Alocução “Un ora”, 1952*
ÍNDICE
Introdução
Natureza e fundamentos das provas da existência de
Deus
Duas essenciais notas características do cosmo
A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade
a) no macrocosmo
b) no microcosmo
na esfera eletrônica
e no núcleo
O eternamente imutável
B) A direção das transformações
a) no macrocosmo: a lei da entropia
b) no microcosmo
C) O universo e seus desenvolvimentos
no futuro
no passado
D) O princípio no tempo
1. O distanciamento das nebulosas espirais ou
galáxias
2. A idade da crosta sólida da terra
3. A idade dos meteoritos
4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e
dos amontoados de estrelas
E) O estado e a qualidade da matéria originária
Conclusão
* * *
Na manhã de 22 de Novembro de 1951, o Santo Padre Pio XII, vindo de
Castel Gandolfo, concedeu uma audiência solene, na sala do Consistório, à
Academia Pontifícia de Ciências, por ocasião da “Semana de Estudo do problema
dos microssismos, organizada em Roma por esta Academia. Depois do discurso do
Santo Padre, o M. R. P. Agostinho Gemelli, Presidente da Academia Pontifícia de
Ciências, agradeceu ao Sumo Pontífice e fez menção, enumerando os seus
trabalhos particulares, dos acadêmicos pontifícios falecidos durante o ano.
Nossa tradução foi feita sobre o texto italiano aparecido em L’Osservatore
Romano a 23 de Novembro. Os subtítulos são do texto italiano, a numeração
marginal corresponde aos parágrafos do texto.
DISCURSO
dirigido, a 22 de Novembro de 1951,
à Pontifícia Academia das Ciências
Introdução
1. Uma hora de serena alegria, pela qual somos
grato ao Onipotente, é-Nos oferecida por esta reunião da Pontifícia Academia
das Ciências, e ao mesmo tempo dá-nos a grata oportunidade de palestrarmos com
um escol de eminentes Purpurados, de ilustres Diplomatas e de insignes
Personagens, e especialmente convosco, Acadêmicos Pontifícios, bem dignos da
solenidade desta assembléia, porquanto, indagando e desvendando os segredos da
natureza, e ensinando os homens a dirigirem para o seu bem as forças dela,
pregais ao mesmo tempo, com a linguagem dos algarismos, das fórmulas, dos
descobrimentos, as inefáveis harmonias do Deus sapientíssimo.
2. De fato, a ciência verdadeira, contrariamente a
arriscadas afirmações do passado, quanto mais avança tanto mais descobre Deus,
como se Ele estivesse vigiando à espera, por trás de cada porta que a ciência
abre. Antes, queremos dizer que, deste progressivo descobrimento de Deus,
operado nos incrementos do saber, não somente se beneficia o cientista, quando
pensa como filósofo — e como poderia abster-se disto?, — mas também tiram proveito
todos aqueles que participam dos novos achados ou os tomam para objeto das suas
considerações; e, de modo especial, tiram vantagem dele os genuínos filósofos,
visto como, tomando das conquistas científicas os impulsos para as suas
especulações racionais, daí auferem maior segurança nas suas conclusões, mais
claras ilustrações nas possíveis sombras, mais convincentes subsídios para dar
às dificuldades e às objeções uma resposta sempre mais satisfatória.
Natureza e fundamentos das provas da existência de
Deus
3. Assim movido e guiado, o intelecto humano vai ao
encontro dessa demonstração da existência de Deus que a sabedoria cristã
reconhece nos argumentos filosóficos, joeirados nos séculos de gigantes do
saber, e que para vós é bem conhecida na apresentação das “cinco vias” que o
Angélico Doutor S. Tomás oferece como itinerário expedito e seguro da mente a
Deus. Argumentos filosóficos, dissemos; mas nem por isto apriorísticos, como de
tal os acusa um ingeneroso e incoerente positivismo. Eles operam sobre
realidades concretas e certificadas pelos sentidos e pela ciência, mesmo se
força probante adquirem do vigor da razão natural.
4. De tal arte, filosofia e ciências
desenvolvem-se com atividades e métodos análogos e conciliáveis, valendo-se de
elementos empíricos e racionais em diversa medida e conspirando em harmônica
unidade para o descobrimento da verdade.
