Carlos Nougué
1) Os que se inscreveram
no curso O Melhor Regime Político segundo
Santo Tomás de Aquino (e o Atual Momento Brasileiro) já conhecem a fina
capacidade do nosso doutor para entender que quase nunca, na política, nos é
dado ter o perfeito regime político e a perfeita ordenação do poder temporal ao
espiritual.
2) Longe porém de
recomendar a abstenção política quando não se tenha tal perfeição, Santo Tomás passa
boa parte de seu imprescindível De regno
(Do Reino) a ensinar como e por que critérios se deve escolher um mal menor no
âmbito da pólis.
3) Assim, o melhor
regime é a monarquia (na Suma Teológica
dirá que é o regime misto), seguido da aristocracia e depois da politia (ou, podemos dizê-lo, democracia
não democratista, como explico no curso).
4) Mas os regimes retos podem sempre degenerar: e, com efeito, a corrupção da monarquia é a tirania; a
da aristocracia é a oligarquia; a da politia
é a democracia (democratista).
5) Sucede todavia que a
corrupção do ótimo (a monarquia) é o péssimo, razão por que a tirania é a pior
das corrupções políticas. Se pois se dá a tirania, serão preferíveis a ela não só
a aristocracia e a politia, mas até
as mesmas corrupções destas, ou seja, a oligarquia e a democracia
(democratista).
6) Mais que isso, porém:
se se trata de tais três corrupções, é preferível a democracia (democratista) à
oligarquia, porque, com efeito, na democracia (democratista), que é governo de
muitos, menos são oprimidos, além de que o caos que comumente nela se gera – no qual pugnam entre si os maus – permite
aos virtuosos certo respiro.
7) Dizê-lo, todavia, é
pouco. Porque, com efeito, se a tirania não é excessiva, senão que o tirano
ainda propicia algum bem comum à pólis,
devemos preferi-la não só à oligarquia e à democracia (democratista), mas até à
mesma aristocracia e à mesma politia.
8) A razão disto último
é complexa mas clara: como não só a aristocracia e a politia degeneram facilmente em oligarquia e em democracia (democratista), mas
de algum modo estas acabam por degenerar, também facilmente, em tirania
excessiva (por reação ao caos ou às guerras civis que aquelas propiciam), é
sempre preferível suportar e apoiar uma tirania não excessiva – e até rezar por
ela.
9) Se aplicarmos tal
fina arte de escolher o mal político menor a um período mais recente (o século
XIX), veremos, com Rubén Calderón Bouchet, que todo o esforço do diplomata
Metternich por constituir o Império Austro-húngaro foi altamente louvável e
pois apoiável: foi a barreira possível (ainda que efêmera) contra a revolução
francesa e maçônica. Mas o foi apesar de muitas coisas. Em primeiro lugar, para
Metternich tratava-se antes de o altar apoiar o trono que do inverso, como
requer a perfeita ordenação do temporal ao espiritual. Em segundo lugar, já não
era possível ao mesmo Império Austro-húngaro deter a marcha do liberalismo econômico,
e em algum grau do mesmo liberalismo político. E, no entanto, insista-se, “Metternich
lutou pela continuidade do Império, e graças à sua gestão, diplomaticamente
falando a mais engenhosa e sutil de sua época, a Europa se deu ao luxo de
continuar a ser, por breve tempo é verdade, o lar de uma multiplicidade sinfônica
de povos que concorriam para a sustentação de uma unidade espiritual” (Rubén
Calderón Bouchet, El espíritu del
Capitalismo).
10) Quanto à razão por que, à falta de uma opção efetivamente cristã, devemos votar em um mal menor, bastaria a carta de São
Pio X aos católicos italianos em que os insta a votar em candidatos “menos
indignos”; mas o estudo de Santo Tomás resumido acima vem como a confirmá-lo. Com
efeito, como diz Santo Tomás na Suma
Teológica, “por vezes devemos induzir um mal para alcançar algum bem, assim
como o cirurgião amputa uma mão gangrenada para salvar o corpo”.
11) Mas a escolha de um mal menor não implica a renúncia à bandeira política efetivamente cristã, católica: a realeza de Cristo. Enquanto as nações, mesmo as governadas por um mal menor, não se puserem sob o estandarte de Cristo, seguirão sendo pasto de demônios. Como dizia o Cardeal Pie de Poitiers, o inspirador do pontificado de S. Pio X, "para os povos como para os indivíduos, para as sociedades modernas como para as sociedades antigas, para as repúblicas como para as monarquias, não há sob o céu outro nome dado aos homens em que eles possam ser salvos além do nome de Jesus Cristo".