto
quanto possível, a Nossa autoridade apostólica. – Por isto, aproveitando todas
as ocasiões favoráveis, havemos tratado as principais teses doutrinais sobre as
quais as opiniões perversas da seita maçônica parecem ter exercido a maior
influência. Foi assim que, na Nossa encíclica Quod apostolici muneris, Nos
esforçamos por combater os monstruosos sistemas dos socialistas e dos
comunistas. Nossa outra encíclica Arcanum permitiu-Nos por em luz e
defender a noção verdadeira e autêntica da sociedade doméstica, de que o
matrimônio é a origem e a fonte. Na encíclica Diuturnum, fizemos
conhecer, consoante os princípios da sabedoria cristã, a essência do poder
político, e mostramos as suas admiráveis harmonias com a ordem natural, tanto
quanto com a salvação dos povos e dos príncipes. Hoje, a exemplo dos Nossos
predecessores, resolvemos fixar diretamente a nossa atenção sobre a sociedade
maçônica, sobre o conjunto da sua doutrina, sobre os seus projetos, sentimento
e atos tradicionais, a fim de por em evidência mais brilhante o seu poder para
o mal, e deter nos seus progressos o contágio desse flagelo funesto.
Conspiração de diversas seitas
8.
Existe no mundo um certo número de seitas que, embora difiram umas das outras
pelo nome, pelos ritos, pela forma, pela origem, se assemelham e estão de
acordo entre si pela analogia da finalidade e dos princípios essenciais. De
fato, elas são idênticas à Maçonaria, que é para todas as outras como que o
ponto central de onde elas procedem e para o qual convergem. E, se bem que no
presente elas tenham a aparência de não gostarem de ficar ocultas, se bem que
façam reuniões em pleno dia e sob as vistas de todos, se bem que publiquem seus
jornais, todavia, se se for ao fundo das coisas, pode-se ver que elas pertencem
à família das Sociedades clandestinas e que lhes conservam os usos. Com efeito,
há nelas espécies de mistérios que a sua constituição proíbe com o maior
cuidado serem divulgados não somente às pessoas de fora, porém mesmo a bom
número de seus adeptos. A esta categoria pertencem os Conselhos íntimos e
supremos, os nomes dos chefes principais, certas reuniões mais ocultas e
interiores, bem como as decisões tomadas, com os meios e os agentes de
execução. Para esta lei do segredo concorrem maravilhosamente: a divisão, feita
entre os associados, dos direitos, ofícios e cargos; a distinção hierárquica,
sabiamente organizada, das ordens e graus; e a disciplina severa a que todos
são sujeitos. Na maioria das vezes, os que solicitam a iniciação devem promete,
muito mais, devem fazer juramento solene de nunca revelar a ninguém, em momento
nenhum, de maneira alguma, os nomes dos associados, as notas características e
as doutrinas da sociedade. É assim que, sob aparências mentirosas, e fazendo da
dissimulação uma constante regra de conduta, como outrora os maniqueus, os
mações não poupam esforço algum para se ocultarem e só aos seus cúmplices terem
por testemunhas. – Sendo o seu grande interesse não parecerem o que são, eles
fingem de amigos das letras ou de filósofos reunidos para cultivar as ciências.
Só falam do seu zelo pelos progressos da civilização, do seu amor ao pobre
povo. A lhes dar crédito, o seu único intuito é melhorar a sorte da multidão e
estender a maior número de homens as vantagens da sociedade civil. Mas, suposto
fossem sinceras, estariam essas intenções longe de lhes esgotar todos os
desígnios. Com efeito, os que são filiados devem prometer obedecer cegamente e
sem discussão às injunções dos chefes; manter-se sempre prontos, à menor
notificação, ao mais leve sinal, para executar as ordens dadas, votando-se de
antemão, em caso contrário, aos tratamentos mais rigorosos e mesmo à morte. De
fato, não é raro que a pena do último suplício seja infligida aos dente eles
que são convencidos ou de haverem entregue a disciplina secreta, ou de haverem
resistido às ordens dos chefes; e isso se pratica com tal destreza que, na maioria
das vezes, o executor dessas sentenças de morte escapa à justiça estabelecida
para velar sobre os crimes e vingá-los. – Ora, viver na dissimulação e querer
ser envolvido de trevas; acorrentar a si pelos laços mais estreitos, e sem lhes
haver feito previamente conhecer a que é que se comprometem, homens assim
reduzidos ao estado de escravos; empregar em toda sorte de atentados esses
instrumentos passivos de uma vontade estranhas; armar para o morticínio mãos
com cujo auxílio é assegurada a impunidade do crime; aí estão práticas
monstruosas condenadas pela própria natureza. A razão e a verdade bastam, pois,
para provar que a Sociedade de que falamos está em oposição formal com a
justiça e a moral naturais.
9.
Outras provas, de grande clareza, juntam-se à precedentes e fazem ver ainda
melhor o quanto, pela sua constituição essencial, essa associação repugna à
honestidade. Efetivamente, por maiores que possam ser entre os homens a
astuciosa habilidade da dissimulação e o hábito da mentira, impossível é que uma
causa, seja qual for, não se deixe trair pelos efeitos que produz: Uma
árvore boa não pode dar maus frutos, e uma árvore má não pode dar bons frutos (Mt
7, 18). Ora, os frutos produzidos pela seita maçônica são perniciosos e dos
mais amargos. Eis aqui, com efeito, o que resulta do que precedentemente
indicamos, e esta conclusão nos entrega a última palavra dos desígnios dela.
Trata-se, para os mações – e todos os seus esforços tendem a este fim –
trata-se de destruir completamente toda a disciplina religiosa e social que
nasceu das instituições cristãs, e de substituí-la por uma nova, formada de
acordo com as idéias deles, e cujos princípios fundamentais e leis são tirados
do naturalismo.