5. Mas, se a primitiva experiência dos antigos pôde
oferecer à razão argumentos suficientes para a demonstração da existência de
Deus, sucede que, com a ampliação e o aprofundamento do campo da própria
experiência, mais cintilante e mais nítido refulge agora o vestígio do
Eterno no mundo visível. Profícuo se afigura, pois, reexaminar, sobre a base
das novas descobertas científicas, as clássicas provas do Angélico,
especialmente as deduzidas do movimento e da ordem do universo (S. Th., 1 p.,
q. 2, art. 3); isto é, investigar se e quanto o conhecimento mais profundo da
estrutura do macrocosmo e do microcosmo contribui para reforçar os
argumentos filosóficos; e considerar depois, por outra parte, se e até que
ponto foram eles, como não raras vezes se afirma, abalados pelo fato de haver a
física moderna formulado novos princípios fundamentais, abolido ou modificado
conceitos antigos cujo sentido, no passado, era talvez julgado fixo e definitivo,
como, por exemplo, o tempo, o espaço, o movimento, a causalidade, a substância,
conceitos sumamente importantes para a questão que ora nos ocupa. Mais do que
de uma revisão das provas filosóficas, trata-se, pois, aqui de perscrutar as
bases físicas — e, por questão de tempo, deveremos necessariamente
restringir-Nos a algumas apenas, — das quais aqueles argumentos derivam. E não
há que temer surpresas: a própria ciência não pretende sair desse mundo que,
hoje como ontem, se apresenta com aqueles cinco “modos de ser”, dos quais toma
impulso e nervo a demonstração filosófica da existência de Deus.
Duas essenciais notas características do cosmo
6. Destes “modos de ser” do mundo que nos circunda,
modos notados com maior ou menor compreensão, mas com igual evidência, pelo
filósofo e pela inteligência comum, há dois que as ciências modernas
maravilhosamente sondaram, averiguaram e aprofundaram além de qualquer
expectativa: lº) a mutabilidade das coisas, inclusive o seu nascimento e o seu
fim; 2º) a ordem de finalidade que reluz em cada ângulo do cosmo. Notabilíssimo
é o contributo assim prestado pelas ciências às duas demonstrações filosóficas
que sobre elas versam e que constituem a primeira e a quinta vias. À primeira
delas, a física, especialmente, tem conferido uma inesgotável mina de
experiências, revelando o fato da mutabilidade em profundos recessos da
natureza, onde anteriormente nenhuma mente humana podia sequer suspeitar-lhe a
existência e a amplitude, e fornecendo uma multiplicidade de fatos empíricos
que são um valiosíssimo subsídio para o raciocínio filosófico. Dizemos subsídio
porque, ao contrário, a direção das mesmas transformações, embora certificadas
pela física moderna, parece-Nos superar o valor de uma simples confirmação, e
como que atinge a estrutura e o grau de um argumento físico em grande parte
novo e, para muitas mentes, mais aceitável, persuasivo e agradável.
7. Com semelhantes riquezas, as ciências,
especialmente as astronômicas e biológicas, têm, nos últimos tempos,
proporcionado ao argumento da ordem um tal acervo de conhecimentos e uma tal
visão, por assim dizer inebriante, da unidade conceitual que anima o cosmo e da
finalidade que lhe dirige o caminho, que destarte antecipa ao homem moderno
aquele gáudio que o Poeta imaginava no céu empíreo, quando viu como em Deus “se
interna — ligado com amor num só volume — o que pelo universo se folheia”
(Paraíso 33, 85-87).
8. Todavia, a Providência dispôs que a noção de
Deus, tão essencial à vida de cada homem, como facilmente se pode inferir de um
simples olhar lançado sobre o mundo, que não lhe compreender a voz é estultícia
(cf. Sab 13, 1-2), assim receba confirmação de todo aprofundamento e progresso
dos conhecimentos científicos.
