segunda-feira, 25 de abril de 2016
quinta-feira, 21 de abril de 2016
quarta-feira, 13 de abril de 2016
terça-feira, 12 de abril de 2016
Datas de reinício de nossos cursos gratuitos
C. N.
• O curso A Ordem das Disciplinas segundo Santo Tomás de
Aquino recomeçará na quinta-feira
dia 21 de abril, às 21 horas como sempre, com a quarta e conclusiva aula de “A
Necessidade da Física Geral Aristotélico-tomista”. Na próxima, falar-se-á um
pouco da Matemática, mas já se tratará, inicialmente, a Metafísica ou Teologia Filosófica.
– As aulas anteriores do curso encontram-se nesta página e em nosso canal do
Youtube (Carlos Nougué Tomismo).
• O curso Questões
Teológicas recomeçará na
quinta-feira dia 28 de abril, às 21 horas como sempre, com sua nona aula sobre “A
Fé”. – As aulas anteriores do curso também se encontram nesta página e em nosso
canal do Youtube (Carlos Nougué Tomismo).
quinta-feira, 7 de abril de 2016
O pecado original segundo o “Compêndio de Teologia” de Santo Tomás de Aquino
Capítulo 186
Dos preceitos dados ao primeiro homem, e de
sua perfeição no primeiro estado
Como se disse acima [c. 152], o
homem foi instituído por Deus em sua condição de modo que o corpo fosse de todo
sujeito à alma: e que, ademais, entre as partes da alma, as virtudes inferiores
se submetessem sem repugnância à razão, e a mesma razão do homem fosse sujeita
a Deus. Porque porém o corpo era sujeito à alma, sucedia que não podia dar-se
nenhuma paixão no corpo que repugnasse ao domínio da alma sobre o corpo, razão
por que não havia lugar para a morte nem para a enfermidade no homem. Mas pela
sujeição das virtudes inferiores à razão havia no homem uma onímoda
tranquilidade da mente, porque a razão humana não era turbada por nenhuma
paixão desordenada. E, porque a vontade do homem era sujeita a Deus, o homem
referia tudo a Deus como ao último fim, e nisto consistia sua justiça e sua
inocência. Mas destas três coisas a última era a causa das outras. Com efeito,
se se consideram seus componentes, não decorria da natureza do corpo que não
houvesse lugar nele para dissolução nem para nenhuma paixão que repugna à vida,
porque era composto de elementos contrários. Semelhantemente, tampouco decorria
da natureza da alma que também as virtudes sensíveis se submetessem sem
repugnância à razão, porque as virtudes sensíveis naturalmente se movem às
coisas que são deleitáveis segundo o sentido, as quais muitas vezes repugnam à
reta razão. Era pois por uma virtude superior, ou seja, a de Deus, que, assim
como uniu ao corpo uma alma racional, que transcende toda a proporção do corpo
e das virtudes corporais, como as virtudes sensíveis, assim também deu à alma
racional a virtude de sobre a condição do corpo poder contê-lo e às virtudes
sensíveis, segundo o que competia à alma racional. A fim pois de que a razão
contivesse firmemente sob si as coisas inferiores, era necessário que ela mesma
se contivesse firmemente sob Deus, do qual tinha a referida virtude sobre a
condição da natureza.
Portanto, o homem foi instituído
de modo que, se sua razão se submetesse a Deus, nem seu corpo podia furtar-se ao
império da alma, nem as virtudes sensíveis à retidão da alma: daí que sua vida
fosse de certo modo imortal e impassível, porque, com efeito, não podia morrer
nem padecer, se não pecasse. Mas podia pecar por sua vontade, ainda não
confirmada pela aquisição do fim último, e sob este evento podia morrer e
padecer. E nisto diferem a impassibilidade e a imortalidade que o primeiro homem
teve e a que na ressurreição terão os santos, que nunca poderão padecer nem
morrer porquanto sua vontade estará de todo confirmada em Deus, como acima se
disse [c. 166]. Diferia também da outra porque após a ressurreição os homens não
usarão de alimentos nem das coisas venéreas, enquanto o primeiro homem foi
formado de modo que necessariamente tivesse de sustentar a vida por alimentos,
e se encarregasse de dar a obra da geração, para que o gênero humano se
multiplicasse a partir de um.
Por isso recebeu dois preceitos em sua
condição. Ao primeiro pertence o que lhe foi dito [Gn 2, 16]: “Come de todas as
árvores que há no Paraíso”; ao segundo, o que [também] lhe foi dito [Gn 1, 28]:
“Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra”.