10.
Tudo o que acabamos de dizer ou que Nos propomos dizer deve se entendido da
seita maçônica encarada no seu conjunto, enquanto abrange outras Sociedades que
são para ela irmãs e aliadas. Não pretendemos aplicar todas estas reflexões a
cada um dos seus membros tomados individualmente. Entre eles, com efeito,
alguns podem-se achar, e mesmo em bom número, que, embora não isentos de culpa
por se haverem filiado a semelhantes Sociedades, não coparticipam dos seus atos
criminosos e ignoram o escopo final que essas Sociedades forcejam por atingir.
Do mesmo modo ainda, pode suceder que alguns dos grupos não aprovem as
conclusões extremas a que a lógica deveria forçá-los a aderir, visto decorrerem
elas necessariamente dos princípios comuns a toda a associação. Porém o mal
traz consigo uma torpeza que, por si mesma, repele e assusta. Além disto, se
circunstâncias particulares de tempo ou de lugares podem persuadir a certas
frações ficarem aquém do que desejariam fazer, ou do que fazem outras
associações, nem por isso daí se deve concluir que esses grupos sejam alheios
ao pacto fundamental da Maçonaria. Esse pacto pede ser apreciado, menos pelos
atos praticados e pelos seus resultados, do que pelo espírito que o anima e
pelos seus princípios gerais.
Os ensinamentos do Naturalismo
11.
Ora, o primeiro princípio dos naturalistas é que em todas as coisas a natureza
ou a razão humana deve ser senhora e soberana. Isto posto, se se trata dos
deveres para com Deus, ou eles fazem pouco caso deles, ou lhes alteram a
essência por opiniões vagas e sentimentos errôneos. Negam que Deus seja o autor
de qualquer revelação. Para eles, fora daquilo que a razão humana pode
compreender, não há nem dogma religioso, nem verdade, nem mestre em cuja
palavra, em nome do seu mandato oficial de ensino, se deva ter fé. Ora, como a
missão inteiramente própria e especial da Igreja Católica consiste em receber
na sua plenitude e em guardar numa pureza incorruptível as doutrinas reveladas
por Deus, tanto como a autoridade estabelecida para ensiná-las com os outros
socorros dados pelo céu em mira a salvar os homens, é contra ela que os
adversários desenvolvem mais sanha e dirigem os seus ataques mais violentos. –
Agora, veja-se a seita dos mações em obra nas coisas que dizem respeito à
religião, principalmente onde quer que a sua ação pode exercer-se com liberdade
mais licenciosa: e diga-se se ela não parece ter-se dado por mandato por em
execução dos decretos dos naturalistas. – Assim, ainda quando lhes custasse um
longo e obstinado labor, propõe-se ela reduzir a nada, no seio da sociedade
civil, o magistério e a autoridade da Igreja; donde esta consequência que os
mações se aplicam a vulgarizar e pela qual não cessam de combater, a saber: que
é preciso absolutamente separar a Igreja do Estado. Por consequência, eles
excluem das leis, tanto quanto da administração da coisa pública, a
salutaríssima influência da religião católica, e terminam logicamente na
pretensão de constituir o Estado inteiro fora das instituições e dos preceitos
da Igreja. – Não lhes basta, porém, excluir de toda participação no governo dos
negócios humanos a Igreja, esse guia tão prudente e tão seguro: mister se faz
ainda que a tratem como inimiga e usem de violência contra ela. Daí a
impunidade com que, pela palavra, pela pena, pelo ensino, é permitido atacar os
próprios fundamentos da religião católica. Nem os direitos da Igreja, nem as
prerrogativas com que Providência a dotara, nada lhes escapa aos ataques.
Reduz-se a quase nada a liberdade de ação dela, e isso por leis que, em
aparência, não se afiguram demasiado opressivas, mas que, na realidade, são
expressamente feitas para agrilhoar essa liberdade. No número das leis de
exceção feitas contra o clero, assinalaremos particularmente as que teriam como
resultado diminuir notavelmente o número dos ministros do santuário e reduzir
sempre mais os seus meios indispensáveis de ação e de existência. Os restos dos
bens eclesiásticos sujeitos a mil servidões são colocados sob a dependência e o
beneplácito de administradores civis. As comunidades religiosas são suprimidas
ou dispersadas.
Perseguição da Sé Apostólica
12. A
respeito da Sé Apostólica e do Pontífice romano, a inimizade desses sectários
tem redobrado de intensidade. Depois de, sob falsos pretextos, haverem
esbulhado o Papa da sua soberania temporal, garantia necessária da sua
liberdade e dos seus direitos, reduziram-no a uma situação simultaneamente
iníqua e intolerável, até haverem enfim, nestes últimos tempos, os fautores
dessas seitas chegado ao ponto que desde muito tempo era o escopo dos seus
secretos desígnios, a saber: proclamar chegado o momento de suprimir o poder
sagrado dos Pontífices romanos e de destruir inteiramente esse Papado que é de
instituição divina. Para por fora de dúvida a existência de um tal plano, à
míngua de outras provas bastaria invocar o testemunho de homens que pertenceram
à seita, e cuja maioria, quer no passado, quer em época mais recente, têm
atestado como certa a vontade em que estão os mações de perseguirem o
catolicismo com inimizade exclusiva e implacável, com a firme resolução de só
pararem depois de haverem arruinado completamente todas as instituições
religiosas estabelecidas pelos Papas. – Se nem todos os membros da seita são
obrigados a abjurar explicitamente o catolicismo, esta exceção, longe de
prejudicar o plano geral da Maçonaria, serve-lhe antes aos interesses.