9. Querendo, pois, dar aqui uma rápida amostra do
precioso serviço que as ciências modernas prestam à demonstração da existência
de Deus, restringir-Nos-emos primeiramente ao fato das mutações, realçando-lhe
principalmente a amplitude, a vastidão e, por assim dizer, a totalidade que a
física moderna verifica no cosmo inanimado; depois, deter-Nos-emos sobre o
significado da direção delas, qual ficou igualmente certificada. Será como que
prestar ouvido a um pequeno concerto do imenso universo, que, entretanto, tem
voz bastante para cantar “a glória d'Aquele que tudo move” (Par. 1, 1).
A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade
a) no macrocosmo:
10. Ao primeiro aspecto, justamente causa admiração
o ver como, à medida que as ciências têm progredido, o conhecimento do fato da
mutabilidade tem ganho sempre maior terreno tanto no macrocosmo como no
microcosmo, como que confirmando com novas provas a teoria de Heráclito: “Tudo
passa”: panta rhei. Como é conhecido, a própria experiência cotidiana
mostra uma ingente quantidade de transformações no mundo próximo ou remoto que
nos circunda, sobretudo os movimentos locais dos corpos. Mas, além destes
verdadeiros e próprios movimentos locais, são, do mesmo modo, facilmente
visíveis as multiformes mudanças químico-físicas, por exemplo a mutação do
estado físico da água nas suas três fases de vapor, líquido e gelo; os
profundos efeitos químicos mediante o uso do fogo, cujo conhecimento remonta à
idade pré-histórica; a desagregação das pedras e a corrupção dos corpos
vegetais e animais. A tal experiência comum veio juntar-se a ciência natural,
que ensinou a compreender estes e outros semelhantes acontecimentos como
processos de destruição ou de construção das substâncias corpóreas nos seus
elementos químicos, ou seja nas suas mais pequenas partes, os átomos químicos.
Antes, indo mais além, ela tornou manifesto como esta mutabilidade
químico-física de modo algum se restringe aos corpos terrestres, como era a
crença dos antigos, mas se estende a todos os corpos do nosso sistema solar e
do grande universo, que o telescópio, e ainda melhor o espectroscópio, têm
mostrado serem formados pelas mesmas espécies de átomos.
b) no microcosmo:
11. Contra a indiscutível mutabilidade da natureza
mesmo inanimada, ainda se erguia, contudo, o enigma do inexplorado microcosmo.
De feito, parecia que, diferentemente do mundo animado, a matéria inorgânica
fosse, em certo sentido, imutável. As suas mais pequenas partes, os átomos
químicos, podiam, sim, unir-se entre si nos mais diversos modos, porém pareciam
gozar do privilégio de uma eterna estabilidade e indestrutibilidade, saindo
inalterados de qualquer síntese e análise química. Há cem anos atrás, eles
ainda eram julgados simples, indivisíveis e indestrutíveis partículas
elementares. O mesmo se pensava das energias e das forças materiais do cosmo,
sobretudo com base nas leis fundamentais da conservação da massa e da energia.
Alguns naturalistas julgavam-se até autorizados a formular em nome da sua
ciência uma fantástica filosofia monista, cuja triste lembrança está ligada,
entre outros, ao nome de Ernst Haeckel. Porém mesmo no seu tempo, em fins do
século passado, também esta concepção simplista do átomo químico foi
transtornada pela ciência moderna. O crescente conhecimento do sistema periódico
dos elementos químicos, o descobrimento das irradiações corpusculares dos
elementos radioativos, e muitos outros fatos semelhantes, mostraram que o
microcosmo do átomo químico, com dimensões da ordem do décimo milionésimo de
milímetro, é teatro de contínuas mutações, não menos que o macrocosmo por todos
bem conhecido.
na esfera eletrônica:
12. E, primeiramente, o caráter da mutabilidade foi
verificado na esfera eletrônica. Da estrutura eletrônica do átomo emanam
irradiações de luz e de calor que são absorvidas pelos corpos externos,
correspondentemente ao nível de energia das órbitas eletrônicas. Nas partes
exteriores desta esfera efetua-se também a ionização do átomo e a transformação
da energia na síntese e na análise das combinações químicas. Mas então podia-se
supor que estas transformações químico-físicas ainda deixassem um refúgio à
estabilidade, não atingindo o próprio núcleo do átomo, sede da massa e da carga
elétrica positiva, pelas quais é determinado o lugar do átomo químico no
sistema natural dos elementos, e onde pareceu encontrar-se como que o tipo do
absolutamente estável e invariável.
e no núcleo.