Capítulo
187
Este estado perfeito se chamava justiça original,
e do lugar em que o homem foi posto
Mas este tão ordenado estado do
homem se chama justiça original, pela qual ele estava submetido a seu superior,
e a ele mesmo se sujeitavam todas as coisas inferiores, segundo o que dele se
disse [Gn 1, 16]: “e presida aos peixes do mar, e às aves do céu”: e, entre
suas partes, também a inferior se submetia à superior sem repugnância. Em
verdade, este estado foi concedido ao primeiro homem não como a determinada
pessoa singular, mas como ao primeiro princípio da natureza humana, de modo que
por ele fosse transmitido junto com a natureza humana aos pósteros. E, porque a
cada um se deve um lugar segundo a conveniência de suas condições, o homem
assim ordenadamente instituído foi posto num lugar temperadíssimo e delicioso,
para que se lhe suprimisse toda e qualquer vexação não só das moléstias
interiores, mas ainda das exteriores.
Capítulo
188
Da árvore da ciência do bem e do mal, e do
primeiro preceito dado ao homem
Porque porém o referido estado do
homem dependia de que a vontade humana se sujeitasse a Deus, para que desde o
princípio se acostumasse a seguir a vontade de Deus, Deus propôs ao homem
alguns preceitos, a saber, que comesse de todas as árvores do Paraíso,
proibindo-lhe todavia com ameaça de morte que comesse da árvore da ciência do
bem e do mal; e sem dúvida se proibiu que comesse desta árvore não porque fosse
de si má, mas para que o homem ao menos nesta pequena coisa observasse algo pela
simples razão de que era preceituado por Deus: daí que comer desta árvore se
tenha tornado mau, porque proibido.
Mas tal árvore se dizia da
ciência do bem e do mal não porque tivesse virtude causativa da ciência, mas
pelo evento sequente, ou seja, porque o homem por ter comido dela aprendeu por
experiência a distância que medeia entre o bem da obediência e o mal da
desobediência.
Capítulo
189
Da sedução de Eva pelo Diabo
Por conseguinte, o Diabo, que já
pecara, vendo o homem de tal modo instituído para a felicidade perpétua de que
ele caíra, e que [aquele] igualmente poderia pecar, empreendeu desviá-lo da
retidão da justiça atacando o homem pela parte mais fraca, ou seja, tentando à
mulher, na qual menos vigia o dom ou a luz da sabedoria: e, a fim de incliná-la
de modo mais fácil à transgressão do preceito, excluiu mendazmente o medo da
morte, e prometeu-lhe o que o homem naturalmente apetece, isto é, a evitação da
ignorância, dizendo [Gn 3, 5]: “se abrirão vossos olhos”; e a excelência da
dignidade: [“sereis como deuses”; e a perfeição da ciência:] “conhecendo o bem
e o mal”. O homem, com efeito, da parte do intelecto naturalmente foge à
ignorância, e apetece a ciência; mas da parte da vontade, que é naturalmente
livre, apetece a excelsitude e a perfeição para não estar submetido a ninguém,
ou ao menor número possível.
Capítulo
190
O que induziu a mulher [a pecar]
A mulher, portanto, cobiçou a
excelsitude prometida e ao mesmo tempo a perfeição da ciência. Para isso
concorreram também a beleza e a suavidade do fruto, o que incitava a comê-lo, e
assim, desprezando o medo da morte, transgrediu o preceito de Deus de não comer
da árvore proibida: e assim seu pecado se encontra multiplicado. Em primeiro
lugar, sem dúvida, [é] de soberba, porque apeteceu desordenadamente a
excelência. Em segundo, de curiosidade, porque cobiçou uma ciência para além
dos limites prefixados. Em terceiro, de gula, porque a suavidade do alimento a
excitou a comê-lo. Em quarto, de infidelidade, pela falsa estimação de Deus,
enquanto creu nas palavras do Diabo contra o que dissera Deus. Em quinto, de
desobediência, por transgredir o preceito de Deus.
