Quanto à aula 1 se me apresentam
estas duas dúvidas:
a) 1- Protágoras: o homem é a
medida de todas as coisas. Seria isto realmente um antropocentrismo? Eu imagino
que, talvez seja apenas um reconhecimento da obra mais perfeita de Deus: o
homem. Criação tão perfeita que o próprio Deus se fez Um conosco. Sendo assim,
imagino que seria bastante lógico que o homem fosse o centro de todo o
sensível que existe, portanto a medida de todas as coisas, o meio, o
central, o principal. Já certa vez ouvi falar de um trabalho científico que
afirmava que o homem é o meio de tudo o que de sensível existe. Seríamos a
média das medidas de todo o universo, o centro entre os átomos e as
constelações. Não encontrei este trabalho nunca, mas vou procurar novamente.
RESPOSTA.
Vou por partes na resposta.
• Sem dúvida
alguma é um antropocentrismo. Deus é que é a medida de todas as coisas
(sensíveis e não sensíveis). Como veremos no Apêndice “A Política e Sua Ordem
ao Fim Último do Homem”, tudo quanto há imita de algum modo a Deus: o não
vivente enquanto é (porque Deus é o próprio
Ser); o vivente enquanto é e vive (e
a vida de Deus é a vida por antonomásia); o vivente sensível enquanto é, vive e conhece (e Deus é o próprio
conhecer, sobre todo e qualquer conhecer); e o homem e o anjo enquanto são,
vivem, conhecem intelectivamente e querem, cada um a seu modo (e Deus é o
Intelecto-Vontade de que todo intelecto e todo querer decorrem).
• A obra
mais perfeita de Deus não é o homem, mas os anjos, e a mesma afirmação de que o
é o homem já é antropocêntrica.
• Aqui
entramos de chofre na Teologia Sagrada: Deus só se fez uno conosco secundum
quid, em certo sentido: a saber, segundo assumiu a natureza humana. Mas em
Cristo a natureza humana se ordena à divina; e mais: ele encarnou-se não
por causa da perfeição do homem, mas para salvá-lo,
para redimi-lo – e quem necessita de
salvação e redenção não pode senão ser imperfeito. Dizer que ele se encarnou
por causa da perfeição do homem é como pôr a Deus abaixo do homem e dar a este
o ser causa das ações daquele, o que é um absurdo em todos os sentidos. O que
você afirma supõe, mesmo que inconscientemente, a mais condenável das teses do
humanismo teológico: a de que Deus criou o mundo e se encarnou para maior
glória do homem. Aristóteles horrorizar-se-ia, com razão, diante de tal tese.
Muito pelo contrário, Deus criou tudo – incluído o homem, o ápice da criação
sensível – e encarnou-se em ordem à sua
mesma glória, para maior glória dele mesmo. (Não que necessite de tal glória, senão que lha devem todas as criaturas, incluído homem, justo por ser criaturas suas.) Se assim não fosse, deveríamos louvor antes ao homem que a Deus,
o que não se segue.
• O trabalho
científico a que você se refere não pode passar de hipótese, e jamais
comprovável cientificamente. Por quê? Porque, para saber que algo é o meio ou centro do universo, é preciso ver de cima todo o universo: com
efeito, não se encontra o centro de uma circunferência sem que se tenha a esta
inteira no campo de visão. Ora, os únicos que podem apreender todo o universo são Deus mesmo ou os anjos; portanto, a certeza quanto a se há tal centro sensível,
e, caso o haja, se é o homem, continuará nesta vida a ser segredo para
nós. – O que, sim, se pode dizer com toda a certeza é que o homem é a fronteira
entre o sensível e o espiritual. Por quê? Porque os reúne a ambos em si: ele é
tanto sensível, pelo corpo, como espiritual, pela alma.
b) 2- Noite da inteligência até à
filosofia grega: os ensinamentos da antiga Religião verdadeira, que, desde a
expulsão do Éden foram ensinados e tradicionalmente reproduzidos até a vinda de
Nosso Senhor não seriam também sabedoria e/ou inteligência? O que os gregos
ensinavam pela filosofia e razão, em outras terras se ensinava pela revelação e
fé já há muito tempo antes.
RESPOSTA.
Outra vez por partes.
• Novamente
estamos no âmbito da Teologia Sagrada. Pois bem, há dupla sabedoria: a
sabedoria alcançável pela razão, e a sabedoria decorrente dos dados da Fé. A
primeira é a Filosofia, e especialmente a Filosofia Primeira (ou Metafísica ou
Teologia Filosófica), seu ápice, e se alcança pela só razão; a segunda é a
Teologia Sagrada, e não depende da razão, senão que parte da Revelação divina e
se subalterna à ciência de Deus mesmo e dos bem-aventurados. É ocioso dizer que
a segunda sabedoria é superior à primeira.
• Quando
falo da noite da inteligência, falo precisamente com respeito à razão.
• O que os
gregos ensinavam pela filosofia e pela razão não é, formalmente, a mesma
coisa que o que Deus ensinava ao povo judeu, embora as duas coisas não se
contradigam: porque, sendo Deus mesmo o autor da Verdade, e sendo a razão
criação dele mesmo, não poderia ele fazer que a verdade alcançável por esta
contradissesse a verdade sobrenatural ensinada por Ele (e não alcançável pela
razão). Uma coisa, todavia, é dizer que não se contradizem, e que se completam;
outra é dizer que são formalmente iguais.
Que se quer dizer, aqui, com formalmente?
Para que se entenda, recorramos a uma analogia. A Metafísica ou Teologia Filosófica
tem por sujeito ou genus subjectum o
ente enquanto ente, e trata a Deus como causa do ente; enquanto a Teologia
Sagrada tem por sujeito ou genus
subjectum a Deus enquanto Deus, e trata o ente enquanto causado por Deus.
Pois bem, analogamente, a razão por si mesma alcança verdades e, decorrentemente,
alcança a Deus enquanto causa destas; ao passo que a Revelação dá a Deus mesmo,
enquanto tal, à razão e mostra que todas as verdades decorrem dele. Ademais, a
razão tem limites quanto ao que pode conhecer de Deus: não pode alcançar sua
vida íntima; ao passo que a Revelação já nos dá, incoadamente, algo de sua vida íntima, ainda que por trás dos véus
da Fé. Não incorramos, pois, em certos erros do início da Teologia Sagrada, e corrigidos
até pelo magistério, ou seja: não façamos Platão reger a Bíblia, nem Moisés
dirigir a Academia.
E com isto
creio que se termina de responder a suas dúvidas, conquanto muito se tivesse de
dizer ainda acerca do assunto que nos ocupou.