segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Informe dos trabalhos atuais de Carlos Nougué

                                                                                                                                 Carlos Nougué

1) Proximamente, meu novo curso online de 12 aulas, "Fé Ciência": https://www.estudostomistas.com.br/2024/11/fe-e-ciencia-o-novo-curso-online-de.html .

2) Entre o fim deste ano e o início do próximo, Thiago Magalhães lançará um gordo livro sobre Ética e Metafísica, com escritos de numerosos autores, incluindo o meu "O Jusnaturalismo de Santo Tomás Não É Naturalista".

3) Sem dúvida até o fim de dezembro entregarei à Contra Errores os originais daquele que talvez seja meu livro mais extenso, de lógica: "Do Verbo Mental ao Verbo Escrito".

4) Provavelmente até março do ano que vem entregarei enfim às Edições Santo Tomás os originais de meu "Comentário ao Apocalipse".

5) Logo depois, pelas Edições Santo Tomás, sairá meu livro "O Sextivium", uma resposta tanto à teoria dos 4 discursos de Olavo de Carvalho como aos defensores da manutenção das antigas 7 Artes Liberais e ao rigorismo literário de Monsenhor Gaume.  

6) Em seguida, ainda não sei por que editora, lançarei o livro: "Anjos ou Quimeras?", um desnudamento da imensa tolice que é o livro de Raimundo Lúlio sobre os anjos.

Observação: tudo isto, naturalmente, se Deus o quiser.

7) Ademais, continuam em pleno vigor meus cursos online mais longos:

a) a Escola Tomista, de 5 anos, já totalmente gravado (são 267 aulas);

b) Uma História Tomista da Filosofia, de 3 anos, que já tem cerca de 2/3 de suas aulas gravadas;

c) o Comentário à "Suma Teológica" artigo a artigo", de 4 anos, de que vai ao ar esta semana a nona aula.

8) Sairão proximamente pelo Instituo Verdade duas traduções minhas: "Da Concordância dos Evangelistas", admirável obra de Santo Agostinho, e a nova edição do "Compêndio de Teologia", essa pérola de Santo Tomás.

Minha plataforma de cursos: https://cursos.estudostomistas.org/ , onde se encontram não só os referidos cursos longos, mas multidão de outros, muitos dos quais gratuitos.

Meu canal do Youtube (com 195 vídeos): https://www.youtube.com/c/CarlosNougu%C3%A9Tomismo .

domingo, 10 de novembro de 2024

O modo iníquo de agir de um verdadeiro bando

 Carlos Nougué

Entro a escrever estas linhas sentindo lástima, por duas razões: primeira, porque me tira um tempo que eu poderia estar usando para seguir na escrita dos dois livros que estou terminando agora; e porque é assunto por si mesmo demasiado desagradável. Mas, ainda que pedindo perdão a seus possíveis leitores em especial por sua extensão, devo fazê-lo sobretudo porque se trata de defender o tomismo, essa doutrina que, como disse Pio XI, é a única que a Igreja fez sua.

Histórico

Há uns quatro ou cinco anos, dois jovens que se diziam tomistas e que me pareceram filosoficamente promissores procuraram-me, e não hesitei em divulgá-los. Sucede porém que pouco depois o que parecia ser o líder, Carlos Alberto, mostrou-se verdadeiramente como neomodernista ao defender contra mim que os islâmicos e os cristãos têm o mesmo Deus. Em livro, publiquei dois opúsculos meus (um fundado em artigo internacional da FSSPX) em que julgo mostrar suficientemente a falsidade de tal asserção ao explicar o mesmo islã. Depois, ainda escrevi um artigo para meu blog Estudos Tomistas em que refutava expressamente a Carlos Alberto quanto a isto; mas acabei por suprimir a referência expressa a ele por julgar que ele não estava à altura de obter resposta minha. Mas insistiram e insistiram em que lhe respondesse, e insisti e insisti em minha postura de não fazê-lo, a qual se deve a algo de que já falarei; e então começaram da parte deles as “gracinhas”: eu era o “tomista autêntico”, e, dos dois tomistas com que mais me identifico, o Padre Cornelio Fabro – o maior metafísico do século XX – passou a ser “palpiteiro”, e o Padre Álvaro Calderón “caldeirão”! E então, além de considerar que um homem como eu, de 68 ou 69 anos então, autor de vários livros e professor de pós-graduações e de multidão de cursos tomistas próprios, três dos quais duram entre três e cinco anos, não deveria rebaixar-me a debater na Internet com “engraçadinhos” que, além de não terem nada de seu além de seu “gogó”, perdoem-me a palavra não nobre, eram tão talentosos que se aviltavam fazendo piadinhas juvenis e dando apelidozinhos tão infames aos que, vejam só, eles consideravam fossem inferiores a eles.

Depois porém de um largo período em que por razões graves de saúde pouco apareci na Internet, este ano, 2024, com a saúde bem mais estável, voltei a gravar muitos vídeos para meu canal do Youtube, a lançar escritos pela Contra Errores, e a escrever os referidos dois livros, um para a Contra Errores (Do Verbo Mental ao Verbo Escrito) e o outro para as Edições Santo Tomás (Comentário ao Apocalipse), ambos os quais, como anunciado publicamente, se lançarão se Deus quiser no primeiro semestre de 2025. Ora, isto fez crescer os olhos do grupo, agora mais amplo, de Carlos Alberto, cujos membros passaram a invadir todos os meus espaços, ou espaços em que participava, como o podcast de Marcelo Andrade e o do Bacon podcast, para EXIGIR, nada menos que exigir agressiva e grosseiramente, que eu debatesse publicamente com Carlos Alberto. Sucede porém que Carlos Alberto já nem sequer é tomista, mas luliano (voltarei a isto), e eu disse, sem dúvida retoricamente, no final do podcast com Marcelo Andrade que se ele ao menos fosse scotista eu debateria; mas não com um seguidor de um tardomedieval, Raimundo Lúlio, cuja vida pode até ser beata, e o é, e cuja obra até pode ser numerosa, mas cuja doutrina é tão insignificante que seu nome nem sequer aparece na maioria das Histórias da Filosofia. Pronto, foi o bastante: agora se ergueu um membro que eu desconhecia do grupo de Carlos Alberto, um certo Fugita, tão jovem como aquele (devem beirar os 28 anos), a defender Duns Scot e a desafiar-me a debater com ele na Internet. Mais que isso, muito mais: agora, verdadeiro bando de ignorantes grosseiros e ofensivos passaram a invadir meus espaços a exigir que eu debatesse com o novo mestre de seu grupo, um rapaz que depois vi nem sequer é scotista, mas luliano! e que só apareceu como defensor de Scot para eu morder seu anzol.  

Mas a coisa não terminou aí. Como eu respondo a todos os comentários em meus vídeos do Youtube, um dia apareceu uma tropa carlos-albertiana ou, sei lá, fugitiana a acusar-me de ter plagiado um texto de Fraile, em sua História da Filosofia, num vídeo sobre Duns Scot. No meio do fogo cruzado, disse que, sim, havia seguido a Fraile neste vídeo, mas que o tinha feito de memória. Algum sectário seu tirou um print do que eu dissera, e isso foi o bastante para Fugita gravar um vídeo em que mostra que eu não o fizera de memória e que, portanto, “estava provada a minha desonestidade” (voltarei também a isto). Depois, como o lema “Nougué é desonesto” perdeu um pouco o calor do momento, passou Fugita e seu bando a criticar todos os meus vídeos, sem deixar de invadir meus espaços para exigir, sempre agressiva e grosseiramente e o mais das vezes sob ridículos pseudônimos, que eu debatesse com ele, com este Doutor da Internet.  

Baste o dito como histórico.

POR QUE NÃO DEBATO COM CARLOS ALBERTO

NEM COM FUGITA

Ponha-se antes de tudo que jamais debaterei com eles de modo algum. Mas digo depois que debates de Internet absolutamente não esclarecem nada; ao contrário, lançam trevas. São como os debates eleitorais entre candidatos, e não vejo nada mais expressivo e emblemático para retratá-los que a cadeirada dada por um candidato em outro recentemente. Como acontece nestes debates entre candidatos, ganham os debates “filosóficos” de Internet não necessariamente os que têm razão, mas quase sempre os que melhor sabem fingir que têm razão. É a retórica a serviço do mal, a mesma retórica que Platão tanto vituperou.

Ademais, sem querer dizer que o fato de alguém ter lançado uma vasta obra escrita necessariamente implique que ele tenha razão, o fato é que não lançar nenhum obra escrita depõe contra quem se queira superior filosoficamente. É que, como dizia Santo Tomás, mais nobre que contemplar a verdade é divulgar o contemplado, o que é próprio da caridade. E nenhum desses dois rapazes jamais publicou mais que algumas linhas e vídeos na Internet. Ora, com os dois livros que lançarei em 2025 eu terei cerca de 4.000 páginas de livro publicadas, em 12 volumes, sem contar que a transcrição de minhas sempre objetivas aulas ministradas ao longo de uma década pode ser encadernada em várias volumes que totalizam cerca de 7.000 páginas.

Ademais, tenho 72 anos, e algumas doenças crônicas graves. Como eu me exporia a debater com pessoas tão jovens e com uma espécie de furor debatedor, no ambiente turvo e nada idôneo dos debates de Internet? Como sempre disse aos do referido bando a respeito de seus dois líderes, cresçam e apareçam, ou seja, tenham uma vasta obra publicada e terão de mim certo respeito, o mesmo que tenho para com os filósofos adversários do tomismo que têm uma obra considerável. Mas certo respeito não é adesão, nem muito menos implica que eu vá debater de qualquer forma com tais sumidades – sempre adversários. Tenho mais que fazer, e como disse a um sectário desse bando: Vão ver se estou lá na esquina.

Uma objeção que os do bando invasor me lançaram é que eu desafiei Olavo de Carvalho duas vezes a debater comigo na Internet. Talvez não saibam a razão: a primeira vez foi só para defender um amigo; a segunda, porque ele, Olavo, estava a estimular seus sectários a fazer comigo algo semelhante ao que os sectários de Carlos Alberto e Fugita estão a fazer, e porque sabia que ele não aceitaria o desafio; eu queria apenas tentar diminuir o ímpeto selvagem de tais sectários; mas desafiei-o a tal, ele negou-se, e calei-me. Aliás, diga-se de passagem que agora um que ouro olavete se une à ação dos fugitistas contra mim, e dão sua contribuição ao maravilhoso acervo das pérolas denominativas fugitistas: relembram que sou “Carlos Ninguém”. A idade mental de toda essa gente deve girar em torno dos 15 anos, e ainda assim 15 anos mal-educados.

QUEM SÃO CARLOS ALBERTO E FUGITA

Carlos Alberto, como eu disse, apareceu como tomista, mas da linha do Cardeal Caetano, a qual não é a minha; nem por isso todavia julguei deveria deixar de divulgá-lo. Depois, passou à linha de outro tomista, o espanhol Francisco Zumel, que conheço muito pouco; continuei com a mesma atitude. Mas eis que depois, num prazo de apenas quatro ou cinco anos, deixa Carlos Alberto de ser tomista e passa a ser seguidor do também espanhol Francisco Suárez, um prolífico eclético que tentou sintetizar Santo Tomás e Duns Scot, sem, claro, conseguir grande coisa, além de, como o provo em livro e em cursos, ter introduzido no meio católico certa “vontade geral” que é uma como antecipação da de Jean-Jacques Rousseau, contrária portanto à doutrina da realeza social de Cristo; em seguida deixa de ser suareziano e passa a dizer-se scotista, ou seja, seguidor de Duns Scot, sem deixar porém de namorar a semifenomenologia de um Puelles; e por fim – por fim? – passa a dizer-se luliano. É de surpreender? Parece evidente que não. Mas há que dizer: isto é que é homem de convicções filosóficas firmes, estáveis, profundas, enraizadas...      

Quanto a Fugita, é um adventista, loquaz como um pastor, que vive a divulgar sua religião e a defender furiosamente Lutero contra os católicos que apontam seu verdadeiro caráter, como por exemplo o fizeram Marcelo Andrade e um convidado seu num podcast, aliás muito interessante. Para Fugita, eles não sabem o que dizem, deformam primária e toscamente a doutrina de Lutero, assim como eu absolutamente não entendo a Santo Tomás, nem a Duns Scot, nem, muito menos, a Raimundo Lúlio. E vejam só: o adventista Fugita vem dizer aos católicos que não devem seguir a Santo Tomás, contra o que sete séculos de papas disseram; contra a ordem expressa de Leão XIII, São Pio X (vide sua taxativa encíclica Doctoris Angelici), Pio XI e Pio XII de seguir a Santo Tomás nos estudos; e contra as 24 Teses Tomistas encomendadas por São Pio X e aprovadas e adotadas por Bento XV, com o que como que se canonizou a doutrina de Santo Tomás. E ainda algum deles tem a petulância de contrariar esta evidência com certas palavras de Pio XI em que, no entanto, o Papa diz apenas que, em questões filosóficas e teológicas disputadas e não centrais, pode não seguir-se a Santo Tomás, como aliás o fazem vários tomistas (e eu em particular: é pública minha crítica aos que julgam ser Santo Tomás tão inerrante, que chegam a dizer que ele não errou quanto à Imaculada Conceição, quando em verdade errou, sim, ele, São Bernardo de Claraval, Santo Alberto Magno e São Boaventura). Mas haverá petulância maior que um adventista dizer aos católicos que mestre eles devem seguir? Isto é absurdo até segundo o senso comum: é como se eu dissesse aos protestantes que não devem seguir a Lutero mas a Melâncton ou a Calvino ou a Armínio ou qualquer coisa assim.

Nota: Veja-se que, depois mesmo da referida primeira investida desse grupo contra mim, divulguei o livro de um protestante que faz parte dele em que se expõe o tomismo do ângulo do Cardeal Caetano (e de outros comentadores de Santo Tomás), não totalmente, é claro, porque como um protestante defenderia o Caetano firme defensor da Igreja Una, Santa, Apostólica e Romana? Mas ainda assim o divulguei, na esperança até, de como eu disse então publicamente, de que ele acabasse por converter-se à verdadeira Igreja; assim como Couperin e Bossuet se correspondiam com Bach e com Leibniz porque estes dois homens, de boa vontade, sonhavam com a reunificação dos cristãos. De fato, aquele protestante cujo livro publiquei também parecia um homem de boa vontade (e não digo que tenha deixado de parecer tal; apenas nunca mais soube dele senão por breves aparecimentos seus em meu perfil do Facebook). Mas pode dizer-se o mesmo de Fugita?

SEU MODO DE AGIR E A QUESTÃO DE MEU

VÍDEO SOBRE DUNS SCOT

Certo dia, pouco depois de Fugita ter “provado” a minha desonestidade e sem que eu tivesse tomado ainda perfeito conhecimento desta acusação, escreve-me pelo Messenger um rapaz de 17 anos que um dia me visitara com seus pais dizendo-se da Resistência (e apenas relembro que, embora eu me considere tradicional, já não faço parte de nenhum grupo tradicionalista, ainda que me incline mais a um deles). Foi muito agradável a visita. Mas eis, repito, que esse jovem de 17 anos um dia me escreve pelo Messenger para dizer-me que ou debatia com Carlos Alberto e Fugita ou me adviriam consequências ruins. Eu, crendo-o tradicionalista, respondi com argumentos tradicionais. Mas seu tom aumentou ou engrossou, sei lá, numa segunda mensagem sua, e como se não fosse um jovenzinho falando com um homem de 72 anos, depois de uma série de invectivas e de “profundas” lucubrações filosóficas, perguntou-me de chofre: Leu a Fraile na palestra sobre Duns Scot? Não sabe da acusação de plágio? Ou disse tudo aquilo de memória?