Permite-lhe primeiro enganar mais facilmente as pessoas simples e sem
desconfiança, e torna acessível a um maior número a admissão na seita. Ademais,
abrindo suas fileiras a adeptos que a elas vêm de religiões as mais diversas,
eles se tornam mais capazes de acreditar o grande erro do tempo presente, que
consiste em relegar para a categoria das coisas indiferentes o cuidado da
religião, e em colocar em pé de igualdade todas as formas religiosas. Ora, por
si só, esse princípio basta para arruinar todas as religiões, e particularmente
a religião católica, porquanto, sendo a única verdadeira, não pode ela, sem
sofrer a última das injúrias e das injustiças, tolerar lhe sejam igualadas as
outras religiões.
Negação dos princípios fundamentais
13.
Vão ainda mais longe os naturalistas. Audaciosamente embrenhados na trilha do
erro sobre as questões mais importantes, são arrastados e como que precipitados
pela lógica até conseqüências mais extremas dos seus princípios, seja por causa
da fraqueza da natureza humana, seja pelo justo castigo com que Deus lhes fere
o orgulho. Daí, se não mais guardarem eles na sua integridade e na sua certeza
nem mesmo as verdades acessíveis à simples luz da razão natural, tais como são
seguramente a existência de Deus, a espiritualidade e a imortalidade da alma.
Enveredando por essa nova trilha de erro, a seita dos mações não tem escapado a
esses escolhos. Com efeito, embora, tomada em seu conjunto, a seita faça
profissão de crer na existência de Deus, o testemunho dos seus próprios membros
estabelece que essa crença não é, para cada um deles individualmente, objeto de
assentimento firme e de certeza inabalável. Eles não dissimulam que a questão
de Deus é entre eles causa de grande dissentimentos. Está mesmo provado que há
pouco tempo se travou entre eles séria controvérsia a este respeito. De fato, a
seita deixa aos iniciados liberdade inteira de pronunciar-se em tal ou tal
sentido, quer para afirmar a existência de Deus, quer para negá-la e os que
negam resolutamente esse dogma são tão bem recebidos à iniciação como os que,
de certo modo, o admitem ainda, mas desnaturando-o, com os panteístas, cujo
erro consiste justamente em, embora retendo do ser divino não se sabe que
absurdas aparências, fazer desaparecer aquilo que há de essencial na verdade da
sua existência. Ora, quando esse fundamento necessário é destruído ou sequer
abalado, por si mesmo resulta vacilarem na razão humana os outros princípios da
ordem natural, e não saber ela mais a que se ater, nem sobre a criação do mundo
por um ato livre e soberano do Criador, nem sobre o governo da Providência, nem
sobre a sobrevivência da alma e a realidade de uma vida futura e imortal que
sucede à vida presente.
Corrupção dos costumes
14. O
desmoronamento das verdades que são a base da ordem natural e que tanto
importam à conduta racional e prática da vida, terá repercussão sobre os
costumes privados e públicos. - Passemos em silêncio essas virtudes
sobrenaturais que, a não ser por um dom especial de Deus, ninguém pode nem
praticar nem adquirir; essas virtudes de que é impossível achar qualquer
vestígio nos que fazem profissão de ignorar desdenhosamente a redenção do
gênero humano, a graça, os sacramentos, a felicidade futura a conquistar no
céu. - Falamos simplesmente dos deveres que resultam dos princípios da
honestidade natural. Um Deus que criou o mundo e o governa pela sua
Providência; uma lei eterna cujas prescrições ordenam respeitar a ordem da
natureza e proíbem perturbá-la; um fim último colocado para a alma numa região
superior às coisas humanas e para além desta hospedaria terrestre; eis as
fontes, eis os princípios de toda justiça e honestidade. Fazei-os desaparecer
(e é esta a pretensão dos naturalistas e dos mações), e impossível será saber
em que é que consiste a ciência do justo e do injusto, ou em que é que ela se
apoia. Quanto à moral, a única coisa que achou indulgência perante os membros
da seita maçônica, e na qual eles querem que a juventude seja instruída com
cuidado, é aquela a que eles chamam "moral cívica - moral independente
- moral livre" - noutros termos, moral que não dá lugar algum às ideias
religiosas. Ora, o quanto uma tal moral é insuficiente, até que ponto carece de
solidez e verga ao sopro das paixões, pode-se vê-lo bastante pelos tristes
resultados que ela já tem dado. Com efeito, onde quer que, depois de tomar o
lugar da moral cristã, ela começou a reinar com mais liberdade, viu-se
prontamente deperecerem a probidade e a integridade dos costumes, crescerem e
se fortificarem as opiniões mais monstruosas, e a audácia dos crimes
transbordar por toda parte. Esses males provocam hoje em dia queixas e
lamentações universais, às quais fazem eco às vezes bom número daqueles mesmos
que, muito a contragosto, são forçados a prestar homenagem à evidência da
verdade.
15.
Além disso, tendo sido a natureza humana viciada pelo pecado original e
havendo-se, por causa disso, tornado muito mais disposta ao vício do que à
virtude, a honestidade é absolutamente impossível se os movimentos desordenados
da alma não forem reprimidos e se os apetites não obedecerem à razão. Nesse
conflito, muitas vezes é forçoso desprezar os interesses terrenos e resolver-se
aos trabalhos mais duros e ao sofrimento, para que a razão vitoriosa fique de
posse do seu principado. Mas, não emprestando nenhuma fé à revelação que
recebemos de Deus, os naturalistas e os mações negam que o pai do gênero humano
tenha pecado e, por conseguinte, que as forças do livre arbítrio estejam de
algum modo "debilitadas ou inclinadas para o mal" (Conc. Trid. Sess.
