RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL
DO ALUNO
1) Vamos
ver se entendi agora [a complexa questão “ser” versus “existência”]. A existência é o ser enquanto predicado a
algo; nesse sentido, e apenas nesse, pode ser dito o “ser que se encontra
no juízo”. Quando digo, por exemplo, “meu cachorro é”, esse “ser” que
lhe predico é sua existência (é o que responde à questão an sit).
Essa existência eu a toco com os dedos – é concreta – e posso distingui-la
apenas gnosiologicamente (e não in re) da essência do ente, porque
quando abstraio a essência “cachorro” a separo (abstrativamente, e apenas
assim) da existência sensível do animal. De outro modo: a existência do cão
está nele realmente – vem dele, por assim dizer; não lhe é, como supunha
Platão, extrínseca.
RESPOSTA. Creio que está tudo perfeito, com talvez esta ressalva: salvo
engano, em Platão não está claro se a existência é uma ideia, à parte.
2) Já o esse
é o ser enquanto ato de ser que, participado ao ente, é a causa
da sua existência. Ele é distinguível in re (e não apenas
abstrativamente) da essência, porque é aquilo que, vindo de fora, por
assim dizer – ou participado “desde fora”, por Deus mesmo, ao ente –
atua a essência do ente e lhe dá existência.
RESPOSTA. Sim.
3) Em
suma: o esse está para a existência como a causa está para o efeito.
RESPOSTA. Pode dizer-se assim, de fato. Nada além de Deus seria
existente, teria existência, sem que Deus lhe participasse ou lhe tivesse participado
o ser ou ato de ser.
4) Disso
se segue que, propriamente, diz-se “existente” – ou seja, predica-se o
ser – daquilo que é em ato, embora o que é em potência possa ser
dito existente imperfeitamente, como explica Santo Tomás no trecho que o senhor
garimpou.
RESPOSTA. Perfeito. Digo apenas que não o garimpei, senão que o
encontrei sem querer em meu estudo do tratado dos anjos na Suma. Transcrevo-o para os demais alunos:
“Ad primum ergo dicendum quod motus ibi non sumitur secundum quod est actus
imperfecti, idest existentis in potentia; sed secundum quod est actus
perfercti, idest existentis in actu. Sic enim intelligere et sentire
dicuntur motus, ut dicitur in II de Anima” (Quanto ao primeiro
argumento, deve dizer-se que aí não se toma movimento considerado como ato
do imperfeito, isto é, do existente em potência; mas enquanto é ato
do perfeito, isto é, do existente em ato. Assim é que o inteligir e
o sentir são ditos movimento, como se diz no livro III de Anima) [S. Th., I, q. 58, a. 1, ad 1].
5) Se
tudo isso confere, resta-me apenas uma dúvida quanto ao seguinte trecho do Pe.
Calderón: “para confirmar a existência das essências abstratas, o intelecto
deve voltar aos fantasmas”.
RESPOSTA. Trata-se da conversio ad
phantasmata, ou seja, trata-se do voltar-se do intelecto para as imagens
sensíveis, das quais a luz agente abstrai as espécies inteligíveis para
imprimi-las no intelecto possível e reduzi-lo, assim, a ato. – Eu diria até
que, mais que “para confirmar a existência das essências abstratas”, o
intelecto se volta para o fantasma para conhecê-las.
São palavras de Santo Tomás: “Para que o intelecto conheça em ato seu objeto
próprio [ou seja, as essências], é preciso que se volte para os fantasmas a fim
de considerar a natureza universal existente
[veja-se outra vez o termo!] no particular” (S. Th., I, q. 84, a. 7, c.;
destaques meus).
6) Tomemos
a essência do ente irreal Esfinge como exemplo: posso dizê-la existente porque,
embora esse ente não exista sensivelmente, existe um fantasma em minha
imaginação que corresponde a tal essência. É isso que o Pe. Calderón quis
dizer?
RESPOSTA. Creio que não seja bem isso. Os fantasmas, antes de tudo e
mais propriamente, são-no dos existentes sensíveis. O fantasma da maçã, como
disse em alguma aula do curso, é a imagem resultante da paixão e da operação do
conjunto de nossos sentidos pela qual conhecemos os termos ou limites
sensíveis da maçã: a maçã pode ser entre vermelha e verde, entre doce e ácida,
entre suculenta e farinhenta, ter entre tal e tal tamanho, etc. É desta imagem
que a luz agente de nosso intelecto abstrai a espécie inteligível da maçã. E
assim para todos os entes sensíveis. – Quanto aos entes irreais, como o
unicórnio, por exemplo, ou a esfinge, naturalmente são criados pela imaginação
sem terem passado pelo processo por que passam os existentes: sua imagem não se
cria após a impressão de espécies sensíveis nos sentidos externos, pelo
trabalho de unificação do sentido comum, etc. Ou seja, não se trata de imagem
sensível ou fantasma em sentido mais próprio, nem pois de espécie inteligível em
sentido mais próprio. – Se insisto nisto é porque temo que se confunda fantasma
com ente irreal imaginado: fantasma ou imagem sensível é-o antes e mais propriamente dos entes reais.
7) Analogicamente,
poderíamos dizer que os fantasmas dos entes de razão são como os “corpos” dos
entes sensíveis, dos quais abstraímos sua essência; essência essa que não se
distingue deles – nem dos fantasmas, nem dos corpos – realmente. Confere?
RESPOSTA. Aqui há, parece, uma impropriedade: fantasma não é o mesmo que
imagem do “corpo” de ente sensível. Fantasma ou imagem sensível é-o dos termos
ou limites do conjunto das propriedades sensíveis de um ente, a maçã, ponha-se.
Veja-se o que se diz acima da mesma maçã. Se isto fica perfeitamente entendido,
então, sim, pode dizer-se que a imagem do unicórnio ou da esfinge é algo
análogo à imagem ou fantasma da maçã, etc.
8) Finalmente,
quanto aos entes suprassensíveis, conhecemos sua existência dedutivamente, por
um raciocínio quia a partir de seus efeitos sensíveis. Sim?
RESPOSTA. Sim, e isto vale,
mutatis mutandis, para Deus, para os anjos e para a alma humana: só os
conhecemos a posteriori, ou seja, a
partir dos efeitos de que são causa. Tal é assim porque nosso intelecto, unido
a um corpo, não pode alçar-se ao suprassensível senão a partir do sensível.