Contando com sua paciência e grandeza de coração, é que trago minha
dúvida prima de outras leituras, como a do idealismo alemão
de Schopenhauer, sobre o conceito de Vontade. Como isso se dá, em Santo
Tomás...
RESPOSTA. O idealismo alemão, incluídos
aí, de certo modo, os voluntaristas (Nietzsche, o mesmo Schopenhauer, etc.),
não é mais que o voluntarismo medieval levado a suas últimas e mais radicais
consequências. Para Santo Tomás, sempre em seu justíssimo realismo (irmão do de
Aristóteles), o intelecto e
a vontade entretêm uma relação, digamos, “dialética”: o intelecto
aponta à vontade o que ela deve apetecer, e esta apetece o que o intelecto lhe
diz que deve apetecer. É certo que é a mesma vontade a que move o intelecto a
operar (porque, com efeito, se não quisermos definir, julgar ou raciocinar, não
o faremos). Atenção, todavia: antes de tudo, a abstração das quididades operada
pela luz do intelecto agente independe da vontade; depois, e ainda mais
importante, obviamente o intelecto tem antecedência simpliciter sobre a vontade, porque, ainda que seja esta a que move
aquele a definir, a julgar e a raciocinar, não o faz senão para saber dele o
que deve apetecer. Pois bem, a primeira grande figura da escolástica surgida
depois da morte de Santo Tomás foi Duns Scot, e já este mesmo teólogo afirmava
que a vontade tem precedência simpliciter
sobre o intelecto (o que aliás o levava a numerosas aporias e absurdidades).
Estava aberta a via que viria desembocar no idealismo e no voluntarismo: de
Guilherme de Ockham a Nietzsche, passando por Descartes, Kant, etc., há tão só
uma linha de continuidade e de desdobramento.