PERGUNTAS
DO ALUNO
Vou
dizer algo que, se estiver errado peço que me corrija.
A primeira operação simpliciter nunca é errada
nem falsa, mas visto que em verdade, tampouco há operação humana perfeita, a
idéia que a primeira operação produz pode ser pouca clara, como diz, por
exemplo, o P. Garrigou-Lagrange e eu até hoje entendo.
Se
alguém elaborar o conceito de homem "bípede implume", não elaborou
uma realidade, mas idealizou uma imagem; não se trata de erro, mas de possível
confusão ou fantasia a respeito do homem "animal racional" assim já
conceituado.
Então
a deformação da realidade dessa primeira operação não foi cometida senão per
accidens: ou por intromissão da intenção de um juízo imaginativo, ou seja por
atribuição de conceito a algo de que não é conceito da realidade física, mas de
uma possível fantasia. Assim, "se digo "homem: quadrúpede
imortal", tal "conceito" só é falso porque pressupõe,
acidentalmente, o juízo falso "o homem é um quadrúpede imortal"; e,
se atribuo "figura geométrica de quatro lados" a um triângulo,
falseio o conceito por atribuí-lo a uma figura geométrica de que não é
conceito."
Mas
o acidental do «quiditativo» é resolvido adiante porque a idéia está por tomar
corpo e ser melhor definida no juízo.
Diria
que também não é falso o "conceito" proposto para contestar
realidades menos certas que as da geometria, e até «outras».
Vão ser somente a operações seguintes do espírito a pôr ordem do certo ou errado ou a coerência do justo ou falso nessa operação mental.
Vão ser somente a operações seguintes do espírito a pôr ordem do certo ou errado ou a coerência do justo ou falso nessa operação mental.
Não
é por isto que elas existem e se completam?
Perdoe-me
se insisto em pensar que a confusão de qualquer idéia, mesmo as platônicas,
resolvem-se nas operações intelectivas seguintes.
Diga-me
por favor se e onde erro. Obrigado.
RESPOSTAS
DO PROFESSOR
Dividirei a resposta em duas partes. Na
primeira, darei a estrita posição de Aristóteles e, especialmente, de S. Tomás.
Na segunda, responderei a cada questão sua.
I) Assim como a visão nunca se engana per se quanto a seu objeto próprio (a
cor), assim tampouco o intelecto se engana per
se, em sua primeira operação, quanto a seu objeto próprio (as essências ou
quididades, que podem ser quididades essenciais – “animal racional”, por
exemplo – ou “quididades” acidentais – “que caminha sobre dois pés”, “que não
tem penas”, “que tem brancura”, etc., por exemplo). Mas, assim como a visão se
engana per accidens (ou quanto a seu
objeto próprio, como, por exemplo, por daltonismo ou por causa da distância; ou
quanto a objetos que não lhe sejam próprios, como quando vê chegar algo branco que
lhe parece ser Pedro, mas é Paulo), assim também a inteligência dos incomplexos
pode enganar-se per accidens (ou
quanto a seu objeto próprio, como, por exemplo, por demência; ou porque atribui
uma quididade a algo que não a tem, como se atribuísse “figura geométrica de
quatro lados” a um triângulo; ou porque já se imiscui [o termo é de S. Tomás]
na primeira operação uma falsidade da segunda operação ou juízo, como quando se
dá “quadrúpede imortal” porque se supõe que “existe algum quadrúpede imortal” [e a presença do verbo indica que
já se está na segunda operação]).
O erro de Platão, se se considera a
primeira operação, também é acidental e também decorre, em última instância, de
falsidade proveniente da segunda operação: porque, com efeito, se o homem é de
fato “bípede (e) implume”, sendo “bípede” e “implume” acidentes próprios seus
(assim como o são “social”, “falante”, etc.), há todavia falsidade em julgar “A
definição de homem é bípede implume”.
Observação. Naturalmente, pode dar-se o conceito de
homem de forma menos precisa: por exemplo, como “animal que pensa”. Mas isto
não é errado nem confuso intelectualmente, apenas impreciso linguisticamente. Se, ao contrário,
defino o homem como “animal que fala”, já per
se não o defino, porque, em vez de dar-lhe sua diferença específica, dou um
seu acidente próprio ou propriedade (“que fala”), que decorre precisamente de
sua essência. Ora, “animal que fala” também o é o papagaio.
II) Agora, divido suas
questões.
a) “A primeira operação per se nunca é errada nem falsa, mas visto que em verdade, tampouco
há operação humana perfeita, a ideia que a primeira operação produz pode ser
pouca clara, como diz, por exemplo, o P. Garrigou-Lagrange e eu até hoje
entendo.”