VI, De Justif., c. I). Muito pelo contrário, exageram o poder e a
excelência da natureza e, colocando unicamente nela o princípio e a regra da
justiça, não podem sequer conceber a necessidade de fazer constantes esforços e
de desenvolver uma grandíssima coragem para comprimir as revoltas da natureza e
impor silêncio aos seus apetites. Por isso, vemos multiplicar e pôr ao alcance
de todos os homens tudo o que lhes pode lisonjear as paixões. Jornais e
brochuras de onde a reserva e o pudor são banidos; representações teatrais cuja
licença excede os limites; obras artísticas em que se ostentam, com um cinismo
revoltante, os princípios disso a que hoje em dia se chama de realismo;
invenções engenhosas destinadas a aumentar as delicadezas e os gozos da vida;
numa palavra, tudo é posto em obra para satisfazer o amor do prazer, com o qual
acaba se ponde de acordo a virtude adormecida. Seguramente, são culpados, mas
ao mesmo tempo são consequentes consigo mesmos, aqueles que, suprimindo a
esperança dos bens futuros, rebaixam a felicidade ao nível das coisas
perecíveis, a mais baixo mesmo do que os horizontes terrenos. Em abono dessas
asserções, fácil seria aduzir fatos certos, posto que incríveis em aparência.
De feito, não obedecendo ninguém com tanto servilismo a esses hábeis e astutos
personagens como aqueles cuja coragem se enervou e quebrou na escravidão das
paixões, têm-se achado na Maçonaria sectários para sustentarem que era preciso
sistematicamente empregar todos os meios de saturar a multidão de licenças e
vícios, bem certos de que com essas condições ela estaria toda nas mãos deles e
poderia servir de instrumento ao cumprimento dos seus projetos mais audaciosos.
Consequências na vida doméstica
16.
Relativamente à sociedade doméstica, eis aqui a que se resume o ensino dos
naturalistas. O matrimônio é uma mera variedade da espécie de contratos; pode,
pois, ser legitimamente dissolvido à vontade dos contratantes. Os chefes do
governo têm poder sobre o vínculo conjugal. Na educação dos filhos, não há nada
a lhes ensinar metodicamente nem a lhes prescrever em matéria de religião. A
cada um deles compete, quando estiver em idade, escolher a religião que lhes
aprouver. – Ora, não somente os mações aderem inteiramente a estes princípios,
mas se aplicam a fazê-los passar aos costumes e às instituições. Já, em muitos
países, mesmo católicos, está estabelecido que, fora do casamento civil, não há
união legítima. Noutros lugares, a lei autoriza o divórcio, que outros povos se
aprestam a introduzir na sua legislação o mais depressa possível. Todas essas
medidas apressam a realização próxima do projeto de alterar a essência do
matrimônio e de reduzi-lo a não passar de uma união instável, efêmera, nascida
do capricho de um instante, e podendo ser dissolvida quando esse capricho mudar.
A seita concentra também todas as suas energias e todos os seus esforços em se
apoderar da educação da juventude. Os mações esperam poder facilmente formar de
acordo com suas ideias essa idade tão tenra, e dobrar-lhe a flexibilidade no
sentido que eles quiserem, nada devendo ser mais eficaz do que isso para
preparar à sociedade civil uma raça de cidadãos tal como eles sonha dar-lhe. É
por isso que, na educação e na instrução das crianças, não querem eles tolerar
os ministros da Igreja, nem como censores, nem como professores. Já em vários
países eles conseguiram fazer confiar exclusivamente a leigos a educação da
juventude, como também proscrever totalmente do ensino da moral os grandes e
santos deverem que unem o homem a Deus.
Consequências políticas
17.
Vêm em seguida os dogmas da ciência política. Eis aqui quais são nesta matéria
as teses dos naturalistas: os homens são iguais em direitos, todos, e sob todos
os pontos de vista são de igual condições. Sendo todos livres por natureza,
nenhum deles tem o direito de mandar a um de seus semelhantes, e é fazer
violência aos homens pretender submetê-los a uma autoridade qualquer, a menos
que essa autoridade proceda deles mesmos. Todo poder está no povo livre; os que
exercem o mando só são detentores pelo mandato ou pela concessão do povo, de
tal sorte que, se a vontade popular mandar, há que destituir da sua autoridade
os chefes do Estado, mesmo contra a vontade deles. A fonte de todos os direitos
e de todas as funções civis reside quer na multidão, quer no poder que rege o
Estado, mas quando este foi constituído de acordo com os novos princípios. Além
disto, deve o Estado ser ateu. De feito, ele não acha nas diversas formas
religiosas razão alguma para preferir uma à outra; portanto, todas devem ser
postas em pé de igualdade.
18.
Ora, que essas doutrinas sejam professadas pelos mações, que tal seja para eles
o ideal segundo o qual entendem constituir as sociedades, isto é quase
sobejamente evidente para precisar ser provado. Já há muito tempo que eles
trabalham abertamente para realizá-lo, empregando nisso todas as suas forças e
todos os seus recursos. Abrem assim o caminho a outros sectários numerosos e
mais audaciosos, que se mantêm prontos a tirar desses falsos princípios
conclusões ainda mais detestáveis, a saber, a repartição igual e a comunidade
dos bens entre todos os cidadãos, depois que toda distinção de categoria e de
fortuna tiver sido abolida.
Resumo dos erros
19. Os
fatos que acabamos de resumir põem em luz suficiente a constituição íntima dos
mações e mostram claramente por que estrada eles se encaminham para a sua meta.
