C. N.
“Este dogma
[o de que fora da Igreja não há salvação], no entanto, deve ser entendido no
sentido em que a própria Igreja o entende. Nosso Senhor, de fato, não confiou a
explicação das coisas contidas no depósito da fé aos julgamentos privados, mas
sim ao magistério eclesiástico” (Carta do Santo Ofício ao Arcebispo de Boston,
1949, Denzinger, 3866-3872).
Pode-se errar com respeito à fé de dois modos: por ignorância de algum
dado da fé segundo a Escritura ou segundo o magistério da Igreja, e neste caso
não se trata propriamente de heresia; ou com perfeita ciência ou conhecimento, e então se trata propriamente de heresia. Pois bem, reafirme-se que é de fé que
pelo batismo de desejo pode
alguém que está fora do corpo da Igreja militante salvar-se na hora da morte,
quando então se une espiritualmente à mesma Igreja. E negá-lo depois de
ler o que diz a este respeito o magistério da Igreja (como se lerá abaixo)
constitui heresia.
1) Concílio de
Trento: “Depois da promulgação do
Evangelho, não pode dar-se [a justificação do ímpio] sem o lavatório da
regeneração [cânon 5, sobre o Batismo] ou por seu desejo, como está
escrito: ‘Se alguém não tiver renascido pela água e pelo Espírito Santo,
não pode entrar no reino de Deus’ (Jo. VIII, 5)” (Denzinger, 796).
2) Por isso, o Papa Pio IX, depois de reafirmar o dogma
de que “fora da Igreja não há
salvação”, assinalou na Alocução Singulari Quadam, de
1854: “Com efeito, pela fé há de sustentar-se que fora da Igreja Apostólica
Romana ninguém pode salvar-se; que esta é a única arca da salvação; que quem
nela não tiver entrado perecerá no dilúvio. No entanto, também é preciso ter
por certo que aqueles que sofrem de ignorância da verdadeira religião, se tal
[ignorância] é invencível, não são ante os olhos do Senhor réus por isso de
culpa alguma. Ora, quem será tão arrogante que seja capaz de assinalar os
limites desta ignorância, segundo a razão e a variedade de povos, de regiões, de
caracteres e de tantas outras e tão numerosas circunstâncias?” (Pio IX,
Alocução Singulari Quadam, 1854, Denzinger, 1647).
3) Pio
IX insistiu nesta doutrina na Encíclica Quanto Confficiamur
Moerore, de 1863, na qual condenou tanto o liberalismo, defensor
da tese de que há salvação fora da Igreja, como certo rigorismo de corte
jansenista, que não admitia que Deus concedesse nenhuma graça capaz de salvar
fora da Igreja ou recusava o batismo de desejo. Como efeito, escreveu Pio IX:
“E aqui, queridos Filhos e Veneráveis Irmãos, é preciso recordar e repreender
novamente o gravíssimo erro em que se acham miseravelmente alguns católicos, quando
opinam que homens que vivem no erro e alheios à verdadeira fé e à unidade da
católica possam chegar à eterna salvação – o que certamente se opõe em sumo
grau à doutrina católica. Mas coisa notória é para Nós e para Vós que aqueles
que sofrem de ignorância invencível acerca de nossa santíssima religião, que
cuidadosamente guardam a lei natural e seus preceitos, esculpidos por Deus no
coração de todos, e que estão dispostos a obedecer a Deus e levam uma vida
honesta e reta podem conseguir a vida eterna, por operação da virtude da luz
divina e da graça; pois Deus, que manifestamente vê, esquadrinha e conhece a
mente, o ânimo, os pensamentos e os costumes de todos, não consente, de modo
algum, conforme à sua suma bondade e clemência, que ninguém seja castigado com
eternos suplícios se não é réu de culpa voluntária. Não obstante, bem conhecido
é também o dogma católico, a saber, que ninguém pode salvar-se fora da Igreja
Católica, e que os contumazes contra a autoridade e as definições da mesma
Igreja, e os pertinazmente divididos da unidade da mesma Igreja e do Romano
Pontífice, sucessor de Pedro, ‘a quem foi encomendada pelo Salvador a guarda da
vinha’, não podem alcançar a salvação eterna” (Pio IX, Quanto
Confficiamur Moerore, Denzinger, 1677).
4) Lê-se no número 132 do Catecismo Maior (em
italiano) de São Pio X: “Quem
está fora da Igreja se salva? Resposta: Quem está fora da Igreja
por culpa própria e morre sem contrição perfeita não se salva; mas quem aí se
encontra sem culpa própria e vive bem pode salvar-se com amor de caridade, que
une a Deus, e, em espírito, também à Igreja, isto é, à alma desta [ou seja, ao
Espírito Santo]”.
