RESPOSTAS DO PROFESSOR
NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO
(1) Se
bem entendi, há uma relação triangular entre coisa-imago-verbo ou
realidade-intelecto-signo. Os signos, orais ou escritos, não significam
diretamente a coisa, mas sim a paixão da alma (imago). Essa paixão sim é
determinada pela coisa. Agora, em que medida negar isso implicaria em
nominalismo? Digo, se eu afirmo que o signo corresponde diretamente à coisa, já
cairei aí no nominalismo? Penso que, sem a imagem como ponte, perde-se o
caráter de universalidade. Mas, e se, ao contrário, digo que o signo
corresponde à paixão da alma, apenas, caio no idealismo kantiano? Não sei se me
fiz entender, posso reformular...
RESPOSTA. Por partes.
• Implica nominalismo se se crê que as paixões da alma não são semelhanças,
ou seja, se se crê que não são “imagens” fiéis das coisas.
• Não: se se diz que o signo significa diretamente a coisa, cai-se,
digamos, em certo hiper-realismo.
• O signo significa a paixão da alma, e esta é semelhança da coisa. O
kantismo diz: não há paixões na alma que sejam imagens das coisas – o que é
completamente distinto. Nós conhecemos de fato as coisas, ao passo que o
kantismo supõe impossível o conhecimento das coisas em si pela razão. Por isso
é propriamente infernal.
Observação: Fez-se
entender, sim, perfeitamente, e espero que eu também.
(2) Ainda
quanto à primeira operação (acredito), como é que as coisas se apresentam à
mente/intelecto sem passar pelos sentidos (ao menos não pelos externos)? Elas
“saltam” a 1ª operação? Exemplo: a noção de “nada”, de “absoluto não-ser”...
Como é que chegamos até ela? Não me parece ter sido por formação de imagem
sensível e posterior abstração... A noção de Deus, tudo bem, conhece-se pelos
efeitos, mas e a de “nada”? De onde extraímos ou abstraímos essa “quididade”
(se é que o nada tem quididade propriamente dita)? E aquilo que apreendemos
pelos seus efeitos, “apreendemos” ainda pela 1ª operação?
RESPOSTA. Outra vez por partes.
• Mas nunca se disse, no curso, que as coisas saltam os sentidos para
apresentar-se diretamente à primeira operação do intelecto. Reveja a aula e
verá: as coisas passam pelos sentidos externos, são trabalhadas pelos sentidos
internos até que se formem seus fantasmas, e só então é que o intelecto, em sua
primeira operação, elabora os conceitos quiditativos.
• O que passa pelos sentidos são as aparências ou espécies dos entes
sensíveis. O ente sensível é o que primeiro conhecemos, e só depois, por
raciocínios a posteriori (ou seja,
pelos efeitos) ou semelhantes, é que conhecemos os não sensíveis.
• Não se confunda pura e simplesmente o nada com o não ser. O não ser absoluto ou nada se conhece por
comparação com o criado, com o ente, com o que é: o nada, nada é, ou
seja, é o não ente absoluto. O não
ser não absoluto já é outra coisa: o homem não
é o cão, por exemplo.
• Quididade ou essência só a têm simpliciter
e em concreto as substâncias;
quididade ou essência secundum quid e
em abstrato as têm os acidentes; enquanto
o nada, que nada é, nem substância nem acidente, não tem quididade nem essência
alguma, de modo algum. – Lembre-se de que essentia
vem de esse (ser). Como o nada não
tem ser, tampouco tem essência.
(3) Na
esteira da pergunta anterior, “nada” não é um ente real, é? Se nada surge do
nada e se há, positivamente, algo, então o nada não é atual: tem essência, mas
não existência (certo?). Desculpe-me se adianto a matéria, mas como saber
que um ente de razão tem “razão de ser”? Digo, como saber que não o inventei ou
que me engano ao presumir a sua possibilidade? Talvez mais diretamente:
qualquer ente que tenha essência, mas não existência (que seja potência, mas
não ato) diz-se ente de razão?
RESPOSTA. Por partes.
• O nada não é um ente, como já se disse.
• Nada surge do nada por si. Mas tudo se cria de
nada por Deus, que por ser Ato Puro e o próprio Ser subsistente é o único que o
pode fazer. (Mas, para entendê-lo mais perfeitamente, peço-lhe que espere o
Tratado de Deus Uno ao final de nossa Introdução à Metafísica.)
• Um ente de razão pode sê-lo em dois sentidos: se for um ente de razão
lógico, terá fundamento remoto in re,
na coisa, na realidade; se for um ente de razão no sentido de quimera, não tem
fundamento senão na mente.
• Um ente de razão tem “razão de ser”, para usar seus próprios termos,
como se acaba de dizer: ou uma “razão de ser” lógica com fundamente remoto in re, ou uma “razão de ser” puramente
mental. Diz S. Tomás: mesmo a quimera, o meramente (digamos) imaginado, tem
realidade: na mente de quem o imagina. (Aguarde, por favor, todavia, a Aula 13,
se não me engano; nela aprofundo este assunto.)
• O que é potência tem ser, sim: tem ser potencial.
• À sua última subpergunta neste ponto parece que já respondi. Mas
insista-se: o que não tem ser não tem essência. Só tem essência aquilo que ao
menos tem ser na mente de alguém.
(4)
Phantasma e imago são palavras sinônimas? Ou phantasma é imagem sensível
enquanto imago abrange a imagem sensível e a intelectiva?
RESPOSTA. As duas coisas são corretas por ângulos distintos: fantasma e
imagem são sinônimos se se supõe imagem = imagem sensível. Mas também se chama
imagem à semelhança inteligível. – Observação importante: os termos do jargão
filosófico não são tão estanques como muitos gostariam que fossem. Ao contrário,
também eles se usam analogicamente.
PS: ainda
preciso digerir parte das respostas anteriores (sobre a distinção ser-essência
e a substância enquanto gênero máximo). Vou esperar que as ideias amadureçam
para, se for o caso, formular novas perguntas. Mas, a respeito da última, estou
lendo parte dos comentários de S. Tomás à Metafísica de Aristóteles. Substância
é gênero máximo, mas não é o único gênero máximo, os 9 acidentes estão ao seu
lado, certo?
RESPOSTA. Por partes ainda.
• Este é o ápice da Metafísica, e da Metafísica tomista: a essência está
para o ser (ou ato de ser) assim como a potência está para o ato. Mais: o ser é
o ato de todos os mesmos atos, como as formas. Mas não espere entendê-lo de
todo agora; esta é a linha de chegada.
• Acho arriscado que leia agora o Comentário
à Metafísica de Aristóteles. Repito:
esta é a linha de chegada. Sem nenhuma pretensão de minha parte: por que não
espera o fim do curso? E depois: por que, após começar a ler o mesmo S. Tomás,
não começa por seu mais fácil? Como digo em alguma aula, devemos marchar do
claro para o obscuro, do mais fácil para o mais difícil. Imagine um aprendiz de
violoncelo que queira de início tocar as complexíssimas Suítes de Bach para este instrumento: que pensa que sairia?
• As dez categorias são os gêneros máximos do ente, mas com uma
diferença: não o são igualmente. Porque, com efeito, os acidentes não se dão, não
têm ser, não são entes senão em abstrato
e secundum quid, ou seja, enquanto
são somente nas substâncias.