Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Após a fecundação do óvulo pelo
espermatozoide, surge um novo indivíduo, um embrião unicelular chamado ovo ou
zigoto. Na quase totalidade das vezes, o zigoto desenvolve-se passando pelas
fases de mórula, blástula, gástrula etc... rumo a um indivíduo humano adulto.
Mas em um em cada 250 zigotos que se desenvolvem[1], ocorre a gemelação
monozigótica ou univitelina, ou seja, o embrião primitivo sofre uma
espécie de “divisão” e dá origem a dois ou mais indivíduos humanos. Ora,
argumenta Josef Donceel, “uma pessoa humana não se divide em duas ou mais
pessoas”[2]. Logo, segundo
ele, o zigoto não poderia ser uma pessoa humana. Não teria uma alma racional e
espiritual.
Esse argumento foi usado insistentemente (e
quase obsessivamente) por Norman Ford, a fim de negar a tese da criação e
infusão da alma racional no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide
(tese da animação imediata): “Quando o zigoto forma gêmeos, cessa a
continuidade do mesmo indivíduo. Como indivíduo ontológico, o zigoto não pode
considerar-se idêntico a nenhum dos dois gêmeos que se formam por efeito do seu
desenvolvimento”[3].
Essa conclusão Ford estende a quaisquer das
duas células (blastômeros) originárias da primeira mitose do zigoto, haja ou
não gemelação: “o zigoto não sobrevive à primeira divisão mitótica,
independentemente do fato de que depois haja ou não uma divisão gemelar”[4].
A primeira mitose seria. então, uma espécie de
suicídio, de cujo cadáver emergiriam dois novos indivíduos sem continuidade com
o primeiro. Essa ideia, porém, suscita dificuldades:
1. Em que momento o zigoto “morre” e os dois
blastômeros passam a “viver”?
2. Quem controla o processo da mitose: o
zigoto moribundo ou os blastômeros recém-chamados à vida?
3. Onde estão os sinais de descontinuidade
semelhantes ao “big bang” da fertilização?[5]
A primeira mitose é realmente uma “divisão” do zigoto?
Angelo Serra, ao descrever sucintamente o
desenvolvimento embrionário humano, fala da fusão dos gametas, mas evita
falar em “divisão” do zigoto. Diz que do zigoto se forma uma segunda célula:
O primeiro evento na formação de um novo
indivíduo humano é a fusão de duas células altamente especializadas e
programadas, o óvulo e o espermatozoide, através do processo de fertilização. A
célula que dele resulta no próprio momento da fusão é chamada “zigoto” e com
ela inicia o desenvolvimento embrionário de um novo ser humano. Nela se
desenvolvem de modo altamente coordenado processos diversos que em 15-20 horas
levam à formação de uma segunda célula[6].
Quem melhor rebate o argumento de Ford, porém,
é John Billings, aquele que, com sua esposa Evelyn Billings, sistematizou o
célebre método de regulação da procriação baseado na observação do muco
cervical. Vejamos como ele rebate Ford:
Na divisão celular a célula não quebra nem seu
material genético é ‘compartilhado’; o DNA dos cromossomas produz uma réplica
de si e essa réplica é dada, junto com uma porção do citoplasma, para a nova
célula. A célula original não deixou de existir absolutamente[7].
É assim que Billings responde ao argumento de
que “o zigoto não sobrevive à primeira divisão mitótica”. Mas então parece que
é impróprio falar de “divisão” celular. Melhor seria talvez dizer “replicação”
celular, ou seja, a produção de uma célula (réplica) a partir de outra célula
(original). Vejamos agora como Billings explica a formação de gêmeos.
Se o citoplasma doado é tal que faça a nova
célula totipotente, ela pode desenvolver-se como um gêmeo, ou mesmo, de igual
maneira, produzir mais pessoas geneticamente idênticas. Novamente, as células
progenitoras não cessam de existir. Com o tempo a formação de um outro
indivíduo não é mais possível; as células adaptam-se a seus específicos papéis
quando o crescimento e o desenvolvimento prosseguem. A identidade do zigoto
como um ser humano, uma pessoa humana que continua a existir, nunca foi
comprometida[8].
O momento da criação da alma racional
Ordinariamente a geração humana se dá pela
fusão dos dois gametas. A criação e infusão da alma humana ocorrem no instante
em que os gametas deixam de existir enquanto tais e surge um novo indivíduo
humano. Esse instante está contido no evento da penetração espermática.
A gemelação monozigótica é um modo
excepcional (assexuado) de geração humana. Em tal caso, a criação da alma se dá
no momento em que uma parte se separa do embrião primitivo e torna-se um novo
indivíduo humano.
Conclui-se daí que dois gêmeos univitelinos
não são “irmãos” entre si. Um deles (não sabemos qual) é pai (ou mãe) do outro.
O gêmeo pai (ou mãe) teve origem no momento da fecundação. O gêmeo filho (ou
filha) originou-se no momento em que se separou do gêmeo pai (ou mãe).
Anápolis, 9 de junho de 2016.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
[2] Joseph DONCEEL, “Immediate animation and
delayed hominization”, Theological Studies 31/1 (1970), p. 98.
[3] Norman FORD, Quando comincio io? Il
concepimento nella storia, nella filosofia e nella scienza, Baldini &
Castoldi, Milano 1997, p. 184-185 (tradução italiana de When did I begin?
Conception of the human individual in history, philosophy and science,
Cambridge University Press, Cambridge 1988).
[5] No momento da fusão dos gametas (fertilização) há vários sinais que
indicam descontinuidade ou salto: a “onda de cálcio” no citoplasma do zigoto, a
“reação cortical” para evitar a penetração de novos espermatozoides, a expulsão
do segundo glóbulo polar, a formação dos pronúcleos e a duplicação do DNA.