Respondi: Plágio (no caso, filosófico) dá-se quando alguém escreve ou diz algo que não é seu dizendo porém que é seu, coisa que nunca fiz, nem, tampouco., no referido vídeo. Quanto à questão da memória, como eu a tenho muito ampla – que dizer de minha quase repetição de memória no podcast com Marcelo Andrade de dois artigos da questão II da primeira parte da Suma Teológica? que dizer das numerosíssimas palestras presenciais em que falei duas, três horas sem sequer nenhum roteiro diante dos olhos? e que dizer das aulas de 10 horas seguidas (ou melhor, intercaladas só pelo almoço e por um cafezinho) na pós-graduação da Gama Filho que repeti ao longo de 10 anos em oito capitais do Brasil e dadas sempre de memória, enquanto quase todos os demais professores as davam com projeção de slides? –, como então tenho de fato grande memória, no momento em que os do bando me atacavam com mil acusações e perguntas simultâneas, eu disse uma impropriedade, ou antes uma meia-verdade, o que sem dúvida constitui falsidade. Em alguns poucos vídeos, de fato, com efeito, tenho o texto em que me baseio diante do olhos, de modo que ora o leia, ora o repita de memória, ora o comente. Como atinar, no meio de um fogo cruzado e depois de muitos anos, para a porcentagem em que essas coisas se tinham dado no vídeo em questão? Mas que a acusação de desonesto é uma infâmia maliciosa prova-se pelo seguinte: antes de tudo, e até sob algumas críticas, em meus livros sou escrupulosamente citacionista, de modo que ao contrário até do que era comum na Escolástica (Santo Tomás, por exemplo, muitas vezes citava palavras de outrem sem o dizer, claro que não por malícia, mas por introjeção e assimilação do texto alheio; Santo Alberto Magno, pela mesma razão, escreveu sobre Metafísica fazendo uma como paráfrase da de Avicena; etc.), ao contrário, digo, disto que se dava na Escolástica medieval, cito sempre abundantemente mil autores, incluindo os adversários; depois, tanto nas aulas de Teologia da pós-graduação em tomismo em que hoje leciono como em dois das dezenas de tratados de minha longa Escola Tomista faço verdadeiras lectiones: leio o livro de texto (embora aqui e ali cite passagens suas de memória) para o ir comentando passo a passo. Por que então seria desonesto num simples vídeo de Internet, eu, que ademais, como já disse aqui mesmo, tenho absoluta certeza de que vídeos de Internet não trazem verdadeira marca autoral, servindo apenas, em meu caso, para despertar nas pessoas o interesse pelo tomismo?

Volto contudo à autoridade de 17 anos. Além de ela nem sequer me ter dito na primeira vez que já não era tradicionalista e que agora se alinhava com o grupo de Carlos Alberto – fui confirmá-lo em seu perfil de Facebook –, por que depois de nossa segunda conversa não levou seu print a Fugita para que ele, com o mesmo estardalhaço com que mostrara o print do que eu dissera sob fogo cerrado e em que incorrera em resposta objetivamente falsa, o exibisse publicamente? Ou lho terá dado, e Fugita motu proprio resolveu não divulgá-lo? Não o posso saber. Mas sem dúvida isto é indicativo do espírito geral do grupo, porque esta autoridade de 17 anos foi incapaz de pelo menos divulgar ela mesma o que eu lhe disse, e continuou a ridicularizar por aí os “tomistoscos”. Vê-se que aprendeu bem a ser tão “gracioso e profundo” em seus julgamentos filosóficos como seus novos mestres.

Nota: É claro que eu tenho o print destas conversas com o rapazote.

CONCLUSÃO

Que esta carta pública seja minha última palavra sobre este grupo ou bando. É muito provável que seus principais façam algum estardalhaço difamatório em resposta, repetindo ademais uma vez mais e sempre que ninguém além deles entende Tomás, Caetano, Suárez, Scot, Puelles, Lúlio. Não me importa. Não treplicarei. Sirva esta carta de alerta aos católicos católicos (infelizmente hoje é necessário recorrer a redundâncias como esta) quanto à verdadeira face desse grupo e de seus expoentes. E sirva ademais para que estes mesmos saibam que ser vituperado e difamado e ter a reputação assassinada por hereges é um galardão, é um prêmio, é um troféu; mais, redunda em certo mérito. E eu, que já vou bem avançado em idade nesta vida, e que obviamente não sou inerrante nem impecável, pretendo porém levar comigo este mérito para a vida eterna. Obrigado, senhores hereges. 

P.S.: Para mais confirmar a profundidade filosófico-teológica dos desse bando, veja-se abaixo que profunda crítica eles me dirigem:




 

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

“Fé e Ciência” – o novo curso online de Carlos Nougué

 Curso online em 12 aulas; data de início e valor da inscrição ainda por definir

Ementa

1) Física e Metafísica ou Sabedoria

Apêndice: As três Sabedorias

2) As origens míticas.

3) Os pré-socráticos: o ente móvel como primeiro

4) O Ente de Parmênides, e o Noûs de Anaxágoras

5) Platão, e a Díade do Grande e do Pequeno

6) Aristóteles: a Física em ordem à Metafísica

Apêndice: A Física Geral e suas partes subjetivas

7) A Sacra Doutrina e a Ciência

8) A ciência alexandrina, e Ptolomeu

9) Santo Tomás: o perfeito equilíbrio entre Fé e Ciência

10) O nominalismo e o abandono das quatro causas

11) O neoplatonismo e o esoterismo humano-renascentistas

Apêndice: Copérnico e o Sol

12) O quiproquó do caso Galileu

13) O mecanismo cartesiano, e o racionalismo kantiano

14) As misérias e grandezas de Isaac Newton

15) A atitude de avestruz de aristotélicos e tomistas

16) A química nova, e a tabela periódica

17) O darwinismo: um conto de fadas gnóstico

17) A crítica da Ciência por Husserl e outros

18) Leão XIII, os Padres da Igreja e a Ciência

19) O equívoco central da relatividade de Einstein

20) A Mecânica Quântica: onda ou partícula?

Apêndice: O perenialismo de Wolfgang Smith

21) O neoateísmo de Richard Dawkins, Daniel Denet, Christopher Hitchens

22) Os limites da teoria do Design Inteligente

23) Neurociência, o cérebro, a alma intelectiva

24) O Padre Calderón: o renascimento da Ciência Natural aristotélico-tomista 

25) Não havemos de ser curadores de antiguidades

26) Conclusão: Fé, Metafísica e Ciência, e os dias atuais

sábado, 2 de novembro de 2024

Resposta ao Padre Deivid, da Resistência; e contrarresposta do mesmo Padre Deivid

                                                                                                                                 Carlos Nougué 

O Padre Deivid, depois de outras considerações que não vêm ao caso aqui, diz quanto a mim o seguinte: “Espero que ele seja orientado em seu apostolado por um sacerdote, o que é normal a qualquer leigo. Esse é o espírito da Igreja”. E termina dizendo que reza por mim e por minha família, que, di-lo ainda, sempre o tratamos muito bem – e continuaremos a fazê-lo, tenha certeza. Mas, assim como à parte o bom tratamento mútuo o Padre Deivid diz quanto a mim o que se lê acima entre aspas, sinto-me na obrigação de responder-lhe – por partes.

1) Antes de tudo, como advogado do diabo, digo que não deixa de ser interessante que um sacerdote da Resistência fale em normalidade e espírito da Igreja. Sim, porque não nada há mais pertencente ao espírito da Igreja que os bispos serem sagrados com autorização do Papa, e a Resistência tem já vários bispos sem autorização deste. É um estado de necessidade devido à degeneração geral do sacerdócio e da Fé pós-Concílio Vaticano II, dirá o nosso Padre. Concedo (mas leia-se o que digo na observação a seguir). Mas por que então não haverá um estado de necessidade de que os leigos tenham um apostolado próprio dada a referida degeneração e a majoritária má formação dos padres? Dois pesos e duas medidas?

Observação: um dos maiores erros de minha vida de católico foi um dia meter-me na disputa intertradicionalista acerca da relação dos católicos tradicionais com o Vaticano neomodernista, e pois acerca da bondade ou maldade de um acordo canônico, da licitude de sagração de novos bispos sem mandato pontifício, etc. Não o deveria ter feito, e penitencio-me publicamente – mais uma vez – de tê-lo feito. Julgo que isto não é coisa para leigos – ou ao menos para o leigo que sou eu – , embora tampouco condene os leigos que o façam, até porque a mesma Resistência e outros os estimulam a que o façam. Defendo, sempre que se dá o caso, os tradicionalistas de ataques neomodernistas. Mas simplesmente, e desde há uns dez anos, já não me intrometo em tais assuntos.

2) Deixando agora de lado o papel de advogado do diabo, digo que há um erro de base nas palavras do Padre Deivid: o apostolado leigo não é regulado senão pelo bispo, que é do corpo docente da Igreja, e não pelo sacerdote, que com os leigos é parte do corpo discente da Igreja, embora tenha o papel evidente de auxiliar, instrumentalmente, o bispo nesta tarefa. Para entendê-lo, veja-se muito por exemplo o Código de Direito Canônico de 1917 e, de Pio XII, a “Alocução aos Cardeais e Bispos para a canonização de Pio X” (31 de maio de 1954) e o “Discurso de 20 de fevereiro de 1946 aos novos cardeais”, nos quais o saudoso Papa fala de magistério eclesiástico por um lado e de magistério laico mais por outro.    

3) Há no entanto outra confusão nas palavras do Padre, quanto a mim, sim, mas de fundo geral. É que apostolado e magistério são coisas algo distintas, e não tenho apostolado em sentido estrito. Com efeito, como o podem confirmar todos os que me conhecem, nego-me sempre e decididamente a orientar qualquer pessoa quanto ao espiritual, a ponto de, mesmo sob críticas de tradicionalistas, negar-me até a dizer a alguém que não deve ir à missa nova (embora nunca deixe de apontar seu caráter), etc. – sempre o encaminho a um padre. Faço-o sempre, portanto, quanto a todas as coisas relativas à vida espiritual concreta das pessoas, porque a meu ver o leigo não tem luzes de estado para discernimento dos espíritos, razão por que, em vez de ajudar, pode prejudicar uma alma; assinale-se porém que não o erijo em regra para leigos, senão que uma vez mais a erijo para mim. O que tenho é certo magistério: magistério tomista, ou seja, o ensinamento da doutrina de Santo Tomás. A utilidade do que faço é evidente: quantos padres hoje são capazes de ensinar a doutrina de Santo Tomás a jovens com sede intelectual? Aliás, os seminaristas de seu seminário, Padre Deivid, saem devidamente formados em Santo Tomás? (Se não, Padre, ofereço-lhes mensalidade gratuita em meu curso “Comentário à Suma Teológica artigo a artigo”, assim como, a pedido de seu bispo, Dom Tomás, dei aula de Suma Teológica a antigo seminarista da Resistência. Ou terei perdido a capacidade de fazê-lo por já não me identificar com a Resistência?)

4) E obviamente magistério tomista não é o mesmo que magistério eclesiástico, conquanto, claro, possa fazer parte deste. Mas então por que faz o Padre Deivid a como insinuação retórica de que não sou dirigido em minha atividade pública por nenhum sacerdote? Sim, porque não se diz aquilo que lemos entre aspas senão com quase certeza, sob pena de leviandade. Como tenho certeza de que o Padre Deivid não é leviano, então hei de acreditar que ele tem ao menos quase certeza de que não me dirige nenhum padre. Pois bem, se sou ou não dirigido por um padre, absolutamente não é da alçada do Padre Deivid – com quem aliás nunca nem sequer me confessei – nem de mais ninguém. Mas digo, depois, que isto, ou seja, o magistério tomista por leigos, sim, é de verdadeira necessidade hoje, pela razão alegada. Portanto, quanto a meu magistério tomista, um sacerdote que se queira verdadeiramente entendedor da atual crise da Igreja não pode ter senão dupla postura: ou criticá-lo ou apoiá-lo (ou ao menos aceitá-lo) depois de tê-lo conhecido. O senhor o conhece, Padre Deivid? Mas há mais: quem há de confirmá-lo ou negá-lo é um bispo, razão por que escrevo na apresentação de meu livro Do Papa Herético e outros opúsculos: “Sucede que desde o Concilio Vaticano II a hierarquia passou a exercer a modalidade liberal de autoridade, subtraindo-se com isso à assistência do Espirito Santo. Renunciava assim não só, ipso facto, ao exercício da verdadeira autoridade, mas ao mesmo dever de subordinar a si os órgãos subsidiários. Gerou-se desse modo [...] ‘um magistério de leigos subtraído à autoridade, guiamento e vigilância do magistério sagrado’ [Pio XII]. [...] Sucede, no entanto, que como diz Santo Tomás de Aquino, ‘havendo perigo para a fé, os superiores devem ser arguidos pelos súditos, até publicamente’, e isso não seria assim se na defesa da fé um fiel ou súdito não tivesse, de certo modo, a mesma dignidade que qualquer autoridade eclesiástica. [...] Depomos [trata-se de plural de modéstia] porém tudo quanto ensinamos e tudo quanto publicamos aos pés dos órgãos autênticos que mantêm a fé neste tempo de trevas – ainda que a tais órgãos se lhes tenha tirado indevidamente a jurisdição ordinária –, para que ex post facto assinalem quaisquer erros contra a fé que porventura tenhamos cometido. Se o fizerem, retratar-nos-emos imediata e publicamente. Ousamos pretender, porém, que tanto em nosso ensino como em nossos escritos não fazemos senão seguir em espírito e em letra ao magistério infalível da Igreja, a Santo Tomas, a seus mestres auxiliares – para o que procuramos armar-nos da prudência requerida pela fé e pela humildade de nossa condição”.

5) Mas há mais: se o Padre Deivid de fato conhecesse o que faço, saberia que não faço senão seguir o proposto pelo Padre Calderón (a todos, não só aos clérigos) na apresentação de seu livro Umbrales de la Filosofía: que se forme uma corrente geral – difusa, claro – de tomistas realmente fundados em Santo Tomás, para que o tomismo se enraíze em todas as áreas do saber e da atividade humanos. Mais ainda: disse o falecido Dom Tissier de Mallerais o seguinte em um sermão pronunciado em Écône no dia 9 de dezembro de 2012: Também amo a Fraternidade São Pio X porque D. Lefebvre, com outra ideia brilhante, quis que fosse dado um curso especial, além de Santo Tomás de Aquino com sua Summa, obviamente, um curso especial sobre os Atos do Magistério da Igreja, ensinando as encíclicas de todos os grandes papas que, desde o século XIX até as vésperas do Concílio, transmitiram a doutrina da Igreja sobre os erros modernos, o liberalismo, o modernismo e o socialismo. E todos os anos, desde então, os seminaristas têm recebido esse ensinamento das encíclicas papais, verdadeiros sucessores de Pedro”. Pois bem, é exatamente o que faço no âmbito laical, sem obviamente nenhuma intenção de competir com a FSSPX, senão que exatamente  o contrário. Ou dirá o Padre Deivid ou qualquer outro que isto não é necessário no âmbito dos laicos?

6) Insisto na pergunta ao Padre Deivid, ou seja, a de se ele é contrário ou favorável a este magistério laico, segundo, claro, este magistério esteja ou não de acordo com o mesmo Santo Tomás e com o mesmo magistério da Igreja. Sim, porque, se se trata de mera rejeição dele pelo fato de ser laical, então se tratará de clericalismo reprochável. O Pai da Escolástica, o filósofo e teólogo romano Severino Boécio, era leigo; e assim também um dos Padre da Igreja, Lactâncio. Mas não me cabe a mim responder pelo Padre. E que tal Gustavo Corção e Rubén Calderón Bouchet?

Paro por aqui, desejando ao Padre Deivid o guiamento de Deus em seu apostolado, e pedindo-lhe sua bênção distante.


CONTRARRESPOSTA DO PADRE DEIVID

Caro Carlos,

Boa noite!

Espero que o senhor esteja bem.

Estava resolvendo umas últimas pendências do dia e recebi o link de sua resposta à mim, postada em seu blog. No final, o senhor pede minha benção.

Ei-la: Que Deus lhe abençoe.

Tenha uma santa noite.

In Ea,

Padre Deivid Nass, SAJM 

P.S: Caso precise dos sacramentos em caso de enfermidade, como foi o caso da visita do dom João da Cruz em sua casa, enviado por dom Tomás, estou à disposição. 

P.S: Sobre nosso seminário, que o senhor comenta com um certo ar de incerteza da seriedade da formação: Nossos seminaristas terão como professores os dominicanos de Avrillé, que estão gravando todas as aulas com os equipamentos que enviamos à França para isso. Será mais fácil assim do que a estadia francesa, ainda mais em um aparente perigo de guerra. Obrigado pela oferta do seu curso. Não desprezaremos em caso de necessidade.  

