sexta-feira, 29 de julho de 2016

Santo Tomás de Aquino e a fina arte de escolher o mal menor


Carlos Nougué

1) Os que se inscreveram no curso O Melhor Regime Político segundo Santo Tomás de Aquino (e o Atual Momento Brasileiro) já conhecem a fina capacidade do nosso doutor para entender que quase nunca, na política, nos é dado ter o perfeito regime político e a perfeita ordenação do poder temporal ao espiritual.
2) Longe porém de recomendar a abstenção política quando não se tenha tal perfeição, Santo Tomás passa boa parte de seu imprescindível De regno (Do Reino) a ensinar como e por que critérios se deve escolher um mal menor no âmbito da pólis.
3) Assim, o melhor regime é a monarquia (na Suma Teológica dirá que é o regime misto), seguido da aristocracia e depois da politia (ou, podemos dizê-lo, democracia não democratista, como explico no curso).
4) Mas os regimes retos podem sempre degenerar: e, com efeito, a corrupção da monarquia é a tirania; a da aristocracia é a oligarquia; a da politia é a democracia (democratista).
5) Sucede todavia que a corrupção do ótimo (a monarquia) é o péssimo, razão por que a tirania é a pior das corrupções políticas. Se pois se dá a tirania, serão preferíveis a ela não só a aristocracia e a politia, mas até as mesmas corrupções destas, ou seja, a oligarquia e a democracia (democratista).
6) Mais que isso, porém: se se trata de tais três corrupções, é preferível a democracia (democratista) à oligarquia, porque, com efeito, na democracia (democratista), que é governo de muitos, menos são oprimidos, além de que o caos que comumente nela se gera  no qual pugnam entre si os maus  permite aos virtuosos certo respiro.
7) Dizê-lo, todavia, é pouco. Porque, com efeito, se a tirania não é excessiva, senão que o tirano ainda propicia algum bem comum à pólis, devemos preferi-la não só à oligarquia e à democracia (democratista), mas até à mesma aristocracia e à mesma politia.  
8) A razão disto último é complexa mas clara: como não só a aristocracia e a politia degeneram facilmente em oligarquia e em democracia (democratista), mas de algum modo estas acabam por degenerar, também facilmente, em tirania excessiva (por reação ao caos ou às guerras civis que aquelas propiciam), é sempre preferível suportar e apoiar uma tirania não excessiva – e até rezar por ela.
9) Se aplicarmos tal fina arte de escolher o mal político menor a um período mais recente (o século XIX), veremos, com Rubén Calderón Bouchet, que todo o esforço do diplomata Metternich por constituir o Império Austro-húngaro foi altamente louvável e pois apoiável: foi a barreira possível (ainda que efêmera) contra a revolução francesa e maçônica. Mas o foi apesar de muitas coisas. Em primeiro lugar, para Metternich tratava-se antes de o altar apoiar o trono que do inverso, como requer a perfeita ordenação do temporal ao espiritual. Em segundo lugar, já não era possível ao mesmo Império Austro-húngaro deter a marcha do liberalismo econômico, e em algum grau do mesmo liberalismo político. E, no entanto, insista-se, “Metternich lutou pela continuidade do Império, e graças à sua gestão, diplomaticamente falando a mais engenhosa e sutil de sua época, a Europa se deu ao luxo de continuar a ser, por breve tempo é verdade, o lar de uma multiplicidade sinfônica de povos que concorriam para a sustentação de uma unidade espiritual” (Rubén Calderón Bouchet, El espíritu del Capitalismo).
10) Quanto à razão por que, à falta de uma opção efetivamente cristã, devemos votar em um mal menor, bastaria a carta de São Pio X aos católicos italianos em que os insta a votar em candidatos “menos indignos”; mas o estudo de Santo Tomás resumido acima vem como a confirmá-lo. Com efeito, como diz Santo Tomás na Suma Teológica, “por vezes devemos induzir um mal para alcançar algum bem, assim como o cirurgião amputa uma mão gangrenada para salvar o corpo”.
11) Mas a escolha de um mal menor não implica a renúncia à bandeira política efetivamente cristã, católica: a realeza de Cristo. Enquanto as nações, mesmo as governadas por um mal menor, não se puserem sob o estandarte de Cristo, seguirão sendo pasto de demônios. Como dizia o Cardeal Pie de Poitiers, o inspirador do pontificado de S. Pio X, "para os povos como para os indivíduos, para as sociedades modernas como para as sociedades antigas, para as repúblicas como para as monarquias, não  há sob o céu outro nome dado aos homens em que eles possam ser salvos além do nome de Jesus Cristo".