13. Mas já nos albores do novo século, a observação
dos processos radioativos, a atribuir-se, em última análise, a uma espontânea
desintegração do núcleo, leva a excluir um tal tipo. Verificada, pois, a
instabilidade até no mais profundo recesso da natureza conhecida, restava
todavia um fato que deixava perplexos os observadores, parecendo que o átomo
era inatacável ao menos pelas forças humanas, visto haverem, em princípio,
falhado todas as tentativas de lhes acelerar ou deter a natural desagregação
radioativa, ou mesmo de desintegrar núcleos não-ativos. A primeira e assaz
modesta desintegração do núcleo (de azoto) remonta a apenas três decênios; e só
há poucos anos, após ingentes esforços, foi possível efetuar em consideráveis
quantidades processos de formação e de decomposição de núcleos. Embora este
resultado (que, quando serve às obras de paz, certamente se erige em título de
louvor para o nosso século) não represente no campo da física nuclear prática
senão um primeiro passo, todavia com ele é assegurada para a nossa consideração
uma importante conclusão: os núcleos atômicos são, realmente, para muitas
ordens de grandeza, mais firmes e mais estáveis do que as composições químicas
ordinárias, porém, não obstante isto, são também maximamente sujeitos a
semelhantes leis de transformação e, portanto, mutáveis.
14. Ao mesmo tempo, pôde-se verificar que tais
processos têm a maior importância na economia da energia das estrelas fixas. No
centro do nosso sol, por exemplo, opera-se, segundo Bethe, numa temperatura que
gira em torno dos vinte milhões de graus, uma reação em cadeia fechada, na qual
quatro núcleos de hidrogênio se unem num núcleo de hélio. A energia que assim
se libera vem a compensar a perda devida à irradiação do próprio sol. Mesmo nos
modernos laboratórios físicos consegue-se, mediante o bombardeio com partículas
dotadas de altíssima energia ou com neurônios, efetuar transformações de
núcleos, como se pode ver no exemplo do átomo de urânio. A este propósito,
cumpre outrossim mencionar os efeitos da radiação cósmica, que pode desagregar
os átomos mais pesados, desprendendo assim, não raras vezes, enxames inteiros
de partículas subatômicas.
15. Quisemos citar apenas poucos exemplos, capazes
entretanto de pôr fora de qualquer dúvida a expressa mutabilidade do mundo
inorgânico, grande e pequeno: as múltiplas transformações das formas de
energia, especialmente nas decomposições e combinações químicas no macrocosmo;
e, não menos, a mutabilidade dos átomos químicos até à partícula subatômica dos
seus núcleos.
O eternamente imutável
16. O cientista de hoje, mergulhando o olhar no
interior da natureza mais profundamente do que o seu predecessor de cem anos
atrás, sabe, pois, que a matéria inorgânica, por assim dizer na sua medula mais
íntima, está marcada com o cunho da mutabilidade, e que portanto o seu ser e o
seu subsistir exigem uma realidade inteiramente diversa e, por sua natureza,
invariável.
17. Assim como num quadro em claro-escuro as
figuras ressaltam do fundo escuro, só desse modo obtendo o pleno efeito de
plástica e de vida, assim também a imagem do eternamente imutável emerge, clara
e esplendente, da torrente que, no macro e no microcosmo, arrebata consigo
todas as coisas e as transtorna numa intrínseca mutabilidade que nunca pára. O
cientista que se detém à margem dessa imensa torrente, acha repouso naquele
grito de verdade com que Deus se definiu a si mesmo: “Eu sou quem sou” (êx 3, 14), e que o Apóstolo louva como
“Pater luminum, apud quem non est transmutatio neque vicissitudinis
obumbratio” (Tgo 1, 17).