Os seus dogmas principais estão em desacordo tão completo e tão manifesto com a
razão, que nada se pode imaginar mais perverso. Realmente, querer destruir a
religião e a Igreja estabelecidas pelo próprio Deus e por ele asseguradas de
uma perpétua proteção, para restabelecer entre nós, após dezoito séculos, os
costumes e as instituições dos pagãos, não é o cúmulo da loucura e da mais
audaciosa impiedade? Mas o que não é nem menos horrível nem mais suportável é
ver repudiar os benefícios misericordiosamente adquiridos por Jesus Cristo,
primeiro para os indivíduos e depois para os homens agrupados em famílias e em
nações: benefícios que, no testemunho dos próprios inimigos do cristianismo,
são do mais alto preço. De certo, em plano tão insensato e tão criminoso bem
lícito é reconhecer o ódio implacável de que Satanás está animado para com
Jesus Cristo, e a sua paixão de vingança. O outro intento para cuja realização
os mações empregam todos os seus esforços consiste em destruir os fundamentos
principais da justiça e da honestidade. Com isso, fazem-se eles auxiliares
daqueles que quereriam que, a exemplo do animal, não tivesse o homem outra
regra de ações a não serem os seus desejos. Este intento não tende a nada menos
do que a desonrar o gênero humano e a precipitá-lo ignominiosamente na sua
perdição.
20. O
mal aumenta com todos os perigos que ameaçam a sociedade doméstica e a
sociedade civil. Conforme expusemos alhures, todos os povos, todos os séculos
concordam em reconhecer no matrimônio algo de sagrado e de religioso, e a lei
divina tem provido a que as uniões conjugais não possam ser dissolvidas. Mas,
se elas se tornarem puramente profanas, se lícito for rompê-las ao gosto dos
contraentes, logo a constituição da família será presa da perturbação e da
confusão; as mulheres serão descoroadas da sua dignidade; toda a proteção e
toda segurança desaparecerão para os filhos e para os seus interesses.
21.Quanto
à pretensão de fazer o Estado completamente alheio à religião e podendo
administrar os negócios públicos sem levar em conta a Deus mais do que se ele
não existisse, é uma temeridade sem exemplo, mesmo entre os pagãos. Estes
traziam tão profundamente gravada no mais íntimo de suas almas não somente uma
ideia vaga dos deuses, mas a necessidade social da religião, que, no senso
deles, mais fácil seria a uma cidade manter-se de pé sem estar apoiada no solo
do que privada de Deus. De fato, a sociedade do gênero humano, para a qual a
natureza nos criou, foi constituída por Deus, autor da natureza. Dele, como
princípio e como fonte, promanam na sua força e na sua perenidade os benefícios
inúmeros com que ela nos enriquece. Por isto, assim como a voz da natureza
lembra a cada homem particular a obrigação em que está de oferecer a Deus o
culto de uma piedosa gratidão porque a Ele é que somos devedores da vida e dos
bens que a acompanham, dever semelhante se impõe aos povos e às sociedade. –
Daí resulta com a última evidência que os que querem quebrar toda relação entre
a sociedade civil e os deveres da religião não cometem só uma injustiça, mas,
pelo seu procedimento, provam a sua ignorância e inépcia. Efetivamente, é pela
vontade de Deus que os homens nascem para ser reunidos e para viver em
sociedade; a autoridade é o vínculo necessário à manutenção da sociedade civil,
de tal sorte que, quebrado esse vínculo, ela se dissolve fatal e imediatamente.
A autoridade tem, pois, por autor o mesmo ser que criou a sociedade. Por isto,
seja qual for aquele em cujas mãos o poder reside, ele é o ministro de Deus.
Por conseguinte, na medida em que o exigem o fim e a natureza da sociedade
humana, cumpre obedecer ao poder legítimo que manda coisas justas, como à
própria autoridade de Deus que governa tudo; e nada é mais contrário à verdade
do que sustentar que da vontade do povo depende recusar essa obediência quando
lhes aprouver.
22. Do
mesmo modo, se considerarmos que todos os homens são da mesma raça e da mesma
natureza e que devem todos atingir o mesmo fim último, e se olharmos aos
deveres e aos direitos que decorrem dessa comunidade de origem e de destino,
não é duvidoso que eles sejam iguais. Mas, como nem todos eles têm os mesmos
recursos de inteligência, e como diferem uns dos outros, seja pelas faculdades
do espírito, seja pelas energias físicas: como, enfim, existem entre eles mil
distinções de costumes, de gostos, de caracteres, nada repugna tanto à razão
como pretender reduzi-los todos à mesma medida e introduzir nas instituições da
vida civil uma igualdade rigorosa e matemática. Com efeito, do mesmo modo que a
perfeita constituição do corpo humano resulta da união e do conjunto dos
membros, que não têm nem as mesmas forças nem as mesmas funções, mas cuja feliz
associação e concurso harmonioso dão a todo o organismo a sua beleza plástica,
a sua força e a sua aptidão para prestar os serviços necessários, assim também,
no seio da sociedade humana, acha-se uma variedade quase infinita de partes
dissemelhantes. Se elas fossem todas iguais entre si e livres cada uma por sua
conta de agir a seu talante, nada seria mais disforme do que tal sociedade.
Pelo contrário, se, por uma sábia hierarquia dos merecimentos, dos gostos, das
aptidões, cada uma delas concorre para o bem geral, vedes erguer-vos diante de
vós a imagem de uma sociedade bem ordenada e conforme à natureza.
Perigos para os Estados
23. Os
maléficos erros que acabamos de relembrar ameaçam os Estados com os perigos
mais temíveis. De feito, suprimi o temor de Deus o respeito devido às suas
leis; deixai cair em descrédito a autoridade dos príncipes; daí livre curso e
incentivo à mania das revoluções; largai a brida às paixões populares, quebrai
todo freio, salvo o dos castigos, e pela força das coisas ireis ter a uma
subversão universal e à ruína de todas as instituições: tal é, em verdade, o
escopo provado, explícito, que demandam com seus esforços muitas associações
comunistas e socialistas; e a seita dos mações não tem o direito de se dizer
alheia aos atentados delas, de vez que lhes favorece os desígnios e, no terreno
dos princípios, está inteiramente de acordo com elas. Se esses princípios não
produzem imediatamente e em toda parte as suas consequências extremas, não é
nem à disciplina da sita nem à vontade dos sectários que cumpre atribuí-lo; mas
primeiramente à virtude dessa religião divina que não pode ser aniquilada, e
depois também à ação dos homens que, formando a parte mais sã das nações,
recusam suportar o jugo das sociedades secretas, e lutam com coragem contra as
insensatas empresas delas.
