Carlos Nougué
Assim como provavelmente seria impossível a vida na terra
sem o conjunto do universo em toda a sua complexidade, assim tampouco se há de
duvidar que os astros, em toda a complexidade do cosmos, influam de algum modo sobre o corpóreo sublunar.
De que modo exercem precisamente tal influência é algo que não creio se revolva
no âmbito de nossa ciência – o que, uma vez mais, não há senão de acender-nos
ainda mais a admiração por seu autor. Mas há que registrar que tal influência
ou influxo será meramente corpóreo, conquanto, pela união da alma humana a seu
corpo, possa influir predisponentemente sobre
ela, segundo o modo dito no capítulo 128 do livro 1 do Compêndio de Teologia, de Santo Tomás de Aquino. Mas tal, ainda de acordo com o nosso santo, só pode
dar-se entre os viciosos, ou seja, os que se deixam dominar pelos influxos do
corpo e se entregam às paixões. Isso não quer dizer, no entanto, segundo as mesmas
premissas de Santo Tomás, que os que carecem de virtude sigam sempre o influxo
indireto dos astros: poucos são os casos extremos em que já nunca se contraria,
por juízo da razão e por vontade, a inclinação viciosa.
Pode mostrar-se da
seguinte maneira, portanto, a impossibilidade de
que os astros influam de outro modo que predisponentemente sobre o humano.
Suponha-se que determinado homem, influído de
algum modo pelos astros, e sem ter alcançado a sabedoria e a virtude durante
toda a vida, se tenha viciado em jogos de azar. Sucede porém que, velho já,
decide por livre arbítrio – de que é dotado todo e qualquer ser humano – que
deixará de jogar para não desagradar à esposa gravemente enferma, mas no
momento mesmo de sua decisão sofre um ataque cardíaco fulminante e morre. Terá
morrido, assim, contrariando uma tendência predisponente adquirida por influxo
dos astros. E, se tal decisão foi movida por alguma graça divina, então ainda
mais se patenteia a impossibilidade de influxo direto dos astros sobre a alma
humana: porque, se a alma humana por si não pode sofrer influxo imediato dos
astros, muito menos o poderá aquele que é o criador dos astros.
Por isso mesmo é que a Igreja (ou seja, seu magistério e sua
tradição, incluídos seus Padres e Doutores) não só condena veementemente a
astrologia, mas anatematiza seus defensores. Como diz Santo Tomás de Aquino, “é
pecado grave recorrer aos juízos dos
astros com respeito às coisas que dependem da vontade humana”; e, se se acerta em
algo com respeito a isto, tal não se deverá senão a um “pacto ou sociedade com
o demônio”.