terça-feira, 30 de junho de 2015

Ainda sobre a analogia (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Ainda insisto no tema da analogia porque a leitura de "Ente e Essência", por alguma razão, sempre me impele a isto.

RESPOSTA. Qualquer obra de Santo Tomás nos impele a isto, porque, com efeito, a analogia é central na doutrina tomista. Mas insista-se: Santo Tomás não nos deixou um tratado sistemático sobre a analogia; quem o fez foram diversos tomistas, discrepando não raro uns dos outros; mais ainda, às vezes um mesmo tomista mudou de perspectiva ao longo de seus estudos, como foi o caso de Santiago Ramírez O.P. É deste último, aliás, a obra em que melhor se encontra o estado da questão: a volumosa De analogia secundum doctrinam aristotelico-thomisticam. – De minha parte, repito: quanto à analogia, ainda tenteio, conquanto tenha já algumas hipóteses ou, digamos, “pré-conclusões”, nas quais discrepo de algum modo das soluções que já se deram a esta questão disputada. Não as devo porém antecipar, até porque não sei se de fato as manterei.

2) Na resposta anterior, o senhor expôs os diferentes tipos de analogia nesta ordem: primeiro a "analogia de atribuição intrínseca",  depois a "de atribuição extrínseca", seguida da "de proporcionalidade própria" e por último a "de proporcionalidade imprópria". Essa ordem de exposição não me pareceu aleatória, diga-me se acerto: intuo que a analogia de atribuição intrínseca esteja como que mais próxima da univocidade (embora com ela não se confunda) enquanto que a analogia de proporcionalidade imprópria esteja mais próxima da equivocidade propriamente dita (a propósito, é certo dizer que analogia é espécie de equivocidade na qual existe razão para a utilização do mesmo nome?). Então, naquela exposição, o senhor foi se afastando da univocidade (sem dela partir) rumo a equivocidade (sem nela chegar)? (Não sei se fui claro).

RESPOSTA. Não, a ordem não é aleatória. Está implícita às referidas “pré-conclusões”. Por outro lado, não me parece conveniente sua escala das diferentes espécies ou subespécies de analogia segundo certa proporcionalidade. Com efeito, como dito no curso, é antes de tudo por analogia de atribuição intrínseca que se devem pensar os diversos modos do ente, e, mais ainda, é antes de tudo por ela que melhor conhecemos a Deus. Santo Tomás, partindo da distinção geneticamente aristotélica entre esse ut actus (ser como ato) e essentia ut potentia (essência como potência), chegou, de início ainda com Aristóteles, à analogia de atribuição intrínseca entre os modos secundários ou secundum quid do ente (o ente em potência, o ente como verdadeiro, etc., o ente per accidens, os mesmos acidentes) e o modo principal do ente, ou seja, a substância, e com isso pôde fundar a analogia de mesmo tipo entre os modos criados do ente e o Ato Puro que é Ser – trata-se de sua doutrina da participação. Ora, nada mais perto da equivocidade que a analogia entre Deus e a criatura, e, no entanto, repita-se, trata-se aqui de analogia de atribuição intrínseca. Diz Santo Tomás, em algumas partes de sua obra, não só que entre a univocidade e a equivocidade há a analogia, senão que esta é uma espécie de equivocidade; mas em outras partes pode ler-se que se trata de univocidade imperfeita. Veja-se, aliás, o que diz o P. Calderón em seus Umbrales de la Filosofía: “Os análogos são conceitos de universalidade imperfeita”. E parece-me que tal oscilação tem sua razão de ser: com efeito, dependendo do ângulo que tomemos, havemos de pender para um ou para outro extremo. Quanto ainda à escala exposta por você, talvez se deva conceder apenas que a analogia de proporcionalidade imprópria se aproxima ainda mais ou grandemente da equivocidade. – Insisto porém em que este é assunto em que tão somente tenteio; e em que soluções como a de Mário Ferreira dos Santos,* apesar de atenderem a algo que parece óbvio, são antes simplistas, porque, com efeito, como diz o Padre Penido em sua A Função da Analogia em Teologia Dogmática, a própria analogia é análoga ou analógica.      




* O Brasileiro recorre, para explicar as diversas classes de analogia, à distinção entre razões qualitativas e razões quantitativas.