Resposta. De modo algum pode ser pouco clara nem
falsa per se, só per accidens. Se digo “São Paulo” e “papa”, não digo per se nada errado nem confuso, senão
que “São Paulo” e “papa” são perfeitos em sua ordem como objetos próprios da
primeira operação. Se porém digo “São Paulo: papa”, dou per accidens uma falsidade, porque se imiscuiu uma falsidade da
segunda operação (“São Paulo foi
papa”), assim como, mutatis mutandis,
o engano de Platão se deve à atribuição ao homem de uma definição que não expressa
a sua quididade essencial total
(lembre-se que a definição conveniente se dá pelo gênero próximo [animal] + a
diferença específica [racional]). O P. Garrigou-Lagrange, como tantos outros
tomistas, engana-se também aqui, contra a letra
tão repetida de Aristóteles e de S. Tomás; e seu erro é, em parte, o mesmo que
o de Maritain: o julgar que o conceito ou ideia da primeira operação não é o
mesmo que definição.
b) “Se alguém elaborar o conceito de homem
"bípede implume", não elaborou uma realidade, mas idealizou uma
imagem; não se trata de erro, mas de possível confusão ou fantasia a respeito
do homem "animal racional" assim já conceituado.”
Resposta. Creio já ter respondido a esta questão.
c) “Então a deformação da realidade dessa
primeira operação não foi cometida senão per accidens: ou por intromissão da
intenção de um juízo imaginativo, ou seja por atribuição de conceito a algo de
que não é conceito da realidade física, mas de uma possível fantasia. Assim,
"se digo "homem: quadrúpede imortal", tal "conceito"
só é falso porque pressupõe, acidentalmente, o juízo falso "o homem é um
quadrúpede imortal"; e, se atribuo "figura geométrica de quatro
lados" a um triângulo, falseio o conceito por atribuí-lo a uma figura
geométrica de que não é conceito."”
Resposta. Sim. Eu só não usaria aqui o termo
“deformação”.
d) “Mas o acidental do «quiditativo» é
resolvido adiante porque a idéia está por tomar corpo e ser melhor definida no
juízo.”
Resposta. Creio se devam precisar as palavras. A
ideia “não está por tomar corpo”. Ela já é perfeita: “figura geométrica de
quatro lados”. Acidentalmente é que
se atribui a algo de que não é ideia ou conceito ou definição. Por isso, o
juízo não define melhor nem pior nenhum conceito ou ideia, senão que atribui com verdade ou com falsidade um conceito a outro:
“O cão (primeiro conceito) não é
racional” (segundo conceito)”, ou “O cão (primeiro conceito) é racional (segundo conceito)”. Mas
“cão” e “racional” não podem ser definidos pela segunda operação, porque a definição é o próprio da primeira
operação. A primeira define, a segunda julga.
e) “Diria que também não é falso o
"conceito" proposto para contestar realidades menos certas que as da
geometria, e até «outras». Vão ser somente a operações seguintes do espírito a
pôr ordem do certo ou errado ou a coerência do justo ou falso nessa operação
mental.”
Resposta. Outra vez, parece-me que há que precisar.
A segunda operação não põe ordem aos conceitos; apenas atribui com verdade
ou com falsidade um conceito
a outro,
um predicado
a um
sujeito.
f) “Não é por isto que elas existem e se
completam? Perdoe-me se insisto em pensar que a confusão de qualquer idéia,
mesmo as platônicas, resolvem-se nas operações intelectivas seguintes.”
Resposta. Não, não é por isso. As duas primeiras
operações do homem são da razão enquanto
intelecto, enquanto a terceira é da razão
enquanto razão. Ora, as duas primeiras operações se ordenam à terceira, e
por isso mesmo é que a terceira não visa a corrigir ou ordenar as anteriores,
nem a segunda à primeira, senão que a primeira se ordena per se sem engano à
segunda, enquanto a segunda pode ordenar-se com
verdade ou com falsidade à terceira. Por isso, se se usam na terceira
operação premissas falsas (e premissas sempre são juízos, ou seja, da segunda
operação), então se terá uma conclusão (outro juízo) também falsa.
Observação 1. Quanto às ideias que levam seu nome, Platão não errava per se na primeira operação, até por
impossível. Seu engano é científico ou metafísico, ou seja, trata-se de erro de
terceira operação por premissas ou juízos falsos, como, por exemplo, “as
essências são substâncias” (ou seja,
subsistem separadamente).
Observação 2. Há que evitar a visão estritamente cronológica e sequencial
das três operações, como se a terceira não se imiscuísse na segunda e a segunda
na primeira; mas, como o vimos, só o fazem per
accidens.