B) A direção das transformações
a) no macrocosmo: a lei da entropia.[1]
18. Mas a
ciência moderna não somente alargou e aprofundou os nossos conhecimentos sobre
a realidade e a amplitude da mutabilidade do cosmo; oferece-nos também
preciosas indicações acerca da direção segundo a qual se realizam os processos
na natureza. Ao passo que, ainda há cem anos, especialmente depois do
descobrimento da lei da constância, se pensava que os processos naturais fossem
reversíveis, e, por isto, segundo os princípios da estrita causalidade — ou,
melhor, determinação — da natureza, considerava-se possível uma sempre
ocorrente renovação e rejuvenescimento do cosmo; com a lei da entropia,
descoberta graças a Rodolfo Clausius, veio-se a conhecer que os processos
naturais espontâneos estão sempre unidos a uma diminuição da energia
livre e utilizável; o que, num sistema material fechado, deve conduzir
finalmente à cessação dos processos em escala macroscópica. Este destino fatal,
que somente hipóteses às vezes sobejamente gratuitas, como a da criação
contínua supletiva, se esforçam por poupar ao universo, mas que, ao invés,
ressalta da experiência científica, postula eloqüentemente a existência de um
Ente necessário.
b) no
microcosmo:
19. No microcosmo, esta lei, estatística no fundo,
não tem aplicação, e, além disto, ao tempo da sua formulação quase nada se
conhecia da estrutura e do comportamento do átomo. Todavia, a mais recente
investigação sobre o átomo, e outrossim o inesperado desenvolvimento da
astrofísica, possibilitaram neste campo surpreendentes descobrimentos. O
resultado não pode ser aqui senão brevemente indicado, e é que também ao desenvolvimento
atômico e intra-atômico é claramente consignado um sentido de direção.
20. Para ilustrar este fato, bastará recorrer ao já
mencionado exemplo do comportamento das energias solares. A estrutura
eletrônica dos átomos químicos na fotosfera do sol desprende, a cada
segundo, uma gigantesca quantidade de energia radiante no espaço circunstante,
do qual não retorna. A perda é compensada no interior do sol por meio da
formação de hélio de hidrogênio. A energia que com isto se torna livre provém
da massa dos núcleos de hidrogênio, a qual, neste processo, em pequena parte
(7%) se converte em energia equivalente. O processo de compensação
desenvolve-se, pois, a expensas da energia, que originariamente, nos núcleos de
hidrogênio, existe como massa. Assim, no curso de bilhões de anos, lenta mas
irreparavelmente, tal energia transforma-se em radiações. Coisa semelhante
acontece em todos os processos radioativos, quer naturais, quer artificiais.
Mesmo aqui, pois, no estrito e próprio microcosmo, verificamos uma lei que
indica a direção da evolução, e que é análoga à lei da entropia no macrocosmo.
A direção da evolução espontânea é determinada mediante a diminuição da energia
utilizável na estrutura e no núcleo do átomo, e até agora não se conhecem
processos capazes de compensar ou de anular tal degradação, por meio da
formação espontânea de núcleos de alto valor energético.
C) O universo e seus desenvolvimentos
no futuro:
21. Portanto, se o cientista volve o olhar do
estado presente do universo para o futuro, mesmo remotíssimo, vê-se forçado a
verificar, no macrocosmo como no microcosmo, o envelhecimento do mundo. No
curso de bilhões de anos, até mesmo as quantidades de núcleos atômicos
aparentemente inesgotáveis perdem energia utilizável, e, para falar
figuradamente, a matéria aproxima-se de um vulcão extinto e escoriforme. E vem
a pêlo pensar que, se o cosmo presente, hoje tão pulsante de ritmos e de vida,
não é suficiente para, como se viu, dar razão de si, tanto menos poderá fazê-lo
o cosmo sobre o qual houver passado, a seu modo, a asa da morte.
no passado:
22. Voltemos agora o olhar para o passado. À medida
que se retrocede, a matéria apresenta-se sempre mais rica de energia livre, e
teatro de grandes transtornos cósmicos. Assim, tudo parece indicar que o
universo material teve, desde tempos finitos, um poderoso início, provido como
estava de uma abundância inimaginavelmente grande de reservas energéticas, em
virtude das quais, primeiro rapidamente, depois com crescente lentidão, evolveu
para o estado presente.
23. Apresentam-se, pois, espontâneos, à mente, dois
quesitos: Está a ciência em condições de dizer quando teve lugar esse poderoso
princípio do cosmo? E qual era o estado inicial, primitivo, do universo?