Capítulo
191
De que modo chegou ao homem o pecado
Mas por persuasão da mulher o
pecado logo chegou ao homem, que, todavia, como diz o Apóstolo [1 Tim 2, 14],
não foi seduzido como a mulher, quer dizer, não creu nas palavras do Diabo
contra o que dissera Deus. Com efeito, não podia entrar em sua mente que Deus
tivesse podido cominar algo mendazmente, nem proibir inutilmente uma coisa
útil. Foi induzido, contudo, pela promessa do Diabo, apetecendo indevidamente a
excelência e a ciência. Com isso sua vontade se desviava da retidão da justiça,
e, querendo atender ao capricho da mulher, secundou-a na transgressão do divino
preceito, comendo do fruto da árvore proibida.
Se o pecado de nossos primeiros pais foi pecado de concupiscência ou de gnose
Carlos Nougué
Sempre foi muito
difundida entre o povo cristão, e especialmente entre seus pintores e outros
artistas, a concepção de que o pecado original foi antes de tudo um pecado de
concupiscência; sinal de tal difusão é a grande quantidade de pinturas que, retratando
a Adão e a Eva nus ou seminus, mostram esta oferecendo àquele uma suculenta e
sedutora maçã vermelha.[1]
– Em tempos recentes, por outro lado, estudiosos da gnose insistiram em que o
pecado original foi antes de tudo um pecado justamente de gnose.
Mas nenhuma dessas duas
opiniões se sustenta, especialmente porque nenhuma delas se segue do consentimento
unânime ou quase unânime dos Padres quanto a este assunto (e, como se sabe, não
é lícito contrariar tal consentimento, em especial quando se trata de exegese
bíblica); nem da doutrina de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Comum da Igreja
por determinação do magistério eclesiástico; nem, sobretudo, deste mesmo
magistério, ao qual devemos dócil e humilde assentimento.[2]
I
Com efeito, lê-se no Catecismo da Doutrina Cristã de São Pio
X (o catecismo de 1912):
“70. Che peccato fu quello di Adamo?
II peccato di Adamo fu
un peccato grave di superbia e di disubbidienza”, ou seja:
“O pecado de Adão foi um
pecado grave de soberba e de desobediência”.
Explica-o Santo Tomás (na
Suma Teológica, I-II, q. 82, a 3): “Cada
coisa tem a espécie por sua forma. Ora, disse-se mais acima que a espécie do
pecado se toma de sua causa. Por conseguinte, é necessário que o que nele é
formal se defina por tal causa. Como todavia as coisas opostas têm causas
opostas, por isso mesmo se deve estabelecer a causa do pecado original por seu
oposto, que é a justiça original [ou seja, o estado em que foram criados Adão e
Eva]. Mas toda a ordenação da justiça original vinha de que a vontade humana estivesse
sujeita a Deus. Tal sujeição se dava, antes de tudo e sobretudo, pela vontade,
porque é à vontade que corresponde mover a seu fim todas as outras partes da
alma, como se disse mais acima. Assim, foi do afastamento da vontade [de Adão e
Eva] de Deus [o que constitui, propriamente, o pecado de soberba e de desobediência
de que fala o catecismo] que se seguiu a desordem em todas as outras potências
da alma [tanto em Adão e Eva como em sua descendência].
Desse modo, a privação
desta justiça [a original] pela qual a vontade se submetia a Deus é o formal no
pecado original: toda e qualquer outra desordem das potências da alma se tem no
pecado original como algo material. Mas o que constitui a desordem das outras
potências da alma é sobretudo que elas estejam voltadas para um bem mutável,
desordem que pode chamar-se pelo nome comum de concupiscência. E, assim, o
pecado original é materialmente a concupiscência, mas formalmente é a ausência
da justiça original”.
É verdade que, como
dizem Santo Tomás e numerosos Padres, não deixou de haver no pecado original
dupla sedução: antes de tudo, da serpente com respeito a Eva, pela promessa de
que se ela e Adão comessem da proibida árvore da ciência do bem e do mal de
modo algum morreriam, porque “Deus sabe que, em qualquer dia que comerdes dele
[o fruto da árvore proibida], se abrirão vossos olhos, e sereis como deuses,
conhecendo o bem e o mal. Viu pois a mulher que (o fruto) da árvore era bom
para comer, e formoso aos olhos, e tirou do fruto dela e comeu; e deu a seu
marido, que também comeu. E os olhos de ambos se abriram; e, tendo conhecido
que estavam nus, coseram folhas de figueira, e fizeram para si cinturas” (Gn 3,
4-7). Depois, de Eva com respeito a Adão, como se vê pelas mesmas palavras do
Gênesis que se acabam de citar. Mas a sedução da mulher pela serpente, conquanto
de fato tivesse precedido a ação de pecar, foi todavia subsequente a um pecado
de soberba, interior. Com efeito, observou Santo Agostinho (citamo-lo de
memória): “A mulher não teria crido nas palavras da serpente se já não tivesse no
espírito o amor de seu próprio poder e certa presunção soberba de si mesma”. E
diga-se o mesmo com relação a Adão: não se teria deixado levar a agir contra o
formal da justiça original se já não tivesse no espírito algum amor-próprio e
certa presunção de si mesmo. Repita-se, pois, com Santo Tomás, que o pecado
original pôde envolver materialmente alguma concupiscência, mas formalmente se constituiu
em contrariedade da justiça original, ou seja, em negação da devida sujeição da
vontade a Deus.