P.S: Lembranças a querida dona Rosa e ao Paulinho.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

UMA ECONOMIA MORTIFICADA: Os princípios e a organização dos ofícios sob o reinado de São Luís


Hugues Bousquet

 Artigo publicado em francês na revista “Le Sel de La Terre”, nº 67, inverno 2008-2009, pp. 106-148. O original pode ser adquirido em: https://www.dominicainsavrille.fr/search/le+sel+de+la+terre/page/6/?s=le+sel+de+la+terre


Tradução

Fabio Florence

 

Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, 

e o resto vos será dado por acréscimo (Mt 6, 33)

 

         Há alguns meses, uma dura crise atinge a economia mundial. Nossa fé católica nos aduz luzes sobre esta situação: se nossas sociedades estão doentes, é antes de tudo porque escolheram apegar-se a Mammon em lugar de Nosso Senhor Jesus Cristo. O verdadeiro remédio para a crise está no retorno ao reinado social do Cristo Rei.

         A obediência a Nosso Senhor não produz somente a paz e a alegria nas almas, ela é também um fator de prosperidade pública. A experiência o mostrou diversas vezes; por exemplo, quando García Moreno assumiu o poder no Equador no século XIX: ele recuperou em pouco tempo as finanças de seu país, simplesmente porque os cidadãos adquiriram hábitos de justiça e de temperança: de poupança, por exemplo.

         “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo”. Em meio a esse resto, encontra-se a prosperidade temporal. A história do nosso país [a França] está aí para atestá-lo: enquanto foi fiel às promessas do seu batismo, ele foi a primeira nação da Europa, e até mesmo do mundo, mas, desde que as renegou, não faz outra coisa senão decair sob todos os pontos de vista: econômico, político, cultural...

         Sem dúvida, lamentavelmente não dispomos dos meios políticos para implementar toda a ordem social cristã. Todavia, cada um à sua medida, podemos colocar ordem na esfera que depende de nós, e antes de tudo em nossas famílias.

         O autor do presente artigo se debruçou sobre o século de São Luís e o exemplo das comunidades de ofícios. Ele daí extraiu conclusões práticas sobre “a reforma das nossas vidas em família” para uma restauração da cristandade: aproximar-se do modelo da família nuclear católica, privilegiar o enraizamento geográfico das linhagens, escolher ofícios em conformidade com a ordem social cristã, elaborar germes de comunidades cristãs de ofícios, reabrir escolas profissionais católicas...

Revista “Le Sel de la terre”.

 

 

SUMÁRIO

Introdução

Algumas definições e princípios fundamentais de economia cristã

         A economia

         O ofício

         Os corpos naturais, os corpos intermediários e o princípio de subsidiariedade

         A comunidade de ofício

         Sobre a especulação e o lucro fácil

         Sobre o preço justo

         Sobre a livre concorrência

O espírito do século XIII, espírito essencial das comunidades

         O espírito familiar; oficina e sociedade doméstica

         O feudalismo, o espírito consuetudinário

         A cristandade

A organização dos ofícios sob o reinado de São Luís diante dos princípios

         Uma organização respeitadora dos fins do ofício e da economia

         Uma organização respeitadora do princípio de subsidiariedade

         Uma organização respeitadora dos princípios da economia cristã

Conclusão geral

 

*

Introdução

 

         De acordo com o ensinamento de Jean Vaquié[1], temos duas batalhas a travar ao mesmo tempo: a batalha inferior, que é um combate de conservação das posições católicas: as capelas, os conventos, as famílias e as escolas, e a batalha preliminar, que é um combate espiritual de oração e de penitência. Veremos que a questão dos ofícios e das comunidades de ofícios decorre dessas duas batalhas: por um lado, uma economia cristã tem participação na conservação da fé, e, por outro lado, ela coopera com a penitência que Deus nos exige para mudar o mundo; daí a escolha do título sugestivo que explicaremos: uma economia mortificada.

         Trata-se, pois, de considerar a reconstrução de corpos básicos de uma sociedade política cristã. O que aqui nos interessa são os corpos intermediários econômicos: as comunidades de ofícios.

         Por que as corporações juramentadas [jurandes] do século XIII? Em sua Carta sobre o Sillon, São Pio X afirma, em uma declaração bem conhecida, que a cristandade não deve ser novamente inventada:

Ela existiu, diz ele, e existe; é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se unicamente de instaurá-la e de restaurá-la incessantemente sob seus fundamentos naturais e divinos[2].

 

 

Algumas definições e alguns princípios gerais de economia cristã

 

A economia

 

De acordo com Santo Tomás, “o fim último do governo doméstico [da economia] é o bem-viver total no interior da sociedade familiar”[3]. Este fim último “requer antes de tudo a vida virtuosa”[4] da família, mas pressupõe, para a grande maioria, um certo nível de conforto material.

A economia, no sentido de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino, é, pois, a ciência da aquisição dos bens materiais e das riquezas a serviço da família, aquisição ordenada à sua vida virtuosa. É isso que poderíamos qualificar, de maneira um pouco redundante, de economia familiar, para evitar toda ambiguidade.

Mas, na linguagem corrente, aí compreendida a das encíclicas dos papas, porventura o termo economia não adquiriu uma extensão maior? Dito de outra maneira, porventura devemos banir a ideia de uma economia política, a serviço do bem comum político, e não somente a serviço do bem comum familiar, sob o pretexto de que Santo Tomás e Aristóteles não a levaram em consideração? Evidentemente não. Cada sociedade intermediária, e a própria sociedade política, possui sua economia própria, semelhante à economia familiar, que é a referência de todas. Assim, a economia política terá por meta a independência material da sociedade política, a economia comunal terá por meta a independência material da comuna, etc. Cada esfera econômica diz respeito ao corpo em questão: a economia familiar diz respeito à família, a economia de tal comunidade de ofício deve ser implementada pela autoridade da comunidade em questão, a economia de uma província pelo governo dessa província, e isto é válido para a sociedade política e o seu governo.

O Estado deve – por sua natureza – desempenhar unicamente funções que dizem respeito ao bem comum universal e à realização da justiça distributiva. [...] O Estado não poderia, portanto – e em verdade não pode – colocar-se no lugar dos órgãos da vida econômica [as empresas e as comunidades de ofício] em suas funções próprias e legítimas. Ele não deve absorvê-los; caso o faça, corre o risco de diminuir sem razão a esfera do exercício legítimo da liberdade dos homens ou das associações espontâneas destes[5].

A economia política vem, portanto, servir o bem comum da sociedade política, chamado aqui bem comum universal. Essa ciência permitirá aos governantes assegurar a independência material da sua sociedade. Eis seu domínio de ação própria. Ela não deve “absorver” os corpos inferiores e as economias destes. Ao contrário, deve favorecer o desenvolvimento deles. E, em todo esse esquema em cascata – da economia política à economia familiar – a economia familiar justa e legítima não deve ser obstruída, mas deve ser promovida e desejada precisamente em nome do bem comum, pois o bem-estar material das famílias é um elemento constitutivo desse mesmo bem comum[6]. Acrescentemos que o ator fundamental da economia é a família. Empresas se formam de maneira natural para assegurar a subsistência das famílias dos que as compõem, e para levar a outras famílias o fruto de seus trabalhos: produtos ou serviços úteis. Em uma sociedade orgânica (o contrário de uma potência estatista), corpos intermediários econômicos nascem e se desenvolve de acordo com as necessidades naturais das famílias que exercem um ofício determinado. Eles existem para essas famílias, não o contrário. Assim também, “a família não existe para a sociedade; é a sociedade que existe para a família”, diz Pio XII[7]. É por essa razão, por exemplo, que a economia comunal deve respeitar as diferentes economias familiares – justas e legítimas, bem entendido – ao mesmo tempo que busca a independência material que servirá o bem comum. Esta é uma regra essencial para fixar a medida dos impostos locais. O mesmo vale para a economia política, que não deve se imiscuir de maneira indevida nas economias familiares por concessões de todos os tipos, ou, a contrario, por uma tributação desmedida[8]. No fundo, se cada economia tem o seu fim próprio, ela deverá sempre respeitar, e até mesmo favorecer, o fim e a atividade da economia familiar. Eis aí o elemento permanente da economia em geral, aí compreendida a economia política, que está a seu serviço. De que servirá a independência material da sociedade política se, em tempos normais, as famílias agonizarem de pobreza? A economia marxista nos mostra um sistema decapitado, voluntariamente, de seu modelo e de seu fim. Nela já não se trata de economia familiar nem de patrimônio, só existe a economia política, negando-se as realidades inferiores: eis o coletivismo. O Estado absorve a economia em seu próprio benefício. Ele pode ser rico, desenvolver programas nucleares ou espaciais, enquanto pauperiza as famílias que compõem a sociedade. Trata-se de um modelo econômico injusto. Pio XI nos recorda tudo isso em um contexto mais preciso. Ele ensina as leis gerais do salário justo e as condições para a sua determinação, notadamente as exigências do bem comum. Eis as suas afirmações:

O organismo econômico e social será constituído de maneira sã e atingirá seu fim somente quando proporcionar a todos e a cada um de seus membros todos os bens que os recursos da natureza e da indústria, bem como a organização verdadeiramente social da vida econômica, têm meios para proporcionar-lhes. Esses bens devem ser suficientemente abundantes para satisfazer às necessidades de uma subsistência honesta e para elevar os homens ao grau de conforto e de cultura que – contanto que seja usado sabiamente – não crie obstáculos para a virtude, mas facilite singularmente o exercício desta[9].

Este ensinamento é confirmado por Pio XII:

O fim do organismo econômico e social [...] é proporcionar aos seus membros e às suas famílias todos os bens que os recursos da natureza e da indústria, bem como uma organização social da vida econômica, têm meios de proporcionar-lhes, e, conforme especifica Quadragesimo anno, esses bens devem ser suficientemente abundantes para satisfazer as necessidades de uma subsistência honesta e para elevar os homens ao nível de conforto que – contanto que seja usado sabiamente – não crie obstáculos para a virtude, mas facilite amplamente o exercício desta[10].

O elemento permanente e o fim da economia – independentemente do nível onde nos situemos – é, portanto, a independência material dos membros do corpo social: as famílias.

Antes de prosseguir, salientemos que, se cada economia possui sua esfera própria de atividade legítima, a sociedade nem por isso fica compartimentada. Os corpos não se opõem uns aos outros, nem as famílias e os corpos intermediários ao governo da sociedade política. Nesse esquema orgânico geral, há evidentemente uma compenetração necessária e até mesmo obrigatória das diferentes economias, que recorre da natureza social do homem; no entanto, somente a sociedade política possui em si mesma os meios para atingir o seu fim. Se o governo da sociedade política deve “exercer unicamente funções que dizem respeito ao bem comum universal e à realização da justiça distributiva”, essa tarefa implica evidentemente um direito de fiscalização sobre a vida econômica dos corpos inferiores. Ele deverá, por exemplo, se assegurar de que as estruturas econômicas naturais existentes respeitam bem seus deveres de justiça distributiva para com seus membros. Mas esta função é mais política do que diretamente econômica[11]. As atividades puramente econômicas que cabem ao governo são da mesma ordem que as de uma família: aquisição de riquezas e despesas tendo em vista o fim buscado. A aquisição de riquezas aqui se faz essencialmente por intermédio de impostos e de taxas. Daí se segue uma interferência inevitável nas economias dos corpos inferiores (províncias, comunas, comunidades de ofícios, famílias...). No caso de uma tributação normal, o governo não intervém nas diferentes economias para “absorvê-las”. Aqui se trata de encher os cofres do tesouro público. É em nome do bem comum que ele exigirá um imposto. A submissão das famílias e dos corpos intermediários suscetíveis da imposição manifestará a ordenação natural e necessária ao bem comum da sociedade como um todo.

 

Uma economia ordenada ao seu verdadeiro fim se ocupará, portanto, essencialmente da necessidade limitada das famílias, da independência material delas. Essa independência deve ser real e não deve ter como custo uma dependência moral em relação a uma ideologia condenada. É assim que Pio XI exclui dois erros econômicos: antes de tudo, o liberalismo, que promove a remuneração máxima do capital em detrimento dos operários, a quem pauperiza; em seguida, o socialismo, fruto do liberalismo, que apregoa o coletivismo, ou, em uma forma atenuada, a atribuição aos operários de todas as receitas, “uma vez feita a dedução do que é exigido pela amortização e pela reconstituição do capital”[12].

No primeiro caso, vemos toda uma classe da população a gravitar na esfera financeira e comercial, e a se enriquecer de maneira ultrajante sendo carregados nas costas dos operários tornados dependentes. Este é o modo de governo das empresas capitalistas, cujos beneficiários, se são economicamente independentes, o são bem menos do ponto de vista moral. Eles são com grande frequência os primeiros escravos desse sistema, pois “os que desejam se tornar ricos caem na tentação, na cilada do diabo e em muitos desejos inúteis e perniciosos, que mergulham os homens na morte e na condenação” (1 Tm 6, 9).

No segundo caso, a intervenção estatal fornece uma aparência de independência às famílias por intermédio dos auxílios sociais múltiplos dos quais fazem parte os benefícios familiares, auxílios que mantêm essas famílias numa situação de real dependência econômica e moral em relação ao governo. Acrescentemos que a independência material das famílias é objeto de dois dos seis critérios do Padre Fahey para julgar se uma sociedade política é bem cristã[13].

 

O ofício

 

         A palavra ofício (métier) vem do latim ministerium, que significa ministério. O ofício será, portanto, um ministério de utilidade pública. Trata-se de uma função econômica na qual o homem aplica, de acordo com uma certa competência (savoir-faire), “as energias do espírito e do corpo aos bens da natureza”, ou se serve “destes últimos como de outros tantos instrumentos apropriados”[14] para fornecer à sociedade bens ou serviços úteis, e, em troca, adquirir a independência material da sua própria família.

         A nota de utilidade é profundamente cristã, mesmo que seja apenas raramente primeira em nosso pensamento, uma vez que, em geral, pensamos antes de tudo na conservação da nossa família. Ela deve, não obstante, nos distinguir dos infiéis pela consciência de que nosso trabalho apresenta um caráter social, de que sua necessidade ultrapassa as necessidades da nossa própria família, em uma grandiosa visão do bem comum[15]. Não é suficiente pretender trabalhar exclusivamente no espírito de proporcionar subsistência à própria família. Se o fizermos, esquecer-nos-emos com demasiada frequência de considerar a legitimidade dos meios empregados (qual atividade profissional? Em que tipo de empresa?). Isto decorre do ensinamento de Santo Tomás sobre a natureza social do homem:

         É da natureza do homem, ensina ele, ser um animal social e político, que vive em uma multidão, e isto mais ainda que todos os outros animais. A necessidade natural o mostra. Com efeito, a natureza proporcionou aos outros animais a alimentação, roupas de pelagem, meios de defesa [...]. O homem, ao contrário, foi criado sem que nada disso lhe tenha sido preparado pela natureza, mas, em lugar disso, foi-lhe dada a razão, que lhe permite preparar todas essas coisas por meio de suas mãos. Para tanto, um só homem não é o suficiente, pois um só homem não poderia, por si mesmo, garantir para si as coisas necessárias para a vida. Daí se segue, pois, que é da natureza do homem viver em sociedade[16].

         Donde decorre a necessidade de uma reflexão sobre a utilidade social do ofício ou da atividade profissional que exercemos.

 

Os corpos naturais, os corpos intermediários e o princípio de subsidiariedade

 

         Os corpos naturais são associações formadas naturalmente de acordo com uma necessidade circunstancial. Eles possuem um fim próprio, uma hierarquia própria e regras ou costumes próprios. As famílias e as empresas, por exemplo, são corpos naturais. O fato de que essas associações são naturais exclui o intervencionismo estatal. Um governo não pode impor aos homens e mulheres a obrigação de formar famílias. Isso corresponde à necessidade natural de ter filhos e de se sustentar mutuamente, sendo tudo isso vinculado a uma afeição inicialmente natural. O fim dessas sociedades naturais é, no entanto, subordinado ao bem comum da sociedade política. É assim que o governo deve impor a obrigação do matrimônio e a proibição da concubinagem.

         Os corpos intermediários são corpos naturais que formam o liame entre os corpos de base da sociedade, que são as famílias e as empresas, e o corpo mais elevado de todos, que é o governo. Eles têm, por um lado, uma vocação de servir seus membros, e, por outro lado, uma vocação organizacional e política, que visa estruturar a sociedade e permitir a aplicação mais justa do princípio de subsidiariedade. Podemos citar, entre os corpos intermediários políticos, as comunas, e, como corpos intermediários econômicos, as comunidades de ofícios.