24. Os mais excelentes peritos da física do átomo,
em colaboração com os astrônomos e com os astrofísicos, têm-se esforçado por
fazer luz sobre estes dois árduos, mas sobremodo interessantes problemas.
D) O princípio no tempo
25. Antes de tudo, para citar algumas cifras, que
nada pretendem senão exprimir uma ordem de grandeza ao designar o alvorecer do
nosso universo, isto é, o seu princípio no tempo, a ciência dispõe de várias
vias, cada uma bastante independente da outra, mas no entanto convergentes, as
quais brevemente indicamos:
1. O distanciamento das nebulosas espirais ou galáxias.
26. O exame de numerosas nebulosas espirais,
executado especialmente por Edwin E. Hubble no Mount Wilson Observatory, levou
ao significativo resultado — embora temperado de reservas — de que esses
longínquos sistemas de galáxias tendem a distanciar-se uma da outra com tanta
velocidade, que o intervalo entre duas dessas nebulosas espirais em cerca de
1300 milhões de anos se duplica. Se se olha, atrás, o tempo deste processo do “Expanding
Universe”, resulta que, de um a dez bilhões de anos passados, a matéria de
todas as nebulosas espirais achava-se comprimida num espaço relativamente
restrito quando os processos cósmicos tiveram princípio.
2. A idade da crosta sólida da terra.
27. Para calcular a idade das substâncias
originárias radioativas, datas muito aproximativas se deduzem da transmutação
do isótopo do urânio 238 num isótopo de chumbo (RaG), do urânio 235 em actínio
D (AcD) e do isótopo de tório 232 em tório D (ThD). A massa de hélio que com
isto se forma pode servir de controle. Por tal via, resultaria que a idade
média dos minerais mais antigos é, no máximo, de 5 bilhões de anos.
3. A idade dos meteoritos.
28. O método precedente aplicado aos meteoritos,
para lhes calcular a idade, deu aproximadamente a mesma cifra de 5 bilhões de
anos. Resultado este que adquire especial importância desde quando hoje em dia
é geralmente admitida a origem interestelar dos meteoritos.
4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e
dos amontoados de estrelas.
29. As oscilações da gravitação dentro destes
sistemas, como o atrito das marés, restringem de novo a estabilidade deles para
entre os termos de 5 até 10 bilhões de anos.
30. Se estas cifras podem causar estupor, todavia
nem mesmo ao mais simples dos crentes trazem elas um conceito novo e diverso do
ensinado pelas primeiras palavras do Gênese “In principio”, ou seja o
início das coisas no tempo. A essas palavras elas dão uma expressão
concreta e quase matemática, enquanto um conforto a mais brota delas para
aqueles que compartilham com o Apóstolo a estima para com essa Escritura,
divinamente inspirada, a qual é sempre útil “ad docendum, ad
arguendum, ad corripiendum, ad erudiendum” (2 Tim 3, 16).
E) O estado e a qualidade da matéria originária
31. Com igual empenho e liberdade de indagação e de
verificação, além de à questão sobre a idade do cosmo os doutos aplicaram o seu
audaz engenho à outra, já apontada, e certamente mais árdua, que concerne ao
estado e à qualidade da matéria primitiva.
32. Segundo as teorias que se tomam por base, os
relativos cálculos diferem não pouco uns dos outros. Contudo, concordam os
cientistas em admitir que, ao lado da massa, também a densidade, a pressão e a
temperatura devem ter atingido graus totalmente enormes, como se pode ver no
recente trabalho de A. Unsöld, diretor do Observatório de Kiel (Kernphysik
und Kosmologie, na Zeitschrift für Astrophysik, 24. B., 1948, pp.
278-305). Só em tais condições se pode compreender a formação dos núcleos
pesados e a sua freqüência relativa no sistema periódico dos elementos.
33. Por outro lado, com razão a mente ávida de
verdade insiste em perguntar como foi que a matéria chegou a um estado tão
inverossímil para a nossa comum experiência de hoje, e que foi que a precedeu.
Em vão se esperaria uma resposta da ciência natural, a qual antes lealmente
declara achar-se em face de um enigma insolúvel. Bem verdade é que demasiado se
exigiria da ciência natural como tal; mas certo é também que mais profundamente
penetra no problema o espírito humano versado na meditação filosófica.