II
A gnose, no sentido que nos interessa aqui, começou antes de Cristo.
Parece ter sua origem no bramanismo, e ressurgir, na antiga Grécia, no âmbito
dos mistérios órficos e da seita pitagórica (com ecos em Platão). Sua doutrina cifra-se
na crença de que a salvação do homem se dá mediante o conhecimento da divindade
alcançado por esforço ascético e intelectual próprios. Depois de Cristo, sem
deixar de cifrar-se nessa crença, a gnose adquire novos caracteres, e não raro
vem no bojo de alguma heresia cristã.
Por certo os referidos
estudiosos se fundaram nas mesmas palavras do Gênesis transcritas mais acima
para afirmar que o pecado original foi antes de tudo um pecado de gnose. Com
efeito, Adão e Eva comeram da árvore da “ciência [e gnose quer dizer
etimologicamente ‘conhecimento, ciência’] do bem e do mal”, porque se deixaram
seduzir pelas palavras da serpente: “se abrirão vossos olhos [ou seja,
conhecereis, tereis ciência] e sereis como deuses”. Trata-se, porém, de conclusão
precipitada, pelas seguintes razões.
• Em primeiro lugar e
segundo o dito mais acima, ainda que nossos primeiros pais se tenham deixado
seduzir também por uma promessa de certo conhecimento ou ciência, a apetência desta constituiu, como certa
concupiscência, parte do material do pecado original, não seu formal, que continuaria
a ser a negação soberba da devida sujeição da vontade a Deus.
• E, em segundo lugar, está
o que se lê no Catecismo Maior de São
Pio X (ao menos em sua versão brasileira, mais precisamente em sua “Breve
história da Religião”):
“19. [Deus] Havia-lhes permitido [a Adão e Eva] que comessem de
todos os frutos do Paraíso terrestre, proibindo-lhes apenas que experimentassem
o fruto de uma árvore que estava no meio do Paraíso, e que a Escritura chama árvore da ciência do bem e do mal.
Chama-se assim porque Adão e Eva, por sua obediência, teriam conhecido o bem,
isto é, haveriam tido aumento de graça e de felicidade; ou, como castigo de sua
desobediência, deveriam decair, eles e seus descendentes, daquela perfeição e
experimentar o mal, tanto espiritual como corporal.
Queria Deus que Adão e
Eva, com a homenagem dessa obediência, o reconhecessem como a seu Dono e
Senhor.
O demônio, invejoso de
sua felicidade, tentou Eva, falando-lhe por meio da serpente, e instigando-a a
desobedecer à proibição recebida. Eva, então, tomou o fruto proibido, comeu, e
induziu Adão a que também ele o comesse, e ambos pecaram”.
Pois bem, dizer bem e
mal é dizer respeito também ao agir, ao prático, e à vontade: e o conhecimento buscado tanto pela gnose pré-cristã
como pela pós-cristã é antes da ordem do estritamente especulativo, servindo-lhe a ascese de
mero meio. Ora, como acabamos de ver também pela citação do Catecismo Maior, a sujeição a Deus que constituía a justiça
original era antes de tudo da vontade, e a serpente disse a Eva que eles seriam
como deuses antes de tudo por quebrantar o formal da justiça original. É verdade
que o quebrantamento da devida sujeição a Deus e à lei natural também está
presente nas seitas gnósticas, sobretudo as pós-cristãs. Mas seu fim segue
sendo a salvação pelo conhecimento perfeito da divindade que seus sectários ou iluminados
alcançariam graças a seus próprios esforços, fosse possível tal conhecimento nesta
vida: não o é senão sob a luz da glória para os salvos pela misericórdia de
Deus. Mas os salvos por sua misericórdia não o são por terem conhecido
mais que outros a Deus, e sim sobretudo por o terem amado: porque nesta vida,
como diria Santo Tomás de Aquino, mais vale amar que conhecer a Deus, para na
outra vida amá-lo indefectivelmente justo por conhecê-lo por essência.