         O princípio de subsidiariedade é um elemento fundamental da organização de uma sociedade política. Ele estipula que cada corpo natural tem o direito de exercer suas competências legítimas em seu lugar legítimo na cidade, sem que um corpo superior, tal como o governo, intervenha na gestão de seus negócios correntes, a menos que o bem comum seja tumultuado ou ameaçado. Pio XI recorda a necessidade desse princípio nos seguintes termos:

         Assim como não se pode retirar dos particulares, para transferi-las à comunidade, as atribuições que eles são capazes de exercer sozinhos por sua própria iniciativa e por seus próprios meios, assim também seria uma injustiça, bem como um transtorno extremamente danoso contra a ordem social, retirar dos grupos de ordem inferior, para confiá-las a uma coletividade mais vasta e de um patamar mais elevado, as funções que eles estão em condições de desempenhar por si mesmos[17].

         O papel do governo em relação aos corpos inferiores é, a priori, nulo quanto à sua gestão interna. Ele pode, em determinados casos, entrar no lugar de um corpo inexistente ou deficiente, e deve sobretudo se assegurar de que o fim buscado pelo corpo inferior está ordenado ao fim da sociedade como um todo. Seu papel maior consiste na coordenação dos diferentes corpos constitutivos da sociedade política tendo em vista o bem comum da multidão. Enfim, na aplicação do princípio de subsidiariedade, convém considerar o fim dos corpos intermediários para bem compreender suas relações para com o governo, responsável pelo bem comum da sociedade política. Pio XII diz que “toda a atividade social é, por sua natureza, subsidiária; ela deve servir de suporte aos membros do corpo social, e jamais destruí-los ou absorvê-los”[18].

         Em outros termos, isso significa que um corpo intermediário possui seu fim próprio, que é o bem comum do corpo em questão. Esse bem comum “serve de suporte”, em um domínio determinado, aos membros que formam naturalmente essa comunidade. Nesse sentido, o princípio de subsidiariedade não tolera a intervenção do governo. Não cabe a ele formar corpos intermediários nem conferir-lhes regulamentos. Estes devem se estabelecer espontaneamente de acordo com uma necessidade natural dos “membros do corpo social”. A criação pelo governo de tais comunidades intermediárias delas faz inevitavelmente órgãos da administração pública[19], sem levar em consideração o bem comum do corpo que é, entretanto, sua razão de ser. Os corpos intermediários, todavia, não deixam de ter vínculo para com o governo. Com efeito, Santo Tomás ensina que “a parte, enquanto tal, é algo do todo; donde resulta que qualquer bem da parte deve estar subordinado ao bem do todo. É assim que o bem de cada virtude, quer o das que ordenam o homem para consigo mesmo, quer o das que o ordenam a outros indivíduos, deve poder ser referido ao bem comum, ao qual a justiça nos ordena”[20].

         Assim, esse princípio nos recorda de que o bem comum de um corpo inferior é ordenado ao bem comum da sociedade política. O governo deverá, então, incluir os fins das comunidades intermediárias, e coordená-los em uma justa subordinação ao seu próprio fim.

 

A comunidade de ofícios

 

         Aqui se trata de um corpo intermediário cujos membros possuem o direito de exercer um ofício em um território determinado. Ele era composto de mestres, criados [valets] e aprendizes, que se comprometiam sob juramento a observar os regulamentos prescritos pela comunidade tendo em vista o bem comum do ofício, e a respeitar a autoridade dos jurados em suas funções de fiscalização[21]. –

         Temos aí uma definição que coloca em evidência:

         – o fim das comunidades de ofícios: o bem comum do ofício. No século XIII, os fins naturais primordiais são a honra do ofício e o controle da concorrência;

         – a hierarquia das comunidades: aprendizes, criados, mestres e jurados;

         – os meios para alcançar o fim: os regulamentos e os controles dos jurados, efetuados em relação aos que exerciam o ofício, bem como o juramento destes últimos. Há quem certamente ficará surpreso em encontrar nesta definição a menção ao juramento. Ele era, no entanto, um elemento essencial da vida das comunidades do século XIII. Ele formalizava o compromisso de buscar o bem comum do ofício para todos os operários.

         Sem entrar de maneira muito precisa nos detalhes sobre a vida dessas comunidades, pois teremos ocasião de fazê-lo na sequência, vejamos qual era o funcionamento delas a partir dessa definição. Eis aí uma comunidade que é um corpo natural. Ela possui, portanto, uma hierarquia: de baixo para cima, temos inicialmente os aprendizes, para os quais o período de formação era obrigatório. No primeiro dia do aprendizado, eles já eram membros da comunidade à qual prestaram juramento. No século XIII, em princípio, uma pessoa ingressava no aprendizado para tornar-se mestre; é conveniente notá-lo. Não obstante, nem todos conseguiam-no, por razões financeiras ou morais, por exemplo. Ao final da formação, alguns operários tornavam-se, então, criados. Mais tarde, a partir do século XV, eles seriam chamados “companheiros” [compagnons]. Os mestres eram chefes de empresas que, em sua grande maioria, eram pequenas empresas familiares, nas quais aprendizes e criados conseguiam uma posição “familiar”. Nessas oficinas, o que se buscava era a permanência das relações, a fim de assegurar a estabilidade da vida familiar e econômica. Lá todos trabalhavam juntos du nascer até ao pôr do sol, por volta de quatro a cinco dias por semana. Com efeito, havia no século XIII numerosos feriados. Por fim, no ápice da hierarquia encontravam-se os jurados, também chamados “guardas do ofício”. Eles eram em geral eleitos pelos mestres da comunidade para garantir o bem comum do ofício pelo prazo de um mandato. Com esse objetivo, eles eram principalmente encarregados de controlar a qualidade dos produtos e dos materiais, bem como o respeito aos procedimentos de fabricação honrados no ofício. Eles tinham outras atribuições, tais como o controle dos preços, do tratamento dos aprendizes e dos criados, etc. Eles possuíam uma primeira jurisdição para julgar os delitos profissionais. A vida cotidiana das comunidades de ofícios era regulada por seus costumes. A primeira redação importante desses regulamentos orais foi feita por pedido de São Luís para os ofícios parisienses. Étienne Boileau, Preboste dos Comerciantes, foi encarregado de coletar os estatutos junto aos membros dos ofícios. Eles foram compilados no que hoje em dia chamamos O Livro dos Ofícios, uma fonte fundamental[22].

         Citemos algumas corporações juramentadas grandes ou poderosas na Paris do século XIII: os padeiros [talemeniers], os ourives, o comércio das águas (fluvial), a tapeçaria (ofício poderoso em toda a parte onde foi implementado), os retroseiros [merciers], os açougueiros, etc.

Sobre a especulação e o lucro fácil

 

         Há aqueles cujos frutos são os frutos da terra, disse Deus a Santa Catarina de Sena. São os avaros e os gananciosos, que fazem como a toupeira, que se alimenta de terra até à morte, e que, quando a morte vem, não podem escapar-lhe. Em sua avareza, eles desprezam minha generosidade, pois vendem o tempo ao seu próximo. Não é isto que fazem os usurários, que se tornaram ladrões e cruéis para com seus próximos, por não se terem recordado da minha misericórdia? Se tivessem dela se recordado, não seriam tão cruéis para consigo mesmos e para com seus próximos. Eles usariam de piedade e de misericórdia: para consigo mesmos, praticando a virtude, e para com seu próximo, servindo-o caridosamente[23].

 

         Sobre o negócio

         Comentando o ensinamento de Santo Tomás, o padre Pègues escreve que “o negócio pelo negócio tem algo de vergonhoso”, pois “ele favorece o amor pelo lucro, que não conhece limites, mas tende à aquisição sem fim”.

         Para que ele se torne honesto e legítimo, é necessário um “ganho moderado buscado no negócio [para] sustentar a própria casa, ou ainda [para] cuidar dos indigentes, etc”[24].

         É isto que deveriam considerar os cristãos que se dedicam ao comércio, para não cometerem pecado. Do ponto de vista da sociedade política, Santo Tomás afirma ser “necessário que uma cidade perfeita se sirva dos comerciantes com moderação”, para evitar que “numerosos vícios” e que “a ganância se enraízem no coração dos cidadãos”[25].

         Por conseguinte, os cristãos dispõem, por um lado, de elementos que dizem respeito à moral individual para determinar a medida da sua ação mercantil e, por outro lado, de preceitos relativos à organização da sociedade política, dirigidos particularmente aos governantes para assegurar o bem comum da multidão. Estes, ademais, devem sempre controlar e limitar as atividades mercantis e suas organizações, que não podem de maneira alguma se libertar de maneira legítima da sociedade política.

         Como ilustração desses princípios, citemos o exemplo, relatado por Henri Pirenne, da conversão de São Godrico de Finchale. Godrico era filho de um camponês de Lincolnshire, e que enriqueceu por meio do grande comércio no final do século XI e começo do século XII. O historiador especifica que “a busca pelo lucro dirigia todas as suas ações e nele se reconhecia claramente esse famoso espírito capitalista”, que “é impossível sustentar que Godrico tenha praticado o negócio unicamente para atender às suas necessidades cotidianas” e que não se servia do dinheiro ganho “unicamente para alimentar e ampliar seu comércio”.

         Aí encontramos um critério de reprovação do negócio já anunciado acima. Eis a razão pela qual, tendo se tornado muito rico, mas tocado pela graça, Godrico abandonou seus bens deixando-os aos necessitados e abraçou uma vida eremítica[26]. Mesmo que nem todos os homens que se entregavam a Deus na vida religiosa não fossem o que se pode chamar de grandes pecadores antes de sua entrada na religião, parece que o caso de São Godrico de Finchale não deixa margem a dúvidas. A radicalidade da sua vocação, fecundada pela graça, está em relação direta com sua vida passada, considerada vergonhosa pela cristandade.

 

         A usura, o empréstimo a juros e o empréstimo com penhor

 

         A doutrina católica ensina que todo empréstimo a juros e usurário é condenado pelo magistério[27]. Recordemos igualmente que a autoridade política condenou, desde o império carolíngio, a prática do empréstimo a juros sob a influência da Igreja. H. Pirenne faz, sobre este ponto, uma reflexão que merece ser citada:

         O ensinamento da Igreja, escreve ele, [...] confunde sob o nome de usura todas as formas de empréstimo a juros e os proíbe em princípio, de maneira indistinta; as legislações seculares sancionam e a opinião ratifica essa condenação. É preciso admitir, aliás, que essa atitude não deixou de ser benéfica. Ela certamente teve como resultado impedir que a paixão pelo ganho se extravasasse sem limites; ela protegeu em certa medida os pobres contra os ricos, os devedores contra os seus credores. O flagelo das dívidas, que, na antiguidade grega e na antiguidade romana, se abateu tão gravemente sobre o povo, foi poupado à sociedade da Idade Média, e é possível crer que a Igreja contribuiu muito para esse feliz resultado. O prestígio universal do qual ela desfrutava agiu como um freio moral[28].

 

Sobre o preço justo

 

         Uma vez que as trocas econômicas consistem na venda e na compra de produtos ou serviços, elas são reguladas pela virtude da justiça comutativa. Para que a justiça não seja lesada, é necessário que haja igualdade na troca[29]. Como estabelecer o preço justo de um produto ou de um serviço para assegurar esta igualdade? Para responder a essa questão, esclareçamos que há no princípio do justo preço dois aspectos a considerar.

         Há antes de tudo um aspecto objetivo, o mais importante, que diz respeito ao produto em si mesmo e à sua capacidade de cumprir a missão para a qual foi feito, ou seja, seu nível de “perfeição”, seu nível de qualidade. O valor intrínseco do produto incorpora, de maneira bem evidente, o essencial do trabalho realizado pelos homens sobre esse produto, e não somente no instante da sua fabricação. O valor de uma riqueza leva em conta o trabalho das gerações passadas. O valor de um cereal, por  exemplo, incorpora o trabalho dos ancestrais para obter uma terra agrícola e transmiti-la nesta condição essencial para a produção. Se compramos os cereais por um preço relativamente modesto, é porque, em verdade, há uma parte do capital global da humanidade que pertence a todo o gênero humano. É isso que Monsenhor Delassus chama o bem imóvel comum, designando o que aparece hoje em dia como o produto de toda a espécie humana. Ele se serve dessa demonstração para refutar o erro socialista, que alega que somente os proprietários desfrutam do capital, a fim de exigir, por conseguinte, uma partilha igualitária das riquezas[30]. Para nós, ela tem o interesse de mostrar que o justo preço de um produto leva em conta a perícia e o trabalho das gerações passadas. No caso citado, cada um de nós possui um pouco desse patrimônio da humanidade. O preço dos cereais diminui como resultado disso, de acordo com o princípio da causalidade. O nível de qualidade está, pois, em geral ligado ao nível do trabalho e da perícia. Não podemos, no entanto, estabelecer uma regra de proporcionalidade entre esses dois elementos e o justo preço do produto, pois o aspecto objetivo desse preço leva igualmente em conta as tarefas contingentes efetuadas por aquele que vende o produto. Aqui se trata das tarefas que não são em si mesmas necessárias à fabricação (manutenção, armazenamento, etc.). Assim, no caso da venda de um mesmo produto, de mesma qualidade, por conseguinte, em duas condições de trabalho bem diferentes, é justo que o preço do produto incorpore essa variação. Por exemplo, o vendedor pode expor seu produto na loja, situação em que o cliente se desloca para comprá-lo. O produto tem o preço justo. O vendedor pode vender esse mesmo produto por entrega em domicílio, o que ocasiona um acréscimo de trabalho que justifica o aumento do preço do produto.

         Em segundo lugar, de acordo com Santo Tomás, há um aspecto subjetivo e acidental, determinado pela necessidade do consumidor. É de se notar que, em uma economia estável e ordenada – cristã, com mais forte razão – esse aspecto tende a se apagar diante do primeiro. Ele não é mais que uma variável de ajuste que leva em conta a necessidade dos compradores, e que incorpora a necessidade de uma justa concorrência. Se assim não for, se o vendedor conferir maior mérito ao aspecto subjetivo do mercado que ao caráter objetivo do produto, ele se tornará culpado de uma especulação intolerável em uma sociedade cristã. Era esse o caso de negociantes como Godrico de Finchale, que buscavam sistematicamente o local de venda mais remunerador para um determinado produto. Esses procedimentos só eram possíveis por conta da existência de poderosas organizações comerciais[31] capazes, em particular, de fretar navios para ir vender seus produtos longe, se necessário, e isso em detrimento das economias locais. Esse tipo de comportamento se opõe nitidamente à doutrina do justo preço, intimamente vinculada ao horror pela especulação. Santo Tomás expõe assim as regras a serem respeitadas na consideração do aspecto subjetivo do justo preço do produto:

         A compra e a venda podem, em certas circunstâncias, resultar no proveito de um e no detrimento do outro; por exemplo, quando alguém tem grande necessidade de uma coisa e o vendedor ficará lesado se não mais a tiver. Nesse caso, o justo preço deverá ser estabelecido não somente de acordo com o valor da coisa vendida, mas também de acordo com o prejuízo que o vendedor sofrerá com a venda. Pode-se então vender uma coisa acima do seu valor em si mesma, embora não seja vendida por um valor maior do que o que tem para o seu possuidor. Mas, se o comprador extrair uma grande vantagem do que receber do vendedor, e se este não sofrer prejuízo algum ao se desfazer da coisa, ele não deve vendê-la acima do seu valor[32].

         Não há regra mais precisa para estabelecer um justo preço, e essa doutrina permite uma margem natural de manobra, contanto que a justiça não seja lesada por um comportamento especulativo. Ela recorda a nobreza da produção em relação à função comercial, e o direito dos produtores a receberem uma justa remuneração por seu trabalho. Terminemos por esta advertência de Santo Tomás: “Vender mais caro ou comprar mais barato do que a coisa vale é em si injusto e ilícito”[33].

