QUESTÃO 1 DO ALUNO
Após ler o artigo “As Duas Primeiras Operações do Intelecto: uma Crítica a
Maritain e a Outros Tomistas”, restaram-me algumas
dúvidas (não, evidentemente, quanto à justíssima crítica a Maritain).
I. A primeira é precisamente a que o senhor mesmo enuncia na
entrada “observações”, na parte I, no parágrafo “Naturalmente, etc.,”, ou seja,
se a obra única da primeira operação do intelecto é a definição, por que não estudá-la no âmbito da demonstração científica
(Analíticos Posteriores).
Parece-me que a única solução conveniente é dizer que a definição
que é obra da primeira operação do intelecto não é a mesma que a definição
científica (gênero próximo e diferença específica), embora esta signo daquela,
como o nome, pois:
a) Santo Tomás diz que o intelecto quase nunca erra, senão per accidens, em sua primeira operação,
que consiste na formação da definição
ou conceito quiditativo. Ora, se a
definição consistisse em indicar o gênero próximo e a diferença específica, o
dito seria falho, pois a maioria dos homens é incapaz de dar tal definição.
Portanto, a definição que é obra da primeira operação não é a mesma que a
definição científica.
b) No número 2 (f), Santo Tomás chama à obra da primeira operação verbo cordial. Ora, não convém chamar à
definição científica verbo cordial.
Logo...
c) A definição científica parece antes ser um signo exterior da
definição interior. Do verbo cordial. Pois, com efeito, a voz ou palavra
incomplexa é signo do verbo cordial (2b). Mas a definição científica e o nome
incomplexo são convertíveis (“O homem é o animal racional/ O animal racional é
o homem”). Logo...
Por partes.
1) No artigo referido,
não se pergunta “por que não estudar a obra única da primeira operação no
âmbito da demonstração científica”, senão que se afirma que a definição deve estudar-se mais propriamente nesse
âmbito.
2) A definição ou
conceito quiditativo, que é a obra da primeira operação, não pode ser senão a
mesma que se deve estudar no âmbito dos Analíticos
Posteriores, porque o âmbito destes é também o da terceira operação do intelecto ou raciocínio e sua obra única,
a argumentação. Cada
operação tem uma única obra. Ademais, não se vê como a obra de uma operação possa
ser signo da de outra. O fato, todavia, é que você toca o nervo do problema, e
problema árduo. Mas, antes de tudo, consideremos o próximo item de sua questão.
3) Santo Tomás não diz
que o intelecto “quase nunca erra na primeira operação”: diz que nunca erra per se nesta operação, assim como a visão nunca erra per se quanto a seu objeto próprio, a cor. Ou acerta na definição
ou conceito quiditativo de algo, ou absolutamente não o conhece, assim como ou
a visão conhece que o verde é verde, ou absolutamente não o conhece. E, se o
intelecto erra e muito nesta operação, não o faz senão per accidens, assim como apenas per
accidens a vista não vê verde o verde. Ora, a definição ou conceito
quiditativo, obra da primeira operação, consiste propriamente em conhecer a
essência de uma substância por seu gênero próximo e por sua diferença
específica. Diz porém você que tal dizer é falho, porque a maioria dos homens é
incapaz de alcançar as definições. Já aqui, portanto, tenho de dar, ainda que muito sucintamente, a solução a que
chego.
a) Boa parte das vezes,
o erro na primeira operação deve-se à imiscuição de uma proposição mental falsa,
como se diz no mesmo “As Duas Operações do Intelecto: uma Crítica...”. Ora, isso
implica dizer que, se a terceira operação supõe a segunda e esta a primeira,
tal não se dá, todavia, segundo uma estrita sequência cronológica, senão que há
frequente imiscuição da segunda na primeira e pois certa concomitância entre estas.
b) Pode acertar-se, per se, na simples apreensão e em sua
obra (a definição ou conceito quiditativo) sem, contudo, dar com seu mais preciso
signo vocal (nem, pois, é claro, com o mais preciso verbo mental). Assim, em
vez de animal racional, pode dizer-se
animal que pensa ou raciocina. Se porém do cão se concebe e se diz animal doméstico que late, nada há aí de
incorreto, pois que de todos os brutos não alcançamos a quididade última ou mais
propriamente específica, e não os podemos definir sem valer-nos de alguma propriedade sua.
c) Na verdade, a maioria dos homens é capaz de definições, ainda que per accidens erre muito nelas ou não as saiba expressar por signos vocais. Afinal, a definição é obra natural do homem, enquanto a linguagem é obra artificial sua.
