segunda-feira, 29 de junho de 2015

Matemática e Lógica; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Quando se estuda o movimento dos planetas do Sistema Solar, a Física elabora um modelo matemático para descrever tal movimento, a elipse, contudo este modelo contém simplificações, pois a realidade possui sempre mais detalhes do que possamos modelar.  Este modelo é um ente de razão?  Uma vez que não existe na realidade.

RESPOSTA. Não se confundam duas coisas: ente de razão e abstração. É bem verdade que por vezes S. Tomás chama às figuras geométricas e aos números “entes de razão”. Mas é uma maneira de falar, e, quando trata ex professo da matemática, fala dos números e das figuras geométricas como resultantes de determinada maneira de abstrair.
Mas explique-se, antes de tudo, o que é ente de razão. Quanto digo “animal”, “homem”, “pedra”, nomeio definições, que se dão a partir de abstrações de imagens sensíveis. No entanto, tais abstrações (ou espécies inteligíveis), se não existem fora de nossa mente como tais, ou seja, separadas dos entes concretos (como queria Platão), mas nos entes concretos (como o mostra Aristóteles), podem porém ser pensadas como tais. E, como estas espécies estão efetivamente presentes nos entes concretos ao modo de essência, dizemos que os conceitos delas decorrentes têm fundamento próximo in re, na coisa, na realidade. Mas, para que melhor possamos pensar a partir das espécies inteligíveis, criamos a partir destas os entes de razão (“gênero”, “espécie”, etc.), ou seja, entes que não estão presentes nas coisas, ainda que também se criem a partir das espécies inteligíveis abstraídas das coisas. Pois bem, dos entes de razão, que são o sujeito da Lógica, dizemos que têm fundamento remoto in re.
Há todavia três maneiras de abstrair e pois de tratar separadamente coisas que estão presentes nos entes concretos. A primeira é a da Física, cujo sujeito é o ente enquanto móvel. A segunda é a da Matemática, cujo sujeito é o ens quantum, o ente segundo a quantidade. A terceira é a da Metafísica, cujo sujeito é o ente enquanto ente. Mas estas três maneiras de estudar o ente não constituem, como dito, entes de razão, que são de segunda intenção (com fundamento remoto in re), senão que constituem conceitos quiditativos, que são de primeira intenção (com fundamento próximo in re). Com isto, porém, ainda não dizemos como se abstraem, particularmente, as espécies matemáticas. Sigamos, para sabê-lo, o pensamento de S. Tomás (Suma Teológica, I, q. 85, a. 1, ad 2):

“[...] Há duas matérias: uma comum, a outra signata [delimitada] ou individual. A matéria comum é, por exemplo, a carne e os ossos [em geral]; a matéria individual, estas carnes e estes ossos. O intelecto, portanto, abstrai a espécie da coisa natural da matéria sensível individual, mas não da matéria sensível comum. Assim, abstrai a espécie homem destas carnes e destes ossos, que não pertencem à razão de espécie, senão que são partes do indivíduo, como se diz no livro VII da Metafísica; e por isso a espécie pode ser considerada sem elas. Mas a espécie homem não pode ser abstraída pelo intelecto da carne e dos ossos [enquanto são comuns a todos os indivíduos humanos]. Ora, as espécies matemáticas podem abstrair-se não só da matéria sensível individual, mas também da [matéria sensível] comum; não [podem abstrair-se] todavia da matéria inteligível comum, mas tão somente da [matéria inteligível] individual. A matéria sensível é a matéria corporal enquanto é o sujeito das qualidades sensíveis, como o frio e o quente, o duro e o mole, etc. A matéria inteligível é a substância enquanto é o sujeito da quantidade. Ora, é manifesto que a quantidade está presente na substância antes que as qualidades sensíveis. Daí que os modos da quantidade, como os números [quantidades discretas], as dimensões e as figuras [quantidades contínuas], que são seus limites, possam considerar-se sem as qualidades sensíveis, o que é abstrair da matéria sensível; mas não podem considerar-se sem a intelecção da substância subjacente à quantidade. Podem porém considerar-se sem tal ou tal substância, e isto é [precisamente] abstrair da matéria inteligível individual”.   

2) Então, a Física moderna, preocupada em gerar modelos matemáticos, não seria antes lógica do que ciência?

RESPOSTA. Diga-se, antes de tudo, que a Física moderna, como já antevia S. Tomás, é a chamada ciência média, ou seja, a que está entre a Física geral (que tem por sujeito o ente enquanto móvel) e a Matemática (que tem por sujeito o ens quantum). Em outras palavras, a Física moderna participa dos dois modos de abstração, o da Física e o da Matemática. Quanto a ser Lógica e não ciência, lembre-se de que a Lógica também é ciência (conquanto seja ciência-arte). Mas, como dito, ou seja, porque não tem por sujeito entes de razão (e sim o ente enquanto móvel e o ens quantum), a Física moderna não é Lógica.

3) Extrapolando para outras ciências modernas, tendo preocupação com geração de modelos, mesmo não matemáticos, não seriam também mais lógica do que ciência?

RESPOSTA. A resposta a esta questão é, antes de tudo, a mesma que à questão anterior. Acrescente-se porém que, como dito em algumas aulas do curso, as demais ciências modernas não se podem dizer sequer tendentes a ciência: são antes, no máximo, bases indutivas para a verdadeira ciência.