 

Sobre a livre concorrência

 

         É evidente que o jogo de uma justa concorrência é necessário a um só tempo para os praticantes de um ofício, para estimular entre eles o ardor pelo trabalho, a busca pela qualidade e pelo progresso, e para os consumidores, para protegê-los contra os riscos de açambarcamento de mercados, que se traduzem inevitavelmente por uma especulação sobre os preços. É geralmente isto que a livre concorrência produz, ela que é o contrário de uma justa concorrência. Uma justa concorrência é um meio utilizado por uma economia bem ordenada para chegar ao seu fim, que é a independência das famílias. A livre concorrência é simultaneamente um dogma e um meio revolucionário para permitir a uma economia liberal que esta enriqueça de maneira infindável a classe financeira e seu braço armado, o marketing e o comércio internacional. O resultado inevitável dessa organização liberal é a lei do mais forte, jamais a lei do melhor. Os últimos decênios estão cheios de ensinamentos nesse sentido. Permitiu-se por toda a parte, em detrimento de uma justa concorrência, a instalação de grandes mercados. Todas, ou quase todas, as economias locais foram destruídas, e, todas as vezes que a organização capitalista permanece sozinha, o jogo da especulação vem mais manifestamente à tona. Temos, por um lado, consumidores enganados acerca da qualidade dos produtos e assaltados quanto ao valor destes, e, por outro lado, salários empobrecidos, sempre em benefício do lucro cada vez maior de alguns. A resposta a esse erro se encontra, assim como no caso da especulação, no justo preço e na subordinação da economia às prescrições da moral cristã. É isso que, em substância, ensina o papa na Quadragesimo Anno:

         Não podemos esperar do livre jogo da concorrência o advento de um regime econômico bem ordenado. [...] É, portanto, absolutamente necessário recolocar a vida econômica sob a lei de um princípio diretor justo e eficaz[34].

 

O espírito do século XIII, espírito essencial das comunidades

 

         Para descrever o período medieval, Régine Pernoud[35] rejeita a distinção das três ordens (nobreza, clero e terceiro estado), no entanto tão corrente. De acordo com ela, nada é mais falso que explicar a sociedade da Idade Média por essa classificação. Embora descreva bastante bem o Antigo Regime, ela não oferece mais que indicações secundárias sobre a repartição das forças em uma organização medieval que em absoluto não era compartimentada. Essa distinção nada ensina sobre “a estrutura em profundidade da sociedade” medieval. Para compreendê-la, a historiadora afirma ser necessário estudar sua organização familiar e sua organização feudal. O terceiro aspecto que nos parece essencial abordar é a questão da impregnação do cristianismo na sociedade.

O espírito familiar; oficina e sociedade doméstica

 

         Aí tocamos em um elemento central para compreender o período medieval e o século que nos interessa. A família era então considerada não como uma realidade horizontal, mas como uma realidade vertical. A família era a linhagem. Eram os ancestrais, e, sobretudo, os descendentes, pois o realismo da época fazia os olhares se voltarem para o futuro, para os filhos. Era algo como se colocar dentro do tempo de Deus, que perscruta a sequência das gerações.

 

         Organização em famílias nucleares, ou famílias consuetudinárias

 

         A concepção medieval da família se opõe à concepção antiga, na qual só o homem contava, uma vez que o paterfamilias tinha, na vida privada, direito de vida e morte sobre seus filhos. Na Idade Média, não era o homem que importava, mas a linhagem. O chefe de família era uma espécie de administrador consciente dos seus deveres. Ele devia transmitir o que recebeu. Ele não estava lá para desfrutar de maneira indevida, mas para garantir à sua família sua conservação e seu progresso, particularmente em prol dos que eram frágeis. Esse funcionamento “se fundava sobre uma base material: o bem de família”, diz R. Pernoud[36]. Ela acrescenta que esse bem fundiário permanecia sendo sempre propriedade da linhagem, propriedade intocável e inalienável. Ao morrer o pai, os costumes instituíram em geral o direito de primogenitura, e mais raramente o direito do mais novo (droit de juvégnerie) – ambos fundados em motivos naturais –, que permitiam a transmissão integral do bem de família a um único herdeiro designado pelo sangue.  

         Aí encontramos, ainda que de maneira ligeiramente incompleta, a organização descrita por Frédéric Le Play, a que foi posta à prova ao longo da história da cristandade, e cujos frutos ele mesmo pôde ainda ver ao longo das suas peregrinações: a família nuclear[37]. Trata-se de uma família no seio da qual o chefe transmite a um único herdeiro, designado pelo costume, seu ofício e sua oficina, ou seu domínio. Trata-se de uma família na qual três ou quatro gerações, os irmãos e irmãs celibatários, trabalham e vivem. Trata-se de uma família que toma conta de seus inválidos e de seus idosos. Aí se respeitavam as tradições ancestrais e, naturalmente, a religião católica. A descrição de F. Le Play é mais completa, no sentido de que salienta que o bem de família compreende o ofício do pai, elemento essencial do patrimônio familiar, além do bem fundiário. Esta era uma realidade importante no século XIII: o ofício era um patrimônio que se possuía.

 

         Conformidade dessa organização ao fim da economia

 

         Encontramos, pois, no século XIII, uma união profunda entre a oficina, em sentido amplo, e a sociedade doméstica. Quando consideramos o fim da economia, que consiste na independência material das famílias, e que o papel de uma empresa – sociedade econômica – é participar da realização desse fim em prol das famílias que intervêm em seu seio, a conclusão é inevitável: a família nuclear será tanto mais sensível ao bem comum da empresa econômica quanto mais este coincidir com sua própria independência material. F. Le Play não deixou de destacar este fato luminoso em suas observações. Ele não hesita em afirmar que o que melhor caracteriza uma constituição social são as relações entre o lar doméstico e a oficina. Ele acrescenta:

         A felicidade e a infelicidade dos povos dependem da natureza dessas relações; e estas últimas são elas mesmas regradas pelas ideias e pelos sentimentos que impregnam os espíritos e os corações. Entre os povos prósperos, os lares e as oficinas permanecem unidos por liames íntimos, durante uma longa sequência de gerações. Entre os povos doentes, esses liames não existem mais; e, quando são reatados pelo acordo espontâneo das partes interessadas, são logo destruídos pela tirania dos governantes[38].

         A união entre família e oficina é profundamente natural e profundamente cristã. A propósito, a transmissão integral do ofício e do bem fundiário a um único herdeiro não é o único argumento em favor dessa união, mesmo que essa transmissão baste por si só a nos convencer, pelos benefícios de estabilidade e de unidade econômica que ela suscita. Recordemos que o fim da sociedade política é a unidade na paz, que dispõe os homens à contemplação. Ora, a economia é, em relação à sociedade política, como um meio ordenado a esse fim. Não nos surpreendermos, pois, em constatar que, no século XIII, século de civilização cristã, a economia fosse organizada de maneira a produzir frutos de unidade e de estabilidade. Mas isso não é tudo: há outros benefícios extraídos dessa união necessária entre famílias e oficinas, e é isso que iremos descobrir.

 

         O espírito familiar nas comunidades de ofícios

         Consideremos inicialmente a participação da esposa no trabalho do seu marido. Isso era uma constante no século XIII, em todos os degraus da hierarquia social. Trata-se de algo natural, que favorece o bom entendimento dentro do lar e a busca pelo bem comum. Quando um senhor tinha de se ausentar do seu domínio, não era raro ver sua esposa a dirigi-lo. R. Pernoud relata o exemplo da condessa Blanche, em Champagne, que enviuvou no início do século XIII, e que “administrava seu domínio como teria feito seu esposo, e [...] até mesmo fundou uma nova cidade...”[39].

         Nas comunidades de ofícios, o espírito familiar estava presente em mais de um aspecto, notadamente através dessa cooperação entre os esposos.

         Citemos dois exemplos: o primeiro diz respeito à regulamentação do número de aprendizes. O costume bastante generalizado nas corporações juramentadas do século XIII era aceitar apenas um aprendiz de fora na oficina, além dos aprendizes privados (membros da família, notadamente filhos do mestre). A fórmula em uso era a seguinte: “O mestre não pode ter mais que um aprendiz, excetuando-se seus filhos ou os da sua mulher, nascidos de matrimônio verdadeiro”[40].

         Mas é surpreendente notar que, a essa regra habitual, se acrescentava uma outra relatada por Lespinasse[41], concernente ao trabalho da esposa: quando esta auxiliava seu marido em sua atividade profissional, eles podiam tomar dois aprendizes de fora, o que constituía um verdadeiro privilégio e um incentivo ao trabalho familiar.

         O outro exemplo, que não ilustra a participação da esposa no trabalho do seu marido, mas o respeito pela hierarquia familiar, diz respeito às comunidades de mulheres, pois alguns ofícios eram mistos e outros eram inteiramente femininos. Estes últimos eram mantidos por mulheres probas, como as comunidades masculinas, dirigidas por homens probos. A única diferença é que aí se encontrava a aplicação de um princípio geral de família cristã proclamado por São Paulo: “Assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim o estejam também as mulheres a seus maridos em tudo” (Ef 5, 24).

         Por conseguinte, “nos ofícios exercidos por mulheres, como as fiadoras de seda e as tecelãs, as mestras juramentadas deviam ser assistidas pelo marido de uma delas”[42].

         Eis aí, pois, dois exemplos do espírito familiar no seio das comunidades de ofícios concernentes ao sustento mútuo dos esposos.

         Ademais, o ofício sempre foi, na cristandade, um elemento de educação dos filhos. Esta era uma realidade bem estabelecida no século XIII, e os estatutos de E. Boileau o confirmam de maneira nítida. Retornemos um pouco sobre a questão dos aprendizes privados. Recordamos acima a fórmula geralmente em uso para exprimir os costumes dos ofícios acerca deste ponto. Todos os filhos de mestres podiam ser aprendizes, bem como os membros da sua família e da família da esposa (sobrinhos e sobrinhas). Além da transmissão de um patrimônio familiar, aí encontramos um incentivo ao trabalho familiar e à educação dos filhos pelo ofício, e isto no próprio seio dos regulamentos. E o incentivo era premente. Os filhos dos mestres eram beneficiados com notáveis privilégios. O aprendiz de fora pagava por sua entrada na comunidade e por seu aprendizado, cuja duração era rigorosamente regulamentada. Se seus pais não pudessem pagar essa indenização ao mestre antes da entrada no aprendizado, a duração era prorrogada por dois anos em média, para que o mestre se beneficiasse de um justo retorno em relação ao investimento inicial. A contrario, o aprendizado dos filhos dos mestres era gratuito e sem duração legal. Ao mesmo tempo, a compra do ofício, sobre o qual teremos ocasião de retornar, não lhes dizia respeito, uma vez que o ofício lhes era transmitido, tal como um patrimônio familiar. Acerca da educação dos filhos, concluamos por este comentário de Lespinasse:

         O aprendiz pagava, adicionalmente, um direito de entrada, em benefício da caixa da Confraria, nos ofícios onde existia uma Confraria. Notamos que o acesso a um ofício só se obtinha, para quem era de fora, à força de sacrifícios, e que vantagens consideráveis eram reservadas ao filho que continuava o ofício de seu pai[43].

         O espírito familiar não era confinado ao círculo restrito da sociedade doméstica. Ou melhor, todos facilmente consideravam que o círculo familiar devia se ampliar a critério da vida econômica. Assim, os estatutos especificavam que o mestre era obrigado a se ocupar de seus aprendizes como de seus filhos[44] e fazer o mesmo com seus criados. Este era um dos tópicos de controle dos jurados em relação os mestres: verificar se os aprendizes e criados estavam sendo bem tratados. De outra parte, a conduta dos criados era supervisionada. Os mestres tinham a obrigação de denunciar eventuais escândalos à autoridade pública competente, atitude no fundo bem paternal, que, nem sempre conseguindo corrigir o libertino, protegia os outros criados do seu exemplo corruptor.

         Enfim, terminemos este parágrafo especificando que a comunidade de ofícios era ela mesma uma grande família dos que exerciam o ofício. Esse espírito familiar é uma das causas da busca permanente do bem comum do corpo e da caridade exercida em seu seio

 

O feudalismo, o espírito consuetudinário

 

         O feudalismo é o segundo elemento que caracterizava em profundidade o século XIII em sua constituição social. O espírito consuetudinário era um dos principais traços políticos da organização feudal. No século XIII, tendo o rei recuperado sua posição em relação aos feudatários, o direito consuetudinário, contido dentro dos justos limites de uma subordinação à autoridade real, permitia uma aplicação exemplar do princípio de subsidiariedade, da qual puderam desfrutar as comunidades de ofícios. Foi nesse direito que elas encontraram sua riqueza e seu desabrochar. Examinemos tudo isso.

 

         A essência do vínculo feudal

 

         Para bem compreender a essência do vínculo feudal, R. Pernoud compara nossa mentalidade econômica com a dos nossos ancestrais da Idade Média. Se hoje em dia, explica ela, as relações econômicas de homem a homem se fundam sobre o trabalho assalariado, nada disso acontecia na Idade Média, onde as noções de trabalho assalariado e de dinheiro eram quase ausentes. O que regia os vínculos de homem a homem era a fidelidade, de uma parte, e a proteção, da outra. Por conseguinte, uma pessoa não comprometia seu tempo, mas sua fidelidade, e não recebia salário, mas subsistência e proteção. Eis a essência do vínculo feudal[45]. Esse vínculo pessoal implicava o reconhecimento de uma hierarquia social. Ele se encontrava em toda a parte na sociedade, notadamente na organização política. Por toda a parte sentimentos de fidelidade, por um lado, e deveres de proteção, pelo outro, alimentavam as relações políticas e sociais.

         Durante mais de cinco séculos, escreve a historiadora, a fidelidade e a honra permaneceram sendo a base essencial, a armadura das relações sociais. Quando no lugar delas entrou o princípio de autoridade, no século XVI, e sobretudo no XVII, não se pode alegar que a sociedade tenha ganhado; seja como for, a nobreza, já enfraquecida por outras razões, perdeu aí sua reserva moral essencial[46].

 

         O espírito feudal nas comunidades de ofícios

         É em mais de um aspecto que encontraremos o espírito feudal na organização dos ofícios no século XIII.

         Notemos antes de tudo que a corporação juramentada era ela mesma considerada como uma pessoa feudal. Por quê? A primeira razão se encontra no nome “juramentada”, que, aliás, não é sistemático, mas que exprime muito bem o espírito do século XIII. É preciso recordar aqui que o termo “corporação” veio à luz no século XVIII, pela boca ou pelos escritos dos liberais que abominavam as comunidades de ofícios[47]. Aliás, este termo designava normalmente, no século XVIII, as grandes empresas estatais, tais como a Companhia das Índias. Ele é, portanto, bem mal escolhido para defender a legitimidade das comunidades de ofícios, em uma justa aplicação do princípio de subsidiariedade. Uma das forças do liberalismo é introduzir a ambiguidade dos termos e recusar-se a defini-los. Seja como for, no século XIII, são as expressões “comunidade de ofícios”, “corpos de ofícios” ou a palavra “juramentada”[48] que se deviam guardar. Havia então dois tipos de organizações de ofícios: os ofícios ditos juramentados e os ofícios livres. Os primeiros eram sociedades de artesãos ou de pequenos comerciantes vinculados por um juramento, sociedades dotadas de um monopólio. Elas constituíam verdadeiras pequenas repúblicas dentro da cidade. Os segundos eram ofícios regulados pelos poderes públicos, na falta de organizações naturalmente constituídas. Tratava-se, de acordo com Coornaert, de um mundo em tutela. Na verdade, aí encontramos uma sadia aplicação do princípio de subsidiariedade. Os que nos interessam são os ofícios organizados, os juramentados. Contrariamente aos ofícios livres, eram pessoas feudais: elas podiam, por exemplo, possuir e comparecer em juízo. Diante da autoridade política, elas eram constantemente legitimadas enquanto tais pelo juramento de seus mestres juramentados. Com efeito, estes últimos, por ocasião de sua investidura, sempre prestavam juramento à autoridade. Em Paris, no que dependia diretamente do domínio real, os juramentados prometiam ao preboste, com as mãos sobre os Santos Evangelhos ou sobre relíquias dos santos, cumprir sua tarefa com lealdade[49]. Havia igualmente muitos casos em que a comunidade inteira prestava juramento ao senhor ou à comuna. Coornaert relata o exemplo, em Bourges, dos açougueiros do rei, “que prestavam anualmente fidelidade e homenagem por suas bancadas e que apresentavam um responsável pela mão morta que os representasse a serviço do senhor rei”[50].