sábado, 2 de abril de 2016
Dos sentidos e da inerrância das Escrituras
Carlos Nougué
I
Como o mostra Santo
Tomás de Aquino (cf. Suma Teológica I,
q. 1, a. 10, c.), o autor das Escrituras é Deus mesmo, e,
para significar algo, ele pode empregar não somente palavras – o que também o homem faz –, mas as coisas mesmas. Só as Escrituras têm como próprio que as próprias coisas
significadas pelas palavras também possam significar algo. A primeira significação,
ou seja, aquela segunda a qual as palavras significam algo, constitui o sentido literal ou histórico das
Escrituras, enquanto a significação pela qual as próprias coisas significadas
pelas palavras designam, por sua vez, outras coisas é o sentido chamado espiritual.
Este segundo sentido, todavia, se funda no sentido literal ou o pressupõe.
II
Mas o sentido espiritual
subdivide-se por sua vez. Com efeito, diz o Apóstolo (cf. Epístola aos Hebreus)
que a lei antiga é figura da lei nova, enquanto a lei nova, como diz Dionísio Areopagita,
é figura da glória futura. Na lei nova, ademais, o que se cumpriu na cabeça é
figura do que devemos fazer.
1. Assim, quando nas
Escrituras as coisas da lei antiga significam as da lei nova, tem-se o sentido alegórico;
2. Quando, por outro
lado, as coisas sucedidas em Cristo, ou no que Cristo representa, são sinal do
que havemos de fazer, tem-se então o sentido
moral.
3. Quando, enfim, estas
mesmas coisas significam as coisas da glória eterna, então se tem o sentido anagógico.
III
Como, todavia, o sentido literal é justamente o que o
autor quer significar, e como, repita-se, o autor mesmo das Escrituras é Deus,
que intelige simultaneamente todas as coisas, não há inconveniente algum em
que, como o diz Santo Agostinho, em um mesmo texto das Escrituras se encontrem
vários sentidos, sempre, insista-se, segundo o sentido literal ou histórico ou
em ordem a este.
IV
Há que entender
adequadamente, no entanto, o que aqui se chama literal. Literal tem aqui
exatamente o sentido de à letra (ad litteram), ou seja, segundo a letra.
Mas a letra pode ser também de alguma analogia
de proporcionalidade imprópria, ou seja, de alguma metáfora, ou de alguma figura aparentada à metáfora: símile, metonímia, sinédoque, hipérbole, etc. É o que se chama sentido parabólico,
que, di-lo Santo Tomás de Aquino (Suma
Teológica I, q. 1, a. 10, ad 3), “está contido sob o sentido literal:
porque pelas palavras podemos significar algo em sentido próprio ou em sentido figurado
[ou seja, por analogia de
proporcionalidade imprópria, como dito]; neste último caso, o sentido
literal não designa a própria figura, mas o que ela figura [ou representa]. Com
efeito, quando as Escrituras falam do braço de Deus, o sentido literal não
indica que haja um membro corporal em Deus, senão que indica o que é
significado por esse membro, no caso a virtude operativa [divina]. Isso patenteia que o sentido literal das
Sagradas Escrituras não pode nunca padecer nada falso” (destaque nosso).
V
E, com efeito, afora
casos eventuais de defeito de cópia, as Sagradas Escrituras não podem conter
erro algum: justamente porque Deus, seu autor, é inerrante, enquanto o
hagiógrafo ou escritor sagrado não é senão o instrumento de que se vale Deus de
modo, insista-se, inerrante.* Mas o
dito mais acima há de prevenir-nos contra um exagero interpretativo, no qual
nunca incorrem os Padres, nem Santo Tomás, nem, muito menos, o magistério da
Igreja: o de considerar que o sentido literal nunca pode ser metafórico, e
assim julgar que as palavras das Escrituras têm caráter de um como tratado
científico. Não o têm. Vejamos alguns exemplos.
