Traduzido por Andrea Patrícia
Se a mentira é vício por defeito, a violação do segredo é o vício por excesso contra a virtude da
veracidade.
Por segredo entende-se toda verdade oculta que é necessário não revelar.
Daí que a violação do segredo seja a manifestação indevida ou indiscreta dessa
verdade.
O segredo, objetivamente considerado, é a mesma coisa oculta.
Subjetivamente considerado, é o conhecimento dessa coisa oculta, acompanhada da
obrigação de não dá-la a conhecer. E é deste aspecto subjetivo que falamos.
(i) Divisão e princípios
O segredo divide-se em:
1) Segredo natural:
Resulta em razão de uma obrigação nascida não de um contrato, mas sim da
natureza mesma da coisa e pela qual não pode manifestar-se sem que cause
um prejuízo ou um dano...
Pode haver-se chegado ao conhecimento desse segredo por azar
(fortuitamente) ou por uma indiscrição de terceiros; trata-se do segredo natural
“simplex”; ou por indústria, como quando alguém investiga a vida privada de
outro: é o chamado segredo natural “extortum”.
2) Segredo “promissum” (prometido):
Resulta em razão de uma obrigação contratual, de uma promessa gratuita
de não manifestar uma coisa que se sabe. A promessa é posterior ao fato
conhecido.
3) Segredo “comissum” (confiado ou rigoroso):
É aquele segredo que não foi confiado senão em razão de pacto prévio ou
promessa implícita ou explícita de guardar o segredo.
Geralmente, dentro do segredo “comissum”, chama-se segredo
privado, ao segredo prévia e explicitamente prometido. O segredo implícito
ou tácito, resulta “ex-officio” ou de um trabalho ou cargo, de um título
especial ou amizade e é em geral o segredo profissional (que
alcança os conselheiros, médicos, advogados, teólogos, confessores, parentes,
amigos, etc.). Apresenta, pois, vários graus...
Princípios:
• Todo homem tem direito estrito
ao seu segredo.
Este direito tem um duplo fundamento:
a) próximo: é o direito de propriedade de cada um sobre seus bens, seus
pensamentos, e o fruto de seu engenho, assim como também sobre seus bens
exteriores (materiais) e da honra.
b) remoto: o bem comum, já que se todos os segredos se revelassem a
sociedade sofreria um grave prejuízo.
Sem dúvida, deve ter-se em conta que esse direito ao segredo n]ao é
absoluto, senão relativo ao bem comum.
Há três coisas que são per se gravis ex genere suo: explorar
ou indagar um segredo, manifestá-lo, e utilizar o conhecido em segredo.
Indagar um segredo é gravemente ilícito “per se” porque se trata
de res aliena, de modo que quem ilegitimamente o faz assemelha-se a
quem rouba.
Assim, geralmente é ilícito “per se”: escutar atrás das portas, abrir a
correspondência alheia, indagar aos empregados para conhecer os segredos de
seus amos, a espionagem científica, comercial, econômica, etc.
Per accidens pode ser lícito indagar o segredo quando
reúne três condições:
1) Dispõe-no a legítima autoridade superior: o bispo, os magistrados, os
padres, etc.
2) Por uma causa justa: em ocasiões em que é um dever defender o bem
comum, como o indagar sobre um crime cometido ou para evita-lo, pelo bem da
família ou dos filhos, para evitar um prejuízo próprio ou de terceiros, ou de
um inocente, para descobrir as posições inimigas na guerra, etc. Não é causa
justa: a simples curiosidade, o simples interesse pessoal, algum fim
inconfessável...
3) Com meios justos: não o seria corrompendo pessoas, enganando,
fraudando, etc.
• Revelar ou manifestar o segredo
é gravemente ilícito contra a virtude da caridade e inclusive contra o dever de
fidelidade e contra a justiça.
• Aproveitar-se ou usar do
conhecido mediante o segredo em proveito próprio ou de terceiros, sem permissão
do “dono” é ilícito.
Sobretudo se provoca dano; e a fortiori se foi obtido
de maneira ilícita porque se dá “continuidade” à injustiça. Se provoca algum
dano, está-se obrigado a restituir.
(ii) Obrigação do segredo
1. - O segredo natural obriga “sub gravi in re gravi” (ex
genere suo).
Razão: por dever de justiça ou de caridade (se se viola sem causa
justa...); o segredo é algo alheio: sua violação equipara-se ao roubo, causando
tristeza...
2. - O segredo prometido obriga “sub levi”.
Razão: em razão da fidelidade (se se viola sem causa justa); se é por
sua vez um segredo natural, obriga sub gravi.
3. - O segredo confiado obriga “sub gravi”.
Razão: a justiça comutativa (há um contrato prévio explícito ou
implícito). Há uma hierarquia nas obrigações: o segredo confiado é mais grave
que o prometido. O segredo profissional é mais grave do que o segredo
simplesmente privado.
(iii) Causas justas para revelar-se um segredo
a) Que quem transmitiu o segredo consinta em sua revelação.
Porque quem quer e consente não sofre injúria.
b) Uma necessidade urgente: bem público, etc.
Então o segredo privado se assemelha à propriedade privada, de modo que,
se existe uma necessidade de bem comum, o bem individual fica subordinado ao da
sociedade. Neste caso não se pode considerar prejudicado o particular pela
revelação de seu segredo.
Ex.: o médico está obrigado a revelar uma doença contagiosa de seu
paciente. Este bem público pode ser também o da Igreja.
c) O próprio dano: de quem recebeu o segredo ou do confidente (se se
quer cometer suicídio, etc.), ou de um terceiro.
Pode-se revelar com a condição de que o prejuízo que se busca evitar
seja maior que aquele que resulta da revelação do segredo, ou seja, que o dano
que se evita seja maior que o que se produz ao outro pela revelação do segredo.
Ex.: quem conhece os preparativos de um roubo ou de um atentado contra
um terceiro inocente, está obrigado a dizê-lo; o médico que conhece a doença do
noivo, deve comunicá-la à noiva: quem conhece o verdadeiro culpado, para evitar
a condenação de um inocente, deve denunciá-lo (opinião comum [1])
Sem dúvida, se é necessário guardar o segredo em razão do bem comum,
quem o conhece não pode revelá-lo ainda que o ameace um perigo de morte (ex.:
um soldado ou oficial que conhece segredos de guerra e é feito prisioneiro).
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[1] Contra: Noldin.