34. É inegável que uma mente iluminada e
enriquecida pelos modernos conhecimentos científicos, a qual pondere
serenamente este problema, é levada a romper o círculo de uma matéria
totalmente independente e autóctona, ou porque incriada, ou porque criada por
si, e a remontar a um Espírito criador. Com o mesmo olhar límpido e crítico com
que examina e julga os fatos, entrevê ela e reconhece aí a obra da onipotência
criadora, cuja virtude, agitada pelo potente “fiat” pronunciado há bilhões de
anos pelo Espírito criador, se desenvolveu no universo, chamando à existência,
com um gesto de amor generoso, a matéria exuberante de energia. Parece,
realmente, que a ciência hodierna, saltando de um pulo milhões de séculos,
conseguiu fazer-se testemunha desse primordial “Fiat lux”, quando do nada
prorrompeu, com a matéria, um mar de luz e de radiações, enquanto as partículas
dos elementos químicos se cindiram e se reuniram em milhões de galáxias.
35. Bem verdade é que, da criação no tempo, os
fatos até aqui averiguados não são argumento de prova absoluta, como são, ao
contrário, os atingidos pela metafísica e pela revelação, naquilo que concerne
à simples criação, e pela revelação se se trata de criação no tempo. Os fatos
pertinentes às ciências naturais, a que Nos havemos referido, aguardam ainda
maiores indagações e confirmações, e as teorias fundadas neles precisam de
novos desenvolvimentos e provas, para oferecerem uma base segura a uma
argumentação que, por si, está fora da esfera própria das ciências naturais.
36. Não obstante isto, é digno de atenção que
modernos cultores destas ciências considerem a idéia da criação do universo
inteiramente conciliável com a sua concepção científica, e que, antes, a ela
são eles espontaneamente conduzidos pelas suas investigações; ao passo que,
ainda há poucos decênios, uma tal “hipótese” era repelida como absolutamente
inconciliável com o estado presente da ciência. Ainda em 1911 o célebre físico Svante
Arrehnius declarava que “a opinião de que alguma coisa possa nascer do nada
está em contraste com o estado presente da ciência, segundo a qual a matéria é
imutável” (Die Vorstellung vom Weltgebäude im Wandel der Zeiten, 1911,
p. 362). De igual modo, é de Plate a afirmação: “A matéria existe. Do
nada não nasce nada: por conseqüência, a matéria é eterna. Não podemos admitir
a criação da matéria” (Ultramontane Weltanschauung und moderne Lebenskunde, 1907,
p. 55).
37. Quão diverso e mais fiel espelho de imensas
visões é, ao contrário, a linguagem de um moderno cientista de primeira ordem,
Sir Edmund Whittaker, Acadêmico Pontifício, quando fala das supracitadas
investigações em torno da idade do mundo: “Estes diferentes cálculos convergem
para a conclusão de ter havido uma época, cerca de 109 ou 1010
anos atrás, antes da qual o cosmo, se existia, existia de forma totalmente
diversa de qualquer coisa por nós conhecida: de modo que ela representa o
último limite da ciência. Podemos, talvez, sem impropriedade, referir-nos a ela
como à criação. Ela fornece um concordante fundo à visão do mundo que é
sugerida pela evidência geológica, isto é, de que todo organismo existente na
terra teve um princípio no tempo. Se este resultado devesse ser confirmado por
futuras investigações, bem poderia vir a ser considerado como a mais importante
descoberta da nossa época, visto representar uma mudança fundamental na
concepção científica do universo, semelhante à efetuada, há quatro séculos, por
obra de Copérnico” (Space and Spirit, 1946, pp. 118-119).
Conclusão
38. Qual é, pois, a importância da ciência moderna
relativamente ao argumento, em prova da existência de Deus, deduzido da
mutabilidade do cosmo? Por meio de indagações exatas e particularizadas no
macrocosmo e no microcosmo, ela alargou e aprofundou consideravelmente o
fundamento empírico em que aquele argumento se baseia, e do qual se conclui
para a existência de um Ens a se, imutável por sua natureza. Além disto,
ela seguiu o curso e a direção dos desenvolvimentos cósmicos, e, assim como
lhes entreviu o termo fatal, assim também apontou o início deles num tempo de
cerca de 5 bilhões de anos atrás, confirmando, com a positividade própria das
provas físicas, a contingência do universo e a fundada dedução de que por
aquela época o cosmo tenha saído das mãos do Criador.