24. E
oxalá que todos, julgando a árvore pelos seus frutos, soubessem reconhecer o
germe e o princípio dos males que nos acabrunham, dos perigos que nos ameaçam!
Lidamos com um inimigo astuto e fecundo em artifícios. Ele prima em fazer
cócegas agradavelmente nos ouvidos dos príncipes e dos povos; tem sabido
prender uns e outros pela doçura de suas máximas e pelo engodo das suas
lisonjas. – Os príncipes? Têm –se os mações insinuado no favor deles sob a
máscara da amizade, para fazerem deles uns aliados e uns poderosos auxiliadores,
com a ajuda dos quais oprimissem mais seguramente os católicos. A fim de
aguilhoar mais vivamente o zelo desses altos personagens, eles perseguem a
Igreja com calúnias impudentes. É assim que a acusam de invejar o poder dos
soberanos e de lhes contestar os direitos. Seguros, por essa política, da
impunidade da sua audácia, eles começaram a gozar de um grande crédito sobre os
governantes. Aliás, mantêm-se sempre prontos a abalar os fundamentos dos
impérios, a perseguir, a denunciar e mesmo a expulsar os príncipes, todas as
vezes que estes parecem usar do poder diversamente do que exige a seita. – Os
povos? Eles zombam deles adulando-os por processos semelhantes. Têm sempre na
boca os temos "liberdade" e "prosperidade
pública". A crê-los, foi a Igreja, foram os soberanos que sempre
fizeram obstáculo a que as massas fossem arrancadas a uma servidão injusta, e
libertadas da miséria. Têm seduzido o povo por essa linguagem falaz, e,
excitando nele a sede das mudanças, têm-no lançado ao assalto dos dois poderes,
eclesiástico e civil. Todavia, a realidade das vantagens esperadas fica sempre
abaixo da imaginação e dos seus desejos. Bem longe de se haver tornado mais
feliz, o povo, esmagado por uma opressão e uma miséria crescentes, vê-se ainda
destituído das consolações que com tanta facilidade e abundância poderia achar
nas crenças e práticas da religião cristã. Quando os homens atacam a ordem
providencialmente estabelecida, por uma justa punição do seu orgulho acham,
muitas vezes, a aflição e a ruína em lugar da fortuna próspera com que
temerariamente haviam contado para a satisfação de todos os seus desejos.
Igreja e Estado
25.
Quanto à Igreja, se acima de tudo ela ordena aos homens obedecerem a Deus,
soberano Senhor do universo, far-se-ia contra ela um juízo calunioso se se
acreditasse ser ela invejosa do poder civil ou cogitar de se arrogar os
direitos dos príncipes. Longe disto. Ela coloca sob a sanção do dever e da
consciência a obrigação de dar ao poder civil aquilo que lhe é legitimamente
devido. Se ela faz emanar do próprio Deus o direito de mandar, daí resulta para
a autoridade um acréscimo considerável de dignidade e uma facilidade maior de
confiar a si a obediência, o respeito e a boa vontade dos cidadãos. Aliás,
sempre amiga da paz, é ela quem entretém a concórdia, abraçando todos os homens
na ternura da sua caridade materna. Unicamente atenta a promover o bem dos
mortais, não se cansa de lembrar que se deve sempre temperar a justiça pela
clemência, o mando pela equidade, as leis pela moderação; que o direito de cada
um é inviolável; que é um dever trabalhar para a manutenção da ordem e da tranquilidade
geral, e em toda a medida do possível, pela caridade privada e pública, vir em
auxílio dos sofrimentos dos infelizes. Mas, para empregar muito a propósito as
palavras de Santo Agostinho, eles crêem ou procuram fazer crer que a
doutrina cristã é incompatível com o bem do Estado, porque querem fundar o
Estado não na solidez das virtudes, mas na impunidade dos vícios (Epist.
137 ad Volusianum, c. V, n. 20). Se tudo isso fosse mais bem conhecido,
príncipes e povos dariam prova de sabedoria política e agiriam conforme às
exigências da salvação geral, unindo-se à Igreja para resistir aos ataques dos
mações, ao invés de se unirem aos mações para combater a Igreja.
Em busca de remédios
26.
Suceda o que suceder, o Nosso dever é aplicar-Nos a achar remédios
proporcionados a um mal tão intenso e cujas devastações são apenas sobejamente
extensas. Bem o sabemos: a nossa melhor e mais sólida esperança de cura está na
virtude dessa religião divina que os mações odeiam tanto mais quanto mais a
temem. Sumamente importa, pois, fazer ela o ponto central da resistência contra
o inimigo comum. Por isso, todos os decretos emitidos pelos Pontífices romanos,
Nossos predecessores, em mira a paralisar os esforços e as tentativas da seita
maçônica; todas as sentenças por eles pronunciadas para desviar os homens de
filiar-se a essa seita ou para determiná-los a sair dela, entendemos
ratificá-los de novo, tanto em geral como em particular. Cheio de confiança a
esse respeito, na boa vontade dos cristãos, em nome da sal salvação eterna lhes
suplicamos e pedimos terem para si como uma obrigação sagrada de consciência
nunca se afastarem, nem sequer de uma linha, das prescrições promulgadas a esse
respeito pela Sé Apostólica.
27.
Quanto a Vós, Veneráveis Irmãos, rogamo-Vos, conjuramo-Vos a unirdes Vossos
esforços aos Nossos, e empregardes todos o Vosso zelo em fazer desaparecer o
contágio impuro do veneno que circula nas veias da sociedade e a infeta toda.