         Esses juramentos legitimavam a existência da comunidade feudal. Em troca, a [corporação] juramentada recebia a proteção do seu senhor ou da comuna, proteção que se caracterizava pelo monopólio territorial, verdadeiro privilégio e sinal dos tempos. Voltaremos a falar desse monopólio que conferia um direito exclusivo de produção, em um território determinado, à comunidade de ofícios. Na relação entre autoridade política e [corporação] juramentada, havia, pois, um vínculo feudal caracterizado, por um lado, pela fidelidade, cuja expressão era o juramento, e, por outro, pela proteção, que se manifestava pela outorga de um privilégio, o monopólio territorial.

         Havia, em seguida, no seio das comunidades, hábitos e regulamentos que denunciavam incontestavelmente o espírito feudal. Por exemplo, o que era verdadeiro para a [corporação] juramentada considerada em seu conjunto como pessoa feudal era verdadeiro para cada operário que lá exercia sua atividade. Para entrar na comunidade, o aprendiz deveria prestar juramento à comunidade, juramento renovado no final do aprendizado, tanto para os criados como para os mestres. Em troca dessa fidelidade à comunidade de ofícios, cada um receberia a proteção correspondente ao seu estatuto. Assim, para o mestre, o monopólio territorial de sua [corporação] juramentada se traduziria em monopólio pessoal, associado ao direito de participar do governo do ofício. Tanto para o criado quanto para o aprendiz, a proteção esperada da parte da comunidade se faria bem presente nos regulamentos. Vimos acima que os mestres deviam tratar seus aprendizes como seus filhos. Lespinasse anota em seu comentário ao Livro dos Ofícios que, para que o contrato de aprendizagem fosse aceito,

         Os jurados deviam [...] colher as mais minuciosas informações sobre as capacidades do mestre e sobre sua posição financeira. Se ele não lhes parecesse suficientemente capaz, eles o ignoravam [...]. Os jurados deviam ainda se assegurar de que houvesse ao menos um operário trabalhando na oficina, na qualidade de criado, de maneira que o aprendiz jamais permanecesse sozinho no trabalho, quando o mestre se ausentasse para atender aos seus negócios[51].

         Enfim, conhecemos igualmente toda a complacência dos estatutos para com a juventude dos aprendizes, notadamente como os protegiam mesmo em caso de fuga, uma vez que, em geral, os mestres deviam esperá-los por um ano e um dia![52].

         Toda a proteção conferida aos operários se resume pela noção de “propriedade do ofício”. Quando concluía seu aprendizado, o mestre ou criado era proprietário do seu ofício. Ele assim adquiria garantias de trabalho da parte da comunidade, de segurança e de assistência, em caso de necessidade. Uma tal organização econômica se opõe radicalmente ao liberalismo, que gera a condição proletária. Aqui, o operário não podia ser um proletário, pois era proprietário do seu ofício. Eis, portanto, por meio de alguns exemplos, o espírito feudal contido nas comunidades de ofícios: fidelidade de uma parte, proteção da outra.

 

         O costume nas comunidades de ofícios

         Entre direito consuetudinário e direito romano, há um abismo de sabedoria e de justiça. O respeito pelo princípio de subsidiariedade pelo governo da sociedade política – respeito que decorre da justiça, como declara Pio XI – produz um direito consuetudinário, ao passo que o desprezo por esse princípio, fruto de uma cultura política autoritária, gera a concentração administrativa do poder: trata-se do Direito romano, que não deve ser confundido com o Direito Canônico.

         O respeito pelo princípio de subsidiariedade por um rei como São Luís produziu naturalmente, em todos os graus da hierarquia social, um direito consuetudinário. As províncias e as comunas eram consuetudinárias, as famílias eram consuetudinárias, e as comunidades de ofícios também o eram. No caso das [corporações] juramentadas parisienses, o primeiro elemento que no-lo assinala é o próprio procedimento de São Luís. O rei mandou redigir os estatutos dos ofícios, preocupando-se, por um lado, em afirmar seus direitos, mas também e sobretudo em regular as relações entre pessoas de ofícios diferentes, entre pessoas que exerciam ofícios num mesmo corpo, etc. A quem pediu ele essa redação? Não a legistas, mas aos próprios operários dos ofícios, os únicos que possuíam as competências exigidas. Os estatutos eram, portanto, os costumes escritos dos ofícios parisienses do século XIII, aprovados pelo rei. Eles levavam as marcas infalíveis do espírito consuetudinário, que são a brevidade e a flexibilidade. Essa brevidade, estranha para os nossos espíritos acostumados ao “legislacionismo”[53], é o reflexo das liberdades concedidas pela autoridade real. O que um regime estatista fixa e congela na frieza de um papel burocrático interminável por seus detalhes esterilizantes, o regime de São Luís lhe confere uma liberdade legítima de expressão e de modulação. Ela se manifesta plenamente na brevidade e na flexibilidade dos regulamentos. Quando falamos em flexibilidade, trata-se do poder de adaptação às circunstâncias políticas e econômicas do momento, não dos princípios da ordem social cristã. A alguns séculos de distância, encontramos o mesmo espírito na regra ditada por Santo Agostinho, a respeito da qual o Padre Petitot escreveu que “é indefinida o bastante e vaga o bastante para se prestar, como uma matéria bem maleável, a múltiplas formas de vida religiosa”[54].

         O segundo ponto a destacar é uma consequência do sistema feudal. No século XIII, as comunidades de ofícios eram submetidas ao senhor do local e dele recebiam seu monopólio territorial, como vimos acima. Havia, portanto, comunidades de um mesmo ofício cujos costumes variavam em função do local. Este era o resultado de uma conjunção entre a formação natural de um corpo econômico e o respeito ao princípio de subsidiariedade. Isto era necessário para conservar para as comunidades seu espírito familiar, fonte da sua caridade e da sua fecundidade. Era algo natural, em muitos casos, de um ponto de vista “profissional”. Com grande frequência, em um artesanato, um mesmo ofício não se pratica da mesma maneira em Paris, em Lille ou em Toulouse[55]. Os regulamentos relativos à qualidade diferem, portanto, de um lugar para outro. No século XIII, a riqueza das tradições locais e a fecundidade das [corporações] juramentadas encontram sua fonte em uma dimensão familiar do corpo e em seu espírito consuetudinário, vale dizer, espontâneo e livre, submetidos aos princípios da ordem social cristã[56].

         Enfim, o direito consuetudinário tem por efeito comprometer os homens com os caminhos da responsabilidade. Ele exige de cada um, tal como um dever de justiça, que participe do governo do corpo do qual ele é parte, na medida da sua condição e das suas competências. No seio das comunidades de ofícios, os mestres, em geral, e os jurados trabalhavam para construir o futuro do ofício. Eles se sentiam solidários e responsáveis. Os mestres, quando eram escolhidos por seus pares para tomar conta da comunidade, não tinham o direito de recusar esse oneroso encargo. Os mandatos dos jurados eram, a propósito, bastante curtos, durando em média um ano. Isto permitia uma rotatividade frequente dos fiscais e, desta forma, fazer que todos os mestres dignos da função se interessassem pelo bem comum do ofício.

 

A cristandade

         A ordem social cristã e São Luís, rei justiceiro

         O século de São Luís permanece sendo, para nós, cristãos do século XX, e para quem quer que se interesse pela civilização cristã, uma referência fundamental. A Igreja nos propõe São Luís como exemplo por sua santidade pessoal, mas também pela santidade do seu governo. São Luís foi o rei justiceiro. Isto não foi um acaso, pois a justiça geral é a virtude exercida por um soberano para ordenar a sociedade política ao seu fim[57]. Ele foi, portanto, justo em sua maneira de governar, notadamente porque respeitou o princípio de subsidiariedade. Ele assim permitiu aos corpos intermediários que florescessem em um verdadeiro regime de liberdades. Foi esse regime que produziu as maravilhas que conhecemos, e, entre elas, uma organização econômica excepcional, cujo elogio foi feito nos seguintes termos por H. Pirenne:

         A economia urbana é digna da arquitetura gótica, da qual é contemporânea. Ela criou em todas as suas peças [...] uma legislação social mais completa que a de qualquer outra época da história, aí compreendendo a nossa. Ao suprimir os intermediários entre o comprador e o vendedor, ela assegurou aos burgueses o benefício da vida a baixo custo, ela perseguiu sem piedade as fraudes, e protegeu o operário contra a concorrência e a exploração[58].

         Em verdade, era a ordem social cristã que estava integralmente presente nas comunidades de ofícios.

 

         A ordem social cristã nas comunidades de ofícios

         Revelaremos na parte seguinte como os princípios de uma economia cristã eram respeitados e postos em ação. Vejamos, neste parágrafo, os outros elementos de uma fascinante penetração do cristianismo nas comunidades de ofícios.

         Seria necessário inicialmente retornar à questão da origem das [corporações] juramentadas, questão bastante complexa, à qual os historiadores não dão respostas claras. O que é certo é que o mundo romano conheceu colégios de artesãos, e que Bizâncio jamais deixou de tê-los, assim como o mundo muçulmano. No Ocidente, vemos reaparecerem comunidades econômicas a partir do século IX[59], mas foi entre os séculos XI e XIII que elas realmente se afirmaram, tendo a seu favor uma situação política tornada estável. Há uma dificuldade em estabelecer um liame com as comunidades romanas, por falta de fontes, por um lado, e certamente também em razão de uma situação política movimentada desde a queda do império romano, que não permitiu que esses corpos naturais se constituíssem normalmente. Seja como for, o renascimento das nossas comunidades é indissociável da penetração do cristianismo na sociedade medieval. É isto o que faz a particularidade delas. A organização dos ofícios no século XIII é um regime econômico cristão. A religião não veio se justapor sobre um regime natural anterior, ela ocasionalmente o precedeu pela existência de uma confraria, e sempre o acompanhou com sua graça. A ordem natural só foi respeitada pela virtude do cristianismo. Esta é evidentemente uma lição para nós na reflexão sobre o engajamento político.

         Como, portanto, se traduziram nos fatos as origens cristãs das comunidades de ofícios? O primeiro elemento foi estrutural. Trata-se das confrarias, obras religiosas de auxílio mútuo e de caridade, vinculadas às [corporações] juramentadas. Devem-se dizer a respeito disso duas coisas. A primeira, decorrente do regime consuetudinário, é que nem toda comunidade tinha forçosamente uma estrutura que podia ser chamada de confraria. Isto, no entanto, em nada prejudicava a qualidade do exercício da caridade entre os praticantes do ofício. A segunda é que as fontes falam pouco das confrarias. Os estatutos de E. Boileau são lacônicos sobre a questão. O termo “confraria” não era, aliás, muito difundido. R. de Lespinasse nos explica que, no Livro dos Ofícios, a confraria aparece unicamente “sob a forma de uma caixa de auxílio”[60] alimentada pelos direitos de ingresso – aprendizagem e proficiência – e por multas. Essa organização tinha diversos objetivos:

         *a preparação das festas religiosas, que eram bem numerosas, pois nessa época se trabalhava em média quatro dias por semana. Elas eram sistematicamente feriados obrigatórios, sob pena de multa e de confisco;

         * a construção e a manutenção de uma capela para o santo padroeiro;

         * a assistência aos funerais de um membro do ofício (trata-se aí certamente de uma devoção profundamente cristã);

         * a assistência e a formação para as crianças pobres do ofício[61];

         * o sustento dos idosos do ofício – os cozinheiros dizem, por exemplo que “um terço das multas arrecadadas [...] será atribuído ao sustento dos idosos pobres pertencentes ao ofício, que tiverem decaído de posição em função dos negócios ou da velhice[62];

         * a redistribuição dos confiscos por infração ou por trabalho defeituoso nos ofícios alimentares aos prisioneiros do Châtelet ou aos pobres do Hôtel-Dieu[63];

         * a angariação dos benefícios do trabalho efetuado de maneira rotativa no domingo por certas comunidades, tendo em vista uma obra pia – Os ourives organizavam uma tal rotação de trabalho no domingo para oferecer “no dia da Páscoa um jantar aos pobres do Hôtel-Dieu de Paris”[64].

         Eis aí uma lista das atribuições das confrarias, provavelmente não exaustiva, mas que mostra de maneira aproximada com que espírito nossas comunidades eram animadas.

         O segundo elemento, impressionante para nós, se encontra na redação dos estatutos. Por toda a parte, Deus e a religião estavam presentes. Por toda a parte, eles iluminavam os termos dos costumes com seus nomes ou seu espírito, até ao ponto de introduzirem-se certos regulamentos que recordam os inícios das homilias:

         Em nome da santa e indivisível Trindade, de Santa Maria, São Nicolau e de todos os santos, nós, diletíssimos irmãos, prometemos todos a Nosso Senhor conservar o vínculo da dileção. [...] Todos os que estão nesta caridade[65], Deus onipotente os defenda [...] os livre de todo mal e confirme e toda boa obra, e os conduza à vida eterna[66].

         Por toda a parte, as denominações de períodos, de dias, também de horas, tomam emprestadas à Igreja seus hábitos e sua linguagem. Por exemplo, sucedia que os regulamentos fossem modificados em função das épocas do ano. Este era geralmente o caso para a duração do trabalho. O costume era trabalhar do nascer ao pôr do sol. Por conseguinte, o ano era dividido em dois. Havia a estação dos dias curtos, chamada charnage, pois a carne era permitida em certos dias de penitência. Os regulamentos que mencionam a interrupção do trabalho especificavam ordinariamente que ele ocorria nas vésperas. A estação dos dias longos era chamada quaresma, e a interrupção do trabalho se fazia nas completas. De maneira igualmente frequente, era uma grande festa, ou a festa de um santo particularmente honrado, que assinalava ou uma mudança nos estatutos, ou um ponto do regulamento a ser respeitado. Os padeiros assim pagavam o costume (imposto comercial) no Natal, na Páscoa e no dia de São João[67]. Havia, portanto, na forma bem como no fundo, uma penetração absoluta do cristianismo nas comunidades de ofícios.

         Evidentemente, escreve E. Coornaert, um tal regime pressupõe concepções do trabalho e da própria existência diferentes das que dominam os espíritos hoje em dia: o trabalho inerente à vida e esta ordenada à religião, ritmada pelo transcurso do ano litúrgico[68].

         Neste parágrafo, pareceu-nos bastante útil terminar por um elemento capital do regulamento, cuja vocação era de preservar a saúde do corpo de ofício. Não somente a forma e o fundo eram inequivocamente católicos, mas, além disso, os regulamentos não deixavam a esmo a conservação dessa catolicidade. Não havia dúvidas de que o fim, mesmo puramente natural, do corpo não podia ser alcançado sem um mínimo de virtudes morais e sem a graça de Deus. O ponto de regulamento de que falamos diz respeito aos critérios de admissão nas comunidades. Por um lado, não eram admitidos em um corpo os homens escandalosos – homens e mulheres difamados, por exemplo – e os bastados. Por outro lado, bem rapidamente, o pertencimento à burguesia foi exigido, tal como uma prova necessária de moralidade. Com efeito, nessa época, o acesso à burguesia significava que a pessoa tinha praticado duas virtudes maiores para a ordem social: a aplicação ao trabalho e a temperança no uso do que esse esforço tinha permitido adquirir. Enfim, eis aí um princípio repleto de ensinamentos para o combate antiliberal: geralmente, a admissão dos hereges e dos judeus estava fora de questão[69], pois, diz E. Coornaert, “parecia repugnar aos cristãos entrar em um tipo de sociedade com eles”[70].

         O espírito das [corporações] juramentadas era, portanto, o espírito do século XIII, um espírito familiar, feudal e consuetudinário. Foi este espírito a fonte de tanta caridade, conforme vimos, e de uma imensa fecundidade que agora vamos desvendar, em suas linhas gerais, por meio da aplicação dos princípios de uma economia cristã.

 

A organização dos ofícios sob o reinado de São Luís em face dos princípios

 

         Já recordamos na primeira parte algumas definições e alguns princípios gerais de uma economia ordenada. Vejamos agora com quão grande pragmatismo e realismo os praticantes dos ofícios se aplicavam a se conformar a esses mesmos princípios.

 

Uma organização respeitosa dos fins do ofício e da economia

 

         Havia antes de tudo uma necessidade absoluta de respeitar o fim da economia e o fim do ofício para permanecer dentro da ordem querida por Deus.

