RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO
1) Quando
se estuda o movimento dos planetas do Sistema Solar, a Física elabora um modelo
matemático para descrever tal movimento, a elipse, contudo este modelo contém
simplificações, pois a realidade possui sempre mais detalhes do que possamos
modelar. Este modelo é um ente de razão? Uma vez que não existe na
realidade.
RESPOSTA. Não se confundam duas coisas: ente de razão e abstração. É bem
verdade que por vezes S. Tomás chama às figuras geométricas e aos números
“entes de razão”. Mas é uma maneira de falar, e, quando trata ex professo da matemática, fala dos
números e das figuras geométricas como resultantes de determinada maneira de
abstrair.
Mas explique-se, antes de tudo, o que é ente de razão. Quanto digo “animal”, “homem”, “pedra”, nomeio
definições, que se dão a partir de abstrações de imagens sensíveis. No entanto,
tais abstrações (ou espécies inteligíveis), se não existem fora de nossa mente
como tais, ou seja, separadas dos entes concretos (como queria Platão), mas nos entes concretos (como o mostra
Aristóteles), podem porém ser pensadas como tais. E, como estas espécies estão
efetivamente presentes nos entes concretos ao modo de essência, dizemos que os
conceitos delas decorrentes têm fundamento próximo
in re, na coisa, na realidade. Mas,
para que melhor possamos pensar a partir das espécies inteligíveis, criamos a
partir destas os entes de razão
(“gênero”, “espécie”, etc.), ou seja, entes que não estão presentes nas coisas,
ainda que também se criem a partir das espécies inteligíveis abstraídas das
coisas. Pois bem, dos entes de razão, que são o sujeito da Lógica, dizemos que
têm fundamento remoto in re.
Há todavia três maneiras de abstrair e pois de tratar separadamente
coisas que estão presentes nos entes concretos. A primeira é a da Física, cujo
sujeito é o ente enquanto móvel. A
segunda é a da Matemática, cujo sujeito é o ens
quantum, o ente segundo a quantidade. A terceira é a da Metafísica, cujo
sujeito é o ente enquanto ente. Mas
estas três maneiras de estudar o ente não constituem, como dito, entes de
razão, que são de segunda intenção (com fundamento remoto in re),
senão que constituem conceitos quiditativos, que são de primeira intenção (com
fundamento próximo in re). Com isto, porém, ainda não
dizemos como se abstraem, particularmente, as espécies matemáticas. Sigamos,
para sabê-lo, o pensamento de S. Tomás (Suma
Teológica, I, q. 85, a. 1, ad 2):
“[...] Há duas matérias: uma comum, a outra signata [delimitada] ou individual. A matéria comum é, por exemplo,
a carne e os ossos [em geral]; a matéria individual, estas carnes e estes
ossos. O intelecto, portanto, abstrai a espécie da coisa natural da matéria
sensível individual, mas não da matéria sensível comum. Assim, abstrai a espécie
homem destas carnes e destes ossos, que não pertencem à razão de espécie, senão
que são partes do indivíduo, como se diz no livro VII da Metafísica; e por isso a espécie pode ser considerada sem elas. Mas
a espécie homem não pode ser abstraída pelo intelecto da carne e dos ossos [enquanto
são comuns a todos os indivíduos humanos]. Ora, as espécies matemáticas podem
abstrair-se não só da matéria sensível individual, mas também da [matéria sensível]
comum; não [podem abstrair-se] todavia da matéria inteligível comum, mas tão
somente da [matéria inteligível] individual. A matéria sensível é a matéria
corporal enquanto é o sujeito das qualidades sensíveis, como o frio e o quente,
o duro e o mole, etc. A matéria inteligível é a substância enquanto é o sujeito
da quantidade. Ora, é manifesto que a quantidade está presente na substância
antes que as qualidades sensíveis. Daí que os modos da quantidade, como os números
[quantidades discretas], as dimensões e as figuras [quantidades contínuas], que
são seus limites, possam considerar-se sem as qualidades sensíveis, o que é
abstrair da matéria sensível; mas não podem considerar-se sem a intelecção da
substância subjacente à quantidade. Podem porém considerar-se sem tal ou tal
substância, e isto é [precisamente] abstrair da matéria inteligível
individual”.
2) Então,
a Física moderna, preocupada em gerar modelos matemáticos, não seria antes
lógica do que ciência?
RESPOSTA. Diga-se, antes de tudo, que a Física moderna, como já antevia
S. Tomás, é a chamada ciência média,
ou seja, a que está entre a Física geral (que tem por sujeito o ente enquanto
móvel) e a Matemática (que tem por sujeito o ens quantum). Em outras palavras, a Física moderna participa dos
dois modos de abstração, o da Física e o da Matemática. Quanto a ser Lógica e
não ciência, lembre-se de que a Lógica também é ciência (conquanto seja
ciência-arte). Mas, como dito, ou seja, porque não tem por sujeito entes de razão (e sim o ente enquanto
móvel e o ens quantum), a Física
moderna não é Lógica.
3) Extrapolando
para outras ciências modernas, tendo preocupação com geração de modelos, mesmo
não matemáticos, não seriam também mais lógica do que ciência?
RESPOSTA. A resposta a esta questão é, antes de tudo, a mesma que à
questão anterior. Acrescente-se porém que, como dito em algumas aulas do curso,
as demais ciências modernas não se podem dizer sequer tendentes a ciência: são
antes, no máximo, bases indutivas para a verdadeira ciência.