5) Durante o pontificado de Pio XII (mais precisamente, em 1949),
o Santo Ofício, ao condenar
os erros do Padre Leonard Feeney – negador da existência do batismo de
desejo –, reafirmou em carta ao Arcebispo de Boston tanto o dogma de
que “fora da Igreja não há salvação” como a legitimidade do chamado “batismo de
desejo”: “Entre as
coisas que a Igreja sempre pregou e nunca deixa de pregar, está contida
aquela sentença infalível que nos ensina que ‘fora da Igreja não
há salvação’. Este dogma, no entanto, deve ser entendido no sentido em que
a própria Igreja o entende. Nosso Senhor, de fato, não confiou a explicação das
coisas contidas no depósito da fé aos julgamentos privados, mas sim ao
magistério eclesiástico.
“E, em primeiro lugar, a Igreja ensina que neste caso se trata de um
rigorosíssimo preceito de Jesus Cristo. De fato, Ele mesmo disse explicitamente
a seus discípulos que ensinassem todos os povos a observar o que Ele havia
ordenado (cf. Mt XXVIII, 19-20). Entre os mandamentos de Cristo, não tem menos
valor aquele que nos ordena que nos incorporemos, com o batismo, ao Corpo
místico de Cristo, que é a Igreja, e que adiramos a Cristo e a seu Vigário, por
meio de quem Ele mesmo governa na terra de modo visível a Igreja. Por isso, não
se salvará aquele que, sabendo que a Igreja foi divinamente instituída por
Cristo, não aceitar, ainda assim, submeter-se à Igreja ou recusar obediência ao
Pontífice Romano, Vigário de Cristo na terra.
“O Salvador, então, não só predispôs em um preceito que todos os povos
deveriam aderir à Igreja, mas chegou a estabelecer que a Igreja era o meio de
salvação sem o qual ninguém poderia entrar no Reino da glória celeste.
“Daqueles meios para a salvação que só por instituição divina, e não por
necessidade intrínseca, se ordenam ao fim último, Deus, em sua infinita
misericórdia, quis que, em certas circunstâncias, seus efeitos, necessários
para a salvação, pudessem ser obtidos também quando estes meios fossem
proporcionados apenas pelo anseio ou pelo desejo.
Isso vemos claramente enunciado no sagrado Concílio de Trento, quer em relação
ao sacramento da regeneração, quer em relação ao sacramento da penitência.
“Nas devidas proporções, o mesmo deve dizer-se com relação à Igreja, já
que esta é um meio geral de salvação. Pois, para obter a salvação, não se exige
a incorporação efetiva [reapse], como membro, à Igreja, senão que é
exigida, pelo menos, a adesão a esta por voto e por desejo [voto et
desiderio]. Não é necessário que este voto seja sempre explícito, como se
exige dos catecúmenos. Se o homem sofre de ignorância invencível, Deus aceita
um voto implícito, assim chamado porque contido naquela boa disposição da alma
com a qual o homem quer que sua vontade se conforme à vontade de Deus.
“Estas coisas são claramente ensinadas na [encíclica de Pio XII Mystici Corporis
Christi] em relação ao Corpo Místico de Jesus Cristo [...]. Quase no final
desta encíclica [...], convidando à unidade, com o espírito cheio de amor,
aqueles que não pertencem à estrutura da Igreja Católica, [o Sumo Pontífice]
recorda aqueles que, ‘por anseio ou desejo inconsciente, estão ordenados ao
Corpo Místico do Redentor’ não se excluem absolutamente da salvação eterna;
mas, por outro lado, afirma que eles se encontram em estado em que ‘nada pode
assegurar-lhes a salvação [...], pois que são privados de muitos e grandes
socorros e favores celestes que só podem ser desfrutados na Igreja Católica’.
“Com estas prudentes palavras, desaprova tanto aqueles que excluem da
salvação eterna todos os que aderem à Igreja apenas com voto implícito como
aqueles que defendem falsamente que os homens podem ser igualmente salvos em
qualquer religião.
“E nem sequer se
deve pensar que seja suficiente um desejo qualquer de aderir à
Igreja para que o homem seja salvo. Exige-se, realmente, que o desejo mediante
o qual alguém se ordena à Igreja seja moldado pela perfeita caridade; e o voto
implícito não poderá ter efeito se o homem não tiver a fé sobrenatural” (Carta
do Santo Ofício ao Arcebispo de Boston, 1949, Denzinger, 3866-3872).