Por outro lado, porém, muitos são capazes de alcançar uma correta definição,
por exemplo, de Gramática: a arte de escrever
bem ou algo semelhante.
d) Mas diz-se no artigo Questões
gramaticais (1): A matéria da arte da Gramática que podemos ter duas definições de Gramática:
• a arte diretiva da escrita [ou seja, do ato de
escrever formas linguísticas] segundo regras morfossintáticas cultas, para que
o homem possa transmitir suas concepções e argumentações com ordem, com
facilidade e sem erro a outros homens distantes no espaço ou no tempo;
• a arte de escrever em certo
suporte formas linguísticas segundo regras morfossintáticas cultas, para que o
homem possa transmitir suas concepções e argumentações com ordem, com
facilidade e sem erro a outros homens distantes no espaço ou no tempo.
Tenha-se, por outro lado, substância
vivente sensível racional por definição de homem.
Naturalmente tais definições não se compõem
apenas de gênero próximo e de diferença específica, senão que se completam graças
a uma divisão que não se alcança perfeitamente senão no âmbito, ei-lo, da
demonstração científica. No caso das artes, ademais, levam-se em conta também a
matéria e o fim ou ainda o sujeito, como se viu acima para a Gramática.
e) Atente-se, todavia, a que substância
vivente sensível racional é exatamente o mesmo que animal racional.
Apenas, com aquela se põe o que nesta está somente suposto ou implicado. E tal pôr
é justamente, insista-se, o que se dá no âmbito da demonstração científica.
4) Não há nenhum senão em chamar verbo
cordial à definição que se põe no âmbito da demonstração científica. Talvez
você se engane com a palavra verbo, que aqui não tem senão o sentido de concepção
intelectual, que pode ser a definição ou ainda a enunciação. (A diferença
entre a simples apreensão e o juízo é que a simples apreensão é um ato único e
indivisível com uma matéria simples, enquanto o juízo é um ato único e indivisível
mas com uma matéria complexa.)
5) A definição tal como pode pôr-se no
âmbito da ciência stricto sensu é antes de tudo, pois, cordial, e só
depois mental e vocal. Quando se diz que a voz ou palavra é signo do verbo
cordial, quer-se dizer exatamente isto: que podemos significar vocalmente a
definição enquanto cordial por uma palavra ou voz – além de por uma oratio:
por homem – ou por animal racional (ou ainda substância vivente sensível racional).
6) Parece que tal confusão resulta
grandemente de um equívoco seu: “O homem é o animal racional” não é “definição
científica”, mas enunciação; para que fosse definição, não poderia contar com verbo.
A definição de homem é animal racional (homem, animal racional),
e nenhuma definição é verdadeira nem falsa. O que pode ser verdadeiro ou falso
é a enunciação, na qual, entre outras coisas, se atribui a definição a um
sujeito, no caso homem, agora não como signo da definição, mas como a
substância segunda homem.
QUESTÃO 2 DO ALUNO
Por que se diz (2h)
que o intelecto se refere à realidade mediante a concepção do intelecto (ou
definição) e não mediante a espécie inteligível?
RESPOSTA DO PROFESSOR
A espécie inteligível está para o intelecto
assim como a espécie sensível está para a visão: a primeira é a marca deixada no
intelecto possível pelo intelecto agente, assim como a segunda é a marca
deixada na pupila pela coisa colorida. Ora, o que faz as três operações é o
intelecto possível, que no entanto só o faz após ser marcado pela espécie
inteligível, assim como o olho só vê depois de ser marcado pela espécie
sensível. Mas, assim como o que vê é o olho e não a espécie sensível, assim
também o que pensa é o intelecto possível mediante suas operações e não a
espécie inteligível. Esta apenas o reduz a ato e lhe permite pensar, porque, com efeito, o conhecimento das coisas começa por encontrar-lhes a quididade ou
essência – o que não se consegue, insista-se, senão com a primeira operação do intelecto.