 

         A independência das famílias

         Como, na prática, se pode visar e assegurar a independência das famílias, o fim da economia? Os praticantes dos ofícios não parecem ter tido dificuldades para encontrar os meios adequados. Eis aí dois deles, para nos convencermos disso. O primeiro desafia nitidamente nossos hábitos liberais. Antes de citá-lo, recordemos que a independência das famílias não é um enriquecimento sem fim. A necessidade material delas é limitada, o enriquecimento que permite adquirir a independência o é igualmente. Respaldados por essa certeza, os operários do século XIII tinham compreendido que era necessário limitar a expansão das empresas. Eles o dispuseram em um certo número de regulamentos. Este era um meio adequado para favorecer a instalação de novos mestres e fornecer assim a numerosas famílias uma situação independente. A “política” econômica dessa época consistia antes em desenvolver uma densa teia de pequenas empresas familiares independentes que em favorecer a implantação de indústrias poderosas, mas que sempre foram a causa de uma pauperização do mundo operário[71]. Entre os elementos utilizados para limitar o crescimento das empresas, encontravam-se: a proibição de toda associação comercial, de que voltaremos a falar quando tratarmos da concorrência, a proibição dos anúncios [publicitários], a limitação dos pontos de venda[72] e a limitação da duração do trabalho, a qual já abordamos. Todos esses pontos dos estatutos não tinham forçosamente por objetivo imediato e explícito a limitação da expansão das empresas, mas podemos constatar que a aplicação de cada uma dessas regras, que correspondiam ao respeito aos princípios da ordem social cristã, acarretava imediatamente essa limitação.

         O segundo meio, corolário do primeiro, é o espírito com o qual se entrava em uma comunidade no século XIII. Um jovem ou uma jovem que iniciava um aprendizado o fazia com o objetivo de tornar-se mestre ao final da sua formação[73]. Subsequentemente, a evolução dos espíritos vinculada ao estatismo crescente, e os enrijecimentos no tocante aos privilégios em todos os graus da hierarquia social haviam de produzir uma mudança notável na sociedade. A proporção de criados em relação aos mestres não cessará de crescer até à desaparição das comunidades de ofícios. R. Pernoud escreve:

         Os criados só se tornarão numerosos a partir do século XVII, quando uma oligarquia de ricos artesãos buscou cada vez mais reservar para si o acesso à posição de mestre, o que esboçava a formação de um proletariado industrial[74].

         Sob o reinado de São Luís, só se tornavam criados, ao final de seu aprendizado, os operários que não podiam superar as dificuldades da posição de mestre, tais como a compra do ofício e o exame de probidade do candidato. Os outros estavam destinados a ser mestres. Eles podiam oferecer às suas famílias essa independência material e moral tão buscada por seus benefícios, sendo o mais importante deles o de dispor as almas à contemplação de Deus.

 

         A utilidade do ofício

         Vimos o quanto a economia e os ofícios eram organizados tendo em vista a independência das famílias. O outro fim dos ofícios é a utilidade social deles. Os operários tinham uma profunda consciência dela, que se manifestava pela “honra do ofício”. Por quê? A resposta é simples. Quando queremos prestar um serviço – o ofício é um serviço, razão pela qual é útil – fazemo-lo bem. Propomos aqui cinco ilustrações colhidas ao acaso na vida corrente das [corporações] juramentadas a favor da excelência, da qualidade e da “lealdade” do produto. Antes de tudo, para satisfazer a preocupação com a excelência, o operário necessita adquirir uma sólida perícia. Era com esse objetivo que as durações do aprendizado eram bastante longas aos nossos olhos, e naturalmente obrigatórias. Elas eram em média de seis anos, alguns ofícios prolongavam-nas até dez[75] ou doze anos. Acrescentemos que a duração mencionada nos costumes era uma duração mínima.

         Em seguida, uma vez terminado o aprendizado, a pessoa podia se tornar mestre. As exigências que cercavam essa consagração são o resultado da importância conferida ao estatuto de mestre. Os mestres eram os arautos do ofício no cotidiano. Eles deviam, portanto, dar provas de um certo número de competências que os trefileiros de ferro assim resumiam: “Quem quer que queira trefilar pode fazê-lo, contanto que aprenda o ofício e tenha os recursos necessários”[76]. A fórmula é lacônica, mas, para eles, era clara. O postulante devia apresentar garantias de capacidades técnicas formalizadas por um juramento de fim de aprendizado e confirmadas pelos mestres da comunidade. Mais tarde, ver-se-iam generalizar as obras-primas, pouco correntes no século XIII. O candidato devia igualmente provar que tinha uma situação econômica estável e era capaz de se instalar. O mínimo exigido era a propriedade dos meios de produção e a compra do ofício junto à autoridade política. Tudo isso pressupunha o exercício de certas virtudes morais que davam garantias à comunidade de ofícios a respeito das disposições do postulante. Se este tinha dado provas de coragem no trabalho e de temperança em seus apetites, isto lhe havia permitido tornar-se proprietário e constituir um capital que doravante pretendia fazer valer por conta própria, em nome da sua família. Ele se apresentava como um homem responsável e reto, que havia ascendido à burguesia por meio das suas virtudes[77]. A comunidade podia contar com ele, com sua preocupação pelo bem comum, e tinha a garantia de que ele se empenharia em prol da honra do ofício. Enfim, acrescenta Lespinasse em seu comentário, o futuro mestre “devia oferecer as mais seguras garantias de probidade e de boa conduta, a fim de merecer sua futura qualificação de homem probo [prud’homme]”[78], bem consciente do serviço prestado à sociedade por seu ofício.

         A consciência da utilidade do ofício nas comunidades se manifestava também por meio dos “controles de qualidade”, função principal dos jurados, que, em determinados corpos, assumiam o nome explícito de “guardas do ofício”. Este era um de seus principais papéis, pois os pontos regulamentares relativos à fabricação e à escolha dos materiais eram bastante numerosos, e até mesmo, em muitos casos, preponderantes. Se devemos hierarquizar os fins das [corporações] juramentadas do século de São Luís, a honra do ofício – aprendizado e qualidade – era a principal, juntamente com a regulamentação da concorrência. Os estatutos dos padeiros da época eram bastante extensos, e nos permitem conceber uma ideia desse papel de inspetores da fabricação e da venda, atribuído aos jurados. Esse ofício, tal como um feudo, pertencia ao Padeiro-Mor do Rei, que nomeava um mestre administrador e doze guardas eleitos – que símbolo para os padeiros! – que juravam sobre os Evangelhos bem desempenhar o policiamento do ofício[79]. A principal função deles, escreve Lespinasse, era de acompanhar o mestre dos padeiros na visita do pão[80], que ocorria uma vez por semana para controlar o tamanho, o preço e a qualidade dos produtos.

         Também a “visão profissional” da organização econômica era um poderoso motor de excelência e de qualidade. No século XIII, não havia a ideia absolutamente imparável de produzir ao menor custo, como é o caso hoje em dia, à custa de uma qualidade sistematicamente sacrificada. Os operários daquela época sabiam que deviam fabricar o belo, o bom e o durável, produtos de qualidade: em suma, o útil. Assim, o mestre não fazia o que chamamos pomposamente, nos dias de hoje, de “terceirização”[81], para diminuir os custos de produção[82]. Em geral, ele não terceirizava nem mesmo a mais mínima parte da sua fabricação, mesmo quando seu produto exigia a reunião de diferentes habilidades. O operário desejava dominar de maneira absoluta a qualidade da fabricação, e, portanto, do produto. É a isto que podemos chamar cultura ou “visão profissional”, a qual podemos encontrar nos costumes dos tecelães, que incluíam, no seio de suas comunidades, criados tintureiros para tingir seus tecidos em suas próprias oficinas[83]. Lespinasse especifica que “os regulamentos exigiam que o objeto fosse fabricado e vendido pelo mesmo operário [...]. A única exceção a isso eram os víveres, os quais necessariamente deviam ser vendidos e revendidos”[84]. Donde a intervenção importante dos pequenos comerciantes [regrattiers] parisienses do século XIII. É essa cultura que explica a classificação dos ofícios por objetos fabricados: assim descobrimos, não sem nos espantarmos, que os batedores de latão não faziam parte da mesma comunidade que os batedores de ouro, pois o metal trabalhado era diferente, e, portanto, a habilidade é diferente. Havia igualmente quatro [corporações] juramentadas para os fabricantes de terços, em função do material utilizado. Em tudo isso, o que se visava eram sempre a excelência e a alta qualidade dos produtos para satisfazer os consumidores.

         Terminemos de mostrar até que ponto essa preocupação animava os praticantes dos ofícios, por duas ilustrações que, no fundo, são convergentes. A maior parte dos ofícios proibia o trabalho noturno, não em virtude de considerações sociais, mas porque o trabalho noturno corria o risco de ser mau, em razão da luz fraca[85]. O risco de fraude e de falsificação era igualmente invocado para impedi-lo. É por isso que os operários deviam trabalhar de dia, à vista de todos. O mesmo motivo impeliu os operários a sempre lutar contra a venda ambulante, em função dos riscos de fraudes acerca da qualidade[86]. Assim, compreendemos agora, por meio desses poucos exemplos, que a lealdade do produto e a honra do ofício eram os reflexos, nos operários, da viva consciência da utilidade do seu ofício.

 

Uma organização respeitadora do princípio de subsidiariedade

 

         Já dissemos o quanto São Luís e, a seu exemplo, os grandes senhores feudais, leigos e eclesiásticos, respeitavam o princípio de subsidiariedade, notadamente em relação aos corpos intermediários econômicos. Vejamos agora com qual aplicação as próprias comunidades consideravam esse princípio no tocante aos seus membros, e, em seguida, em relação à autoridade política que os governava.

 

         Em relação aos seus membros

         Santo Tomás ensina que a monarquia é o melhor regime, pois o que é uno é mais apto a proporcionar a unidade na paz à multidão do que aquilo que é composto (a aristocracia ou a república)[87]. Ele acrescenta, todavia, que é necessário eliminar da monarquia seu possível desvio tirânico[88]. É necessário, portanto, um regime temperado por repúblicas ou aristocracias locais. Porventura as comunidades de ofício correspondiam a elas? Para o governo dos assuntos econômicos, elas eram efetivamente o que podemos chamar pequenas repúblicas locais. Elas eram corpos governados por uma certa multidão. A multidão em questão era em geral formada pelo conjunto dos mestres, julgados mais capazes que os criados de escolher os que teriam o encargo de exercer o poder na comunidade e de dirigi-la rumo ao seu fim. Ocorria, no entanto, que os criados podiam nomear alguns jurados saídos das suas fileiras, mas isto era algo bastante excepcional. O que é certo é que as pessoas julgadas competentes pelos costumes escolhiam seus jurados, e, como se sabia que a autoridade vem de Deus, a escolha era ratificada pela autoridade política (para muitos dos ofícios parisienses, era o preboste dos mercadores, Étienne Boileau, que confirmava as eleições e conferia as investiduras). Havia, portanto, da parte do corpo, o respeito ao princípio de subsidiariedade em relação aos seus membros. Estes participavam do governo da [corporação] juramentada em função das suas competências. Naturalmente se evitava o perigo da soberania popular e da sua consequência, o sufrágio universal.

 

         Em relação à autoridade política

         Para um corpo intermediário, o princípio de subsidiariedade se considera nos dois sentidos. Ele é antes de tudo considerado em relação aos seus membros ou aos corpos que lhe são inferiores, o que acabamos de fazer. Em seguida, é necessário que o corpo em questão respeite a autoridade que confirma o direito natural que ele tem de se governar a si mesmo. No caso em tela, no século XIII, as comunidades de ofícios eram sempre submetidas a uma autoridade política local: um senhor leigo, um senhor eclesiástico ou uma comuna, por exemplo. Diversos elementos frequentes nos estatutos parisienses nos mostram que essa submissão não era uma palavra vazia. O primeiro deles, ao qual não retornaremos, pois já o abordamos, era o juramento, notadamente o dos jurados, em troca do qual ocorriam suas investiduras. Recordemos, todavia, que, no século XIII, ser perjuro era uma das piores degradações. Esse juramento, portanto, não era feito de maneira leviana. As funções dos jurados não se resumiam, a propósito, aos controles dos praticantes dos ofícios. Eles eram também encarregados, em nome da autoridade política, de fazer respeitar as leis civis na comunidade. Eles possuíam, para essa finalidade, uma certa jurisdição. Eles administravam a justiça em relação aos delitos profissionais, sancionavam, aplicavam multas e confiscavam as mercadorias defeituosas. Para as faltas mais graves, eles tinham o dever de denunciar os crimes à autoridade política, sinal da sua submissão e da sua preocupação com o bem comum.

         Dois outros elementos, que jamais alegraram a ninguém, provam o respeito dos praticantes dos ofícios em relação à autoridade política: eles pagavam impostos comerciais e faziam o serviço de vigilância. De maneira mais precisa, somente os mestres pagavam esses impostos, como chefes de famílias. Igualmente, somente eles eram obrigados a vigiar rotativamente as muralhas das suas cidades durante a noite, como todo burguês era obrigado a fazer. Eles participavam assim da proteção da sua pátria. Esses dois pontos estavam presentes na maior parte dos regulamentos parisienses e as fórmulas não mentem quanto à submissão que tinham em relação à autoridade: “Os oleiros devem ao rei o serviço de vigia”[89], diziam os costumes desse ofício.

         Os praticantes dos ofícios e a burguesia do século XIII, em seu conjunto, não eram revolucionários. H. Pirenne explica que, no grande movimento comunal de que foram os iniciadores, e que teve sua consagração nos séculos XII e XIII, eles não buscaram derrubar a ordem estabelecida. Eles afirmaram o direito natural recordado por Pio XI de governar seus próprios corpos econômicos, bem como o primeiro corpo intermediário político. Era um movimento irresistível e natural. Eles estiveram na origem das instituições urbanas que conhecemos no século XIII, fundadas sobre a divisão dos ofícios[90]. Eles lhes eram, portanto, evidentemente submissos. Isto é tanto mais verdadeiro porque as comunidades de ofícios constituíam um viveiro para os conselhos municipais. Lespinasse escreve na introdução do seu comentário que o comércio das águas era uma poderosa [corporação] juramentada no seio da qual “se recrutou o échevinage[91] parisiense”. Constatamos com evidência que as comunidades ocupavam seu lugar próprio na sociedade.

 

Uma organização respeitadora dos princípios da economia cristã

 

         Começamos a mostrar o essencial, assegurando-nos de que as comunidades de ofícios respeitavam os fins da economia e do ofício. Quando os objetivos buscados são claramente definidos e estão em conformidade com a ordem querida por Deus, os meios empregados para alcançá-los serão justos de maneira perfeitamente natural. Na busca de um fim, há lógicamente a tendência a utilizar os meios em conformidade com esse fim. Se o fim for bom e sem ambiguidade para os que o têm em vista, os meios serão naturalmente bons. Somente os ativistas têm uma propensão natural a negligenciar a escolha dos métodos, contanto que o fim seja alcançado (devemos ainda especificar que esse fim é com frequência grosseiramente definido nos espíritos deles). Nesta última parte, constataremos que os praticantes dos ofícios respeitavam, na prática, os princípios de uma economia cristã, sabendo que esses princípios constituem as regras de ação ditadas pela finalidade da economia.

 

         Uma organização que combatia a especulação e o lucro fácil

         A sociedade medieval se dedicava de corpo e alma quando se tratava de combater a especulação. E. Coornaert recorda quanto os cristãos eram hostis a todo ganho que não era fruto de um trabalho pessoal, o quanto o trabalho era então concebido como condição normal e permanente da existência[92]. Não nos surpreenderemos, portanto, ao ver que as comunidades de ofícios não permaneciam neutras diante dos comportamentos especulativos. Elas os combatiam positivamente. Apresentaremos aqui algumas aplicações dos costumes que vão nesse sentido edificante. Elas são basicamente tão desconcertantes quanto a limitação da expansão das empresas para nós, que estamos habituados a ouvir falar unicamente do crescimento necessário destas últimas. É preciso, novamente, fazer um esforço violento e recordar às nossas memórias que o fim da economia não é o enriquecimento, mas a independência material das famílias. A nuance é considerável, pois fixa limites. É por isso que uma economia ordenada é uma economia mortificada. Trata-se de mortificar nossa natureza decaída, que não cessa de buscar riquezas. Assim, a especulação, que é um enriquecimento artificial, era combatida cotidianamente pelo “direito de partilha”. Tratava-se de um ponto de regulamento bastante difundido, que conferia aos praticantes de ofícios presentes por ocasião de um contrato o direito de obter a partilha das matérias primas negociadas por um dentre eles com um fornecedor, pelo mesmo custo. Os fabricantes de selas resumem esse uso nestas palavras:

         Se um fabricante de selas comprar alguma coisa própria do seu ofício, e se alguém do mesmo ofício chegar no momento em que o negócio estiver sendo concluído por um aperto de mão, ou pela destinação do dinheiro a Deus, aquele que estiver chegando pode tomar a metade, ou a quantidade de que necessite[93].