39. A criação no tempo, pois; e, por isto, um
Criador; portanto Deus! É esta a voz, conquanto não explícita nem completa, que
Nós pedíamos à ciência, e que a presente geração humana espera dela. É voz que
irrompe da madura e serena consideração de um só aspecto do universo, vale
dizer da sua mutabilidade; mas já é suficiente para que a humanidade inteira,
ápice e expressão racional do macrocosmo e do microcosmo, tomando consciência
do seu alto Criador, se sinta coisa d'Ele no espaço e no tempo, e, caindo de
joelhos diante da sua soberana Majestade, comece a lhe invocar o nome: “Rerum,
Deus, tenax vigor, — immotus in te permanens, — lucis diurnae
tempora — successibus determinans” (ex Hymn. ad Nonam).
40. O conhecimento de Deus como único Criador,
conhecimento comum a muitos cientistas modernos, é, de certo, o extremo limite
a que pode chegar a razão natural; mas — como bem sabeis — não constitui a
última fronteira da verdade. Do mesmo Criador, encontrado pela ciência no seu
caminho, a filosofia, e muito mais a revelação, em harmônica colaboração, por
serem todas três instrumentos da verdade como raios do mesmo sol, contemplam a
substância, desvendam os contornos, reproduzem os traços. Sobretudo a revelação
torna a presença dele quase imediata, vivificante, amorosa, qual a que o
simples crente ou o cientista notam no íntimo do seu espírito, quando repetem
sem vacilação as concisas palavras do antigo Símbolo dos Apóstolos: “Credo
in Deum, Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae!”
41. Hoje, depois de tantos séculos de civilização,
porque séculos de religião, não é que se faça mister descobrir pela primeira
vez a Deus, quando, antes, urge senti-lo como Pai, venerá-lo como Legislador,
temê-lo como Juiz; para salvação dos povos urge que eles adorem o Filho,
amoroso Redentor dos homens, e se dobrem aos suaves impulsos do Espírito,
fecundo Santificador das almas.
42. Esta persuasão, que da ciência tira os seus
longínquos impulsos, é coroada pela fé, a qual, se sempre mais radicada na
consciência dos povos, poderá deveras trazer um progresso fundamental ao curso
da civilização.
43. É uma visão do todo, do presente como do
futuro, da matéria como do espírito, do tempo como da eternidade, que,
iluminando as mentes, poupará aos homens de hoje uma longa noite de tempestade.
44. É aquela fé que neste momento Nos faz elevar,
Àquele que ainda há pouco invocamos como Vigor, Immotus e Pater,
a fervorosa súplica por todos os seus filhos a Nós dados em custódia: “Largire
lumen vespere, — quo vita nusquam decidat” (1. c.): luz para a vida
do tempo, luz para a vida da eternidade.
Pio XII
Pio XII
* Editora
Vozes Ltda., Petrópolis, R. J., Rio de Janeiro — São Paulo. Imprimatur
por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra,
Bispo de Petrópolis. Frei Lauro Ostermann, O. F. M. Petrópolis, 1-II-1952.
Tradução de Luís Leal Ferreira.
[1] A entropia
(do grego εντροπία, entropía) é uma grandeza termodinâmica
geralmente associada ao grau de desordem. Ela mede a parte da energia que não
pode ser transformada em trabalho. É uma função de estado cujo valor cresce
durante um processo natural em um sistema fechado. A entropia cresce quando o
corpo recebe calor; diminui, quando escapa calor. Rodolfo Clausius (1822-1888)
é um físico alemão, que estudou sobretudo as teorias relativas ao calor dos
corpos. Reduziu as leis fundamentais do calor às leis mecânicas e introduziu no
estudo das transformações termodinâmicas a nova função da entropia. Publicou
entre outros um livro intitulado: “Teoria mecânica do calor”.