Trata-se para Vós de promover a glória de Deus e a salvação do próximo.
Combatendo por tão grande causas, nem a coragem nem a força Vos hão de falhar.
Arrancar as máscaras
28.
Pertence-Vos determinar, na Vossa sabedoria, por que meios mais eficazes
podereis triunfar das dificuldades e obstáculos que se levantarem contra Vós. –
Porém, já que a autoridade inerente ao Nosso múnus Nos impõe o dever de Vos
traçar por Nós mesmo a linha de conduta que consideramos a melhor,
dir-Vos-emos: Em primeiro lugar, arrancai à Maçonaria a máscara com que ela se
cobre, e fazei-a ver tal qual é. Em segundo lugar, por Vossos discursos e por
Cartas pastorais especialmente consagradas a esta questão, instruí Vossos
povos; fazei-lhes conhecer os artifícios empregados por essas seitas para
seduzir os homens e atraí-los às suas fileiras, mostra-lhes a perversidade das
suas doutrinas e a infâmia dos seus atos. Lembrai-lhes que, em virtude das
sentenças várias vezes proferidas pelos Nossos predecessores, nenhum católico,
se quiser permanecer digno do seu nome e ter da sua salvação o cuidado que ela
merece, sob qualquer pretexto, pode filiar-se à seita dos mações. Que ninguém,
pois, se deixe enganar por falsas aparências de honestidade. Algumas pessoas,
com efeito, podem crer que, nos projetos dos mações, não há nada formalmente
contrário à santidade da religião e dos costumes. Todavia, sendo condenado pela
moral o princípio fundamental que é como que a alma da seita, não pode ser
permitido aliar-se a ela, nem auxiliá-la de qualquer modo.
Instrução religiosa
29. Em
seguida, com o auxílio de instruções e exortações frequentes, importa fazer com
que as massas adquiram conhecimento da religião. Neste intuito, aconselhamos
muito expordes, seja por escrito, seja de viva voz e em discursos ad hoc,
os elementos dos princípios sagrados que constituem a filosofia cristão. Esta
última recomendação tem sobretudo por fim curar, por uma ciência de bom
quilate, as doenças intelectuais dos homens, e premuni-los conjuntamente contra
as formas múltiplas do erro e contra as numerosas seduções do vício, mormente
num tempo em que a licença dos escritos corre parelhas com uma insaciável
avidez de aprender. Para realizá-lo, tereis antes de tudo o auxílio e a
colaboração do Vosso clero, se derdes todos os Vossos desvelos a bem formá-lo e
a mantê-lo na perfeição da disciplina eclesiástica e na ciência das sagradas
letras.
Todavia,
uma causa tão bela e de tão alta importância chama ainda em seu socorro a
dedicação inteligente dos leigos que unem os bons costumes e a instrução ao
amor da religião e da pátria. Ponde em comum, Veneráveis Irmãos, as forças
dessas duas ordens, e daí todos os Vossos desvelos a que os homens conheçam a
funda a Igreja Católica e a amem de todo seu coração. Porque, quanto mais esse
conhecimento e esse amor cresceram nas almas, tanto mais aversão se conceberá
pelas Sociedades secretas, tanto mais solicitude se terá por fugir delas.
A Ordem Terceira de S. Francisco
30.
Propositadamente aproveitamos o novo ensejo que nos é oferecido para insistir
sobre a recomendação por Nós já feita em favor da Ordem Terceira de S.
Francisco, a cuja disciplina aduzimos prudentes temperamentos. Cumpre por um
grande zelo em propagá-la e firmá-la. De feito, tal como foi estabelecida pelo
seu autor, ela consiste toda nisto: atrair os homens ao amor de Jesus Cristo,
ao amor da Igreja, à prática das virtudes cristãs. Pode ela, pois, prestar
grandes serviços em ajudar a vencer o contágio dessas seitas detestáveis. Faça,
pois, essa santa Associação todos os dias novos progressos. Entre as numerosas
vantagens que se podem esperar dela, uma há que prima sobre todas as outras:
essa Associação é uma verdadeira escola de Liberdade, de Fraternidade, de
Igualdade, não segundo a maneira absurda como os mações entendem estas coisas,
porém tais como com elas Jesus Cristo quis enriquecer o gênero humano, e como
S. Francisco pôs em prática. Falamos, pois, aqui da liberdade dos filhos de
Deus, em nome da qual recusamos obedecer a senhores iníquos que se chamam
Satanás e as más paixões. Falamos da fraternidade que Nos prende a Deus como ao
Criador e Pai de todos os homens. Falamos da igualdade que, estabelecida sobre
os fundamentos da justiça e da caridade, não sonha com suprimir toda a
distinção entre os homens, mas excele em fazer da variedade das condições e dos
deveres da vida uma harmonia admirável e uma espécie de concerto maravilhoso
com que naturalmente aproveitam os interesses e a dignidade da vida civil.
Grêmios e Confrarias
31. Em
terceiro lugar, uma instituição devida à sabedoria de nossos pais e
momentaneamente interrompida pelo curso dos tempos poderia, na época em que
estamos, tornar a ser o tipo e a forma de criações análogas. Queremos falar
daquelas corporações operárias destinadas a proteger, sob a tutela da religião,
os interesses do trabalho e os costumes dos trabalhadores. Se a pedra de toque
de uma longa experiência tinha feito os nossos antepassados apreciarem a
utilidade dessas associações, talvez a nossa idade tirasse delas maiores
frutos, tantos recursos preciosos elas oferecem para combater com êxito e para
esmagar o poder das seitas. Aqueles que só escapam à miséria à custa do labor
de suas mãos, ao mesmo tempo que, pela sua condição, são sumamente dignos da
caridosa assistência dos seus semelhantes, são também os mais expostos a ser
enganados pelas seduções e astúcias dos corifeus da mentira. Mister se faz,
pois, ajudá-los com grande habilidade, e abrir-lhes as fileiras de associações
honestas, para impedi-los de ser alistados nas más. Em consequência, e para a
salvação do povo, ardentemente desejamos ver se restabelecerem, sob os
auspícios e patrocínio dos bispos, essas corporações apropriadas às
necessidades do tempo presente. Não é para Nós medíocre alegria o já termos
visto constituírem-se em vários lugares associações desse gênero, bem como
Sociedades patronais, sendo o fim de umas e de outras auxiliar a honesta classe
dos proletários, assegurar-lhes às famílias e aos filhos o benefício de um
patrocínio tutelar, fornecer-lhes os meios de conservar, com bons costumes, o
conhecimento da religião e o amor da piedade.