         O que se buscava era a equidade no ponto de partida, e que nenhum operário pudesse, por meio de um comportamento especulativo, tirar proveito de uma compra vantajosa em detrimento dos outros. Lutava-se contra todo risco de açambarcamento. Em parte pelas mesmas razões, as compras de mercadorias se faziam publicamente, em locais bem estabelecidos[94]. Havia aí também a afirmação da superioridade da produção sobre o comércio. Era a perícia de um operário que devia permitir-lhe se distinguir da massa, não suas capacidades de negociar.

         Os praticantes dos ofícios proibiam igualmente os mercados futuros, vale dizer, as encomendas feitas de antemão. Era proibido acumular estoques e fazer acordos em segredo com um fornecedor. As compras eram feitas um dia de cada vez, em locais como os mercados, em função de uma necessidade real e cotidiana. Evitava-se, por essa proibição, o açambarcamento de mercadorias ou produtos por operários ricos que poderiam especular à vontade com o preço das mercadorias. É exatamente isso que diziam os pequenos comerciantes: “Os ricos revenderiam tudo, tão caro quanto quisessem”[95].

         Terminemos enfim este parágrafo com um ponto que não figura nos regulamentos, mas que era uma realidade social no século XIII. Trata-se da proximidade entre mestres, criados e aprendizes. Todas essas pessoas eram, aliás, agrupadas sob o vocábulo “operários”, sem distinção fundada sobre a posição hierárquica de uns e outros, pois o mestre jamais se considerava como um homem de negócios. Ele era um artesão, e seu valor se mensurava por sua perícia, não por atividades especulativas. Ele trabalhava na oficina ao lado de seus criados e de seus aprendizes, fato que, por sinal, favorecia o bom entendimento entre os operários. Notemos que a evolução da moral econômica, a passagem a uma economia liberal na qual se enfrentam capitalismo e socialismo, gerou uma evolução no sentido das palavras. “Operário” passou a designar doravante uma classe econômica inferior de pessoas consideradas como puras executoras. Os mestres, que outrora possuíam a mestria, garantia de suas competências técnicas, se tornaram os patrões. Eles passaram cada vez mais a ser gestores e financistas de comportamento especulativo, e isso até mesmo nas pequenas empresas. Guardemos bem, portanto, o espírito que animava essas oficinas: um espírito de união e de trabalho coletivo, onde o chefe dava o exemplo.

 

         Uma organização que combatia a usura

         A proibição da usura figurava entre as leis do reino, conforme recordamos acima. As comunidades de ofícios não tinham, portanto, de insistir num princípio desde então bem estabelecido. Encontramos, no entanto, aqui e ali, nos costumes, elementos concernentes à prática do empréstimo a juros e do empréstimo com penhor. Os estatutos das tecelãs de seda, por exemplo, proibiam às mestras que penhorassem ou vendessem a judeus ou a lombardos a seda que a elas havia sido confiada. O comentador do Livro dos Ofícios especifica, à margem desses regulamentos, que:

         Os judeus e os lombardos eram, em sua maioria, mercadores italianos que introduziram na França a prática do empréstimo com penhor. Vemos então, escreve ele, quão grande era a culpabilidade desses operários que trocavam a matéria prima que lhes havia sido confiava por outras matérias de pior qualidade.

         É verdade que os regulamentos visavam, num primeiro momento, eliminar todo comportamento incorreto das mestras para com seus clientes. Além disso, eles condenavam, ao menos implicitamente, a prática do empréstimo com penhor.

 

         Uma organização que defendia o princípio do justo preço

         Já citamos Santo Tomás de Aquino ensinando que é em si injusto vender mais caro ou comprar mais barato que o valor real da coisa. Não nos enganemos, a defesa do justo preço em uma situação de concorrência basicamente normal consiste com grande frequência em impor aos profissionais um preço mínimo de venda para um produto definido. Somos obrigados a abordar a questão da concorrência de maneira prematura, pois o princípio do justo preço lhe é indissociavelmente vinculado. Terminaremos, no entanto, a ilustração deste tópico no parágrafo seguinte. Assim, em uma economia onde a concorrência é regulada, o papel dos agentes econômicos – no caso em tela, o papel das comunidades de ofícios – é de velar para que os operários não fiquem tentados a violar as regras estabelecidas nesse sentido. No século XIII, a atividade de um mestre em relação aos outros mestres do mesmo ofício estava perfeitamente contida dentro dos limites de uma justa concorrência. Para um operário pouco escrupuloso, a tentação era infringir as leis que estabeleciam essas relações. Nesse caso, a tendência seria a de baixar os preços para atrair os clientes dos vizinhos. Ora, conforme dissemos, isso é injusto. O operário que age assim é injusto para consigo mesmo, e, o mais grave, é injusto para com a comunidade inteira. Os regulamentos intervinham, pois, para fixar preços mínimos de venda. Em certos casos, com menor frequência, eles fixavam preços máximos para proteger o consumidor. Os costumes dos padeiros, que já citamos, eram eloquentes quanto a isso. Eles dizem que os jurados deviam controlar os três tamanhos regulamentares de pães e as tarifas de venda a eles associadas. Havia uma relação direta entre o tamanho e o preço, que os artigos 32 e 33, por exemplo, determinavam[96]. Caso os pães fossem demasiadamente pequenos – entenda-se: demasiadamente caros –, eles eram confiscados e doados a Deus, vale dizer, aos pobres. Caso fossem demasiadamente grandes ou não suficientemente caros, o que é o equivalente, eles eram ditos meschevés, o que significa aviltados, desacreditados, vendidos abaixo do preço justo. Segundo Lespinasse, esta era em geral a situação encontrada pelos jurados na “visita do pão”. O artifício era empregado para atrair a clientela[97]. No mesmo espírito, os estatutos dos tecelães declaravam que os preços de venda deviam ser fixados pelos guardas jurados, e que nenhum mestre tinha o direito de fazer aliança com outros mestres para vender seus tecidos por uma tarifa inferior[98]. Os textos nos ensinam, portanto, que o estabelecimento e o controle do justo preço diziam respeito tanto ao interesse dos consumidores quanto ao das comunidades de ofícios.

 

         Uma organização que combatia a livre concorrência

         A vida cotidiana das [corporações] juramentadas mostra reiteradamente como regular com justiça a concorrência. Não havia livre concorrência. Isso não era possível em uma sociedade feudal. Conforme vimos, o exercício de um ofício em um território determinado era fruto de um monopólio. Tratava-se de um privilégio adquirido em troca de um juramento de fidelidade. Esta era a primeira maneira, a mais eficaz, de lutar contra a livre concorrência. Quando um ofício era juramentado em uma cidade, nenhum operário podia praticá-lo livremente.

         Se a questão era claramente definida em relação ao corpo como um todo, o qual era defendido como um feudo, como se encarava o problema da concorrência em seu seio? Da mesma maneira como o monopólio territorial era o privilégio de toda uma comunidade, o monopólio pessoal era o privilégio de um mestre em relação aos outros. Não podemos passar em revista todos os usos que regulavam as relações entre mestres. Eles eram extremamente numerosos. Nós já os exploramos, e muitas das aplicações citadas interferem na questão da concorrência. Retenhamos sobretudo que numerosos pontos de regulamento combatiam o risco de açambarcamento, vale dizer, o confisco dos mercados por um ou mais mestres em detrimento dos outros. Entre os meios utilizados, um dos mais notáveis era a proibição de toda associação comercial, que então era chamada companhia. Com efeito, os mestres não tinham direito algum de entrarem num acordo para formar uma sociedade econômica mais poderosa, em detrimento dos outros mestres. As alianças eram combatidas em razão de seu caráter especulativo e de uma concorrência que era julgada desleal para com os artesãos menos afortunados[99]. As companhias eram igualmente proibidas entre artesãos parisienses e comerciantes vindos de outra parte. A compra de matérias primas devia ser pública, para evitar, entre outras coisas, os riscos de acordos preliminares e de açambarcamentos[100].

         Chegando ao final desta parte, constatamos que a organização dos ofícios sob o reinado de São Luís não se perdia, nem quanto ao fim da economia, nem quanto aos meios para alcançá-lo. A máquina era tão bem regulada que podemos afirmar que nada era deixado ao acaso. Tinha-se então uma perfeita consciência daquilo que chamamos desde então a Doutrina Social da Igreja. Seus princípios eram respeitados, pois a autoridade das [corporações] juramentadas devia, assim como o governo de toda a sociedade, favorecer o bem e combater o mal em seu corpo. Nas comunidades de ofícios, sociedades econômicas, os jurados faziam, portanto, de maneira bastante natural, respeitar as regras econômicas da ordem social cristã. A disciplina não era, no entanto, uma disciplina marcial. Se as comunidades do século XIII se submetiam de muito bom grado a esses princípios, é porque eram fecundadas pelo espírito familiar, consuetudinário e cristão daquela época.

 

Conclusão geral

 

         Que ensinamento devemos extrair do exemplo das comunidades de ofícios do reinado de São Luís? É preciso, antes de tudo, se impregnar dos princípios da ordem social cristã e da economia cristã. É necessário, preliminarmente, aceitar o trabalho, às vezes penoso, de definir as palavras com precisão, recusando assim as ambiguidades e as falsificações liberais. Poderemos certamente, então, compreender melhor esses princípios aplicados com tanto dinamismo pelos operários do século XIII, princípios que tanto desafiam nossos hábitos! É preciso compreender que a economia cristã é uma economia mortificada. Isto é conforme ao preceito de Nosso Senhor Jesus Cristo citado em destaque: “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, e o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).

         É evidentemente inútil recalcitrar, os meios que exploramos não pregam meias medidas: limitação da expansão das empresas, proibição do empréstimo a juros, das associações comerciais, etc. Tudo isso é bem mortificador para uma natureza que tem sede de riquezas e de honras. Esta deve, no entanto, submeter-se a tudo isso.

         Como? Voltemo-nos uma última vez para o século de São Luís. Ele nos ensina como as comunidades de ofícios puderam ser tão exemplares. Repitamo-lo: é no espírito consuetudinário, familiar e cristão que nascem a fecundidade e a caridade de tais corpos. É preciso, portanto, começar por reformar nossas vidas familiares, aproximarmo-nos do modelo de família nuclear católica e privilegiar o enraizamento geográfico das linhagens. É preciso reformar nossas famílias, aí compreendendo o que diz respeito à escolha do nosso ofício, ou do de nossos filhos, pois não basta nos proclamarmos “corporativistas” (termo, aliás, bem mal escolhido): é preciso inserir trabalhadores cristãos no que será, um dia, se Deus quiser, um germe de comunidades de ofícios cristãs. Donde decorre a conclusão evidente: temos a necessidade de escolas profissionais católicas para termos, um dia, corpos intermediários católicos. Notemos, por fim, que o catecismo nos ensina que o cumprimento da lei natural não pode se fazer sem a graça, em função do pecado original. Não devemos ter a tentação de um naturalismo político que pretendesse restabelecer uma natureza boa, num primeiro momento, para que a graça do cristianismo venha fecundá-la em seguida: as comunidades de ofícios devem ser cristãs para serem realmente boas. A história da evolução das comunidades, associada à evolução religiosa e política do reino da França, o mostra. A fecundidade das [corporações] juramentadas do século XIII foi em grande parte devida à penetração do cristianismo na sociedade. A política estatista praticada do século XIV ao XVIII por nossos reis, associada ao humanismo crescente – corolário de uma caridade continuamente decrescente – arruinaram essa fecundidade. A melhor prova disso está no reforço dos aspectos disciplinares dos estatutos, por um lado, e na entrada da legislação social nesses mesmos estatutos, por outro lado. A disciplina nos estatutos de E. Boileau era certamente exigente, mas tratou-se doravante de se enrijecer nos privilégios (eis a doença de toda sociedade que reage ao estatismo); tratou-se, por exemplo, de tornar mais difícil o acesso à posição de mestre[101]. O bom entendimento entre as hierarquias vacilou, e abriu-se o abismo entre o que mais tarde seriam chamadas as “classes”. Por fim, enquanto no século XIII praticava-se a caridade fraterna em um corpo de espírito familiar sem que os estatutos tivessem de mencionar essas boas obras de maneira sistemática[102], no século XVIII, os operários eram obrigados a recorrer a eles.

         A cristandade deve ser restaurada. Voltemo-nos, pois, em direção àqueles que a edificaram com o auxílio de Deus, para deles aprender o que nós devemos fazer hoje.

 

Bibliografia

         PIO XI, Quadragesimo Anno.

         Santo TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 50, 58, 61, 77.

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[1] Ver Jean VAQUIÉ, “La Bataille préliminaire”, Lecture et Tradition, janeiro de 1990; reedições: De Rome et d’Ailleurs 156, janeiro de 1999; L’Action familiale et scolaire, 2001.

[2] São PIO X, Carta sobre o Sillon, nº 11.

[3] II, II, q. 50, a. 3, ad 1: “As riquezas não são o fim último do governo doméstico, mas aí ocupam o lugar de instrumentos, como diz Aristóteles. Ora, o fim último do governo doméstico [da economia] é o bem-viver total no interior da sociedade familiar. É ao modo de exemplo que o Filósofo faz das riquezas o fim do governo doméstico, e ele se refere ao que é a preocupação da multidão”.

[4] II-II, q. 50, a. 3, ad 2.

[5] Padres CALVEZ e PERRIN S. J., Igreja e Sociedade Econômica. O ensinamento social dos papas Leão XIII a Pio XII, Paris, Aubier, 1958, p. 413 (Extraído de um comentário sobre o ensinamento de Pio XI sobre o princípio da subsidiariedade).

[6] Jean FOURASTIÉ, economista do ministério das Finanças durante doze anos e do Comissariado geral de Planejamento a partir de 1945, escreveu que “o consumo é a meta da atividade econômica” (em A Realidade Econômica, Paris, Robert Laffont, 1978, p. 19). Percebe-se que, para um economista liberal, o fim buscado está bem vinculado às necessidades dos consumidores. Há, no entanto, um erro importante a retificar. Afirmar que o consumo é a meta da atividade econômica é desencarnar essa atividade. A consequência imediata é que, nesse caso, há uma recusa em se considerar os limites potenciais do consumo. Decreta-se que este é, a priori, ilimitado, e as ferramentas econômicas são dimensionadas em conformidade com essa tese (industrialização, marketing, etc), tudo isso em prol do lucro do mundo financeiro. Na verdade, a meta da economia contempla a necessidade dos consumidores. Estes são as famílias, e suas necessidades estão contidas nos limites da natureza. Os padres Calvez e Perrin, S. J., comentam o ensinamento de Pio XII a esse respeito: “Pio XII assim falará de “necessidade real e normal”, em oposição às “exigências estimuladas artificialmente” [...]. Há, pois, necessidades primárias, as que correspondem à garantia da saúde material e espiritual, ao sustento da vida do corpo e da alma, vale dizer, à constituição de uma personalidade livre. O homem pode, inversamente – voluntariamente ou por efeito de uma publicidade e de uma propaganda aviltantes – alienar sua liberdade e sua personalidade. É então, e somente então, que estamos diante de uma necessidade como simples força natural [de uma natureza decaída] e instintiva, mas ela só se torna tal porque o homem, infiel à sua verdadeira liberdade, se faz antes de tudo escravo de necessidades artificiais” (Padres CALVEZ e PERRIN S. J., ibid., p. 240 a 242). Pio XII afirmará até mesmo que “uma economia, uma técnica que se regulam com base nas necessidades primordiais do homem não tem espaço para se preocupar com o