• Conquanto o Gênesis encerre
todos os principais caracteres metafísicos da criação do mundo (criação no
tempo e de nada [ex nihilo], ordem da
criação, culminação no homem, etc.), nele Deus, por intermédio do instrumento Moisés,
se vale de imagens sensíveis, e isso é assim porque, como dizem, entre outros,
São João Crisóstomo, Santo Tomás de Aquino e Leão XIII (este na encíclica Providentissimus Deus), o Gênesis foi
escrito para “um povo rude” que, no entanto, precisava educar-se na fé em ordem
a ser aquele de onde nasceria o Messias. É por essa razão, aliás, que Santo
Tomás de Aquino, ao tratar na Suma
Teológica dos Dias da Criação, suspende o juízo quanto ao número destes e
apenas expõe as diversas interpretações dos Padres (ou sete dias exatos, ou,
para Santo Agostinho, incontáveis “anos” angélicos, etc.).**
• Não há erro algum no
dito em Jó 20, 26, ou seja, que a víbora mata pela língua: trata-se de perfeita
metáfora; assim como não há erro algum em dizer que o grão ou semente de mostarda
é a menor de todas: trata-se de hipérbole (ou talvez se diga segundo a agricultura de então).
Mas, insista-se, que não
haja nem possa haver erro algum nas Escrituras não implica que estas se componham
de tratados científicos. – Consigne-se, aliás, o ridículo de certos
tradicionalistas atuais segundo os quais a terra está imóvel no centro do
universo (pode até, com efeito – o que é opinável –, ocupar o centro geométrico do universo; mas já temos
certeza de que se move com movimento de rotação e de translação) ou, pior, é
chata, suspensa por umas sortes de colunas e coberta por uma redoma
transparente... Isso, como diriam Santo Tomás de Aquino e Leão XIII, é lançar a
fé ao escárnio dos ímpios.
VI
Que todo o dito
contribua para que os católicos bem-intencionados não se deixem
pegar nas armadilhas de interpretações arbitrárias ou caprichosas, como a que com assombro
vemos fazer-se agora mesmo com respeito à passagem evangélica das árvores e dos
frutos sem levar em conta o estabelecido verdadeiramente pelos Padres e pelo magistério
da Igreja (cf. Simples perguntas a um sofista: e Decretos dogmáticos sobre a interpretação das Escrituras).
* Se o hagiógrafo,
enquanto instrumento de Deus, é absolutamente inerrante, o papa, enquanto
assistido pelo Espírito, é infalível. Por um ângulo, ser inerrante é mais que
ser infalível; mas, por outro ângulo, como o magistério do papa enquanto
assistido pelo Espírito é a regra próxima da fé (ao passo que as Escrituras são
a regra remota da fé), este magistério está de certa forma acima da mesma fé e
é o intérprete infalível e último das mesmas Escrituras.
** E, com efeito, nunca o
magistério definiu a questão. Como, ademais, os Padres não chegaram quanto a
este ponto a consentimento unânime, então nos é lícito adotar esta ou aquela
posição a este respeito, ou suspender o juízo como Santo Tomás de Aquino –
desde que não se neguem os referidos caracteres metafísicos, e muito
especialmente o relato de Adão e Eva, o qual, como sempre disse o magistério,
há de tomar-se de todo historicamente.
sexta-feira, 1 de abril de 2016
Simples perguntas a um sofista:
Carlos Nougué
Moisés e São
Pedro, árvores boas, pecaram ou não pecaram? E o pecado é um bom fruto? E
Balaão, árvore má, profetizou ou não profetizou verdadeiramente? E a profecia é
um mau fruto? E você, jovem sofista, nunca pecou? Espero sinceramente que,
apesar disso, seja uma árvore boa. Etc. Nada disto nega o dito por Cristo:
porque se trata de outro aspecto da questão. Reza o princípio da
contradição: Algo é e não pode não ser este mesmo algo ao mesmo tempo e pelo
mesmo aspecto – o que é o mesmo que dizer: Algo é e pode ser outro algo por
outro aspecto.
A vida moral de quase todos é cheia deste outro
aspecto. É o que se lê na própria citação de Rábano que o sofista faz sem
entender: “O homem se considera como árvore boa ou má
segundo sua vontade seja boa ou má. Os frutos são suas ações, que não
podem ser boas quando são produtos de uma má vontade, nem más quando o são de uma boa. O homem se considera como árvore boa ou má segundo sua vontade seja boa
ou má”. Insista-se: quem além de Cristo, de sua Mãe e talvez de alguns poucos
santos nunca teve uma vontade má? Você, jovem sofista?
E basta: porque, com efeito, não nos devemos
degradar discutindo interminavelmente com quem se move por pura ignorância
soberba.
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