Conferências de S. Vicente de Paulo
32.
Não poderíamos aqui passar em silêncio uma Sociedade que tem dado tantos
exemplos admiráveis e que tanto tem merecido das classes populares: queremos
falar daquela que tomou o nome de seu pai, S. Vicente de Paulo. Conhecem-se
bastante as obras realizadas por essa Sociedade e o fim que ela se propõe. Os
esforços dos seus membros tendem unicamente a aplicar-se, por uma caridosa
iniciativa, ao socorro dos pobres e dos infelizes, o que eles fazem com
maravilhosa sagacidade e não menos admirável modéstia. Porém, quanto mais essa
Sociedade oculta o bem que opera, tanto mais apta está a praticar a caridade
cristã e a aliviar as misérias dos homens.
Cuidado com a juventude
33. Em
quarto lugar, a fim de mais facilmente alcançarmos a meta dos nossos desejos,
recomendamos com nova insistência à Vossa fé e à Vossa vigilância a juventude,
que é a esperança da sociedade. – Aplicai à formação dela a maior parte das
vossas solicitudes pastorais. Quaisquer que já possam ter sido a este respeito
o Vosso zelo e a Vossa previdência, crede que nunca fareis o bastante para
subtrair a juventude às escolas e aos mestres junto aos quais estaria ela
exposta a respirar o sopro peçonhento das seitas. Por entre as prescrições da
doutrina cristã, há uma sobre a qual deverão insistir os pais, os pios
educadores, os curas, sob o impulso de seus bispos. Queremos falar da
necessidade de lhes premunir os filhos ou os alunos contra essas Sociedades
criminosas, ensinando-os cedo a desconfiar dos artifícios pérfidos e variados
com o auxílio dos quais seus prosélitos procuram enlaçar os homens. Os que têm
encargo de preparar os jovens para receber os sacramentos como convém, agiriam
sabiamente se induzissem cada um deles a tomar a firme resolução de não se
agregar a nenhuma Sociedade sem ciência dos pais, ou sem haverem consultado
antes seu cura ou seu confessor.
Recurso à oração
34. De
resto, sabemos muito bem que nossos comuns labores para arrancar do campo do
Senhor essas sementes perniciosas seriam totalmente impotentes se, do alto do
céu, o Senhor da vinha não secundasse os nossos esforços. Necessário é, pois,
lhe implorarmos a assistência e o socorro com grande ardor e por solicitações
reiteradas, proporcionadas à necessidade das circunstâncias e à intensidade do
perigo. Ufana dos seus sucessos precedentes, a seita dos mações levanta
insolentemente a cabeça, e sua audácia parece já não conhecer limites. Ligados
uns aos outros pelo vínculo de uma federação criminosa e dos seus projetos
ocultos, prestam-se esses adeptos mútuo apoio e se provocam entre si a ousar e
a fazer o mal. A um ataque tão violento deve responder uma defesa enérgica.
Unam-se, pois, também as pessoas de bem, e formem uma imensa coligação de
oração e de esforços. Em consequência, pedimos-lhes fazerem entre si, pela
concórdia dos espíritos e dos corações, uma coesão que as torne invencíveis
contra os assaltos dos sectários. Além disso, estendam elas para Deus mãos
súplices e esforcem-se seus gemidos por obter a prosperidade e os progressos
perseverantes do cristianismo, a tranqüila fruição, para a Igreja, da liberdade
necessária, o retorno dos transviados ao bem, o triunfo da verdade sobre o
erro, da virtude sobre o vício.
35.
Roguemos à Virgem Maria, Mãe de Deus, se faça nossa auxiliar e nossa
intérprete. Vitoriosa de Satanás desde o primeiro instante da sua conceição,
desenvolva ela o seu poder contra as seitas reprovadas que tão evidentemente
fazem reviver entre nós o espírito de revolta, a incorrigível perfídia e a
astúcia do demônio. Chamemos em nosso auxílio o príncipe das Milícias celestes,
S. Miguel, que precipitou nos infernos os anjos revoltados; depois S. José, o
esposo da Santíssima Virgem, o celeste e tutelar padroeiro da Igreja Católica,
e os grandes apóstolos S. Pedro e S. Paulo, esses infatigáveis semeadores e
esses campeões invencíveis da fé católica. Graças à proteção deles e à
perseverança de todos os fiéis na oração, temos a confiança de que Deus se
dignará de enviar um socorro oportuno e misericordioso ao gênero humano exposto
a tamanho perigo.
Nesse
ínterim, como penhor dos dons celestes e como testemunho da Nossa benevolência,
do fundo do coração Vos enviamos a benção apostólica, a Vós, Veneráveis Irmãos,
bem como ao clero e aos povos confiados à Vossa solicitude.
Dado
em Roma, em S. Pedro, a 20 de Abril de 1884, sétimo ano do nosso Pontificado.
LEÃO
XIII, PAPA.
Fonte: http://www.fimdostempos.net/documento_papa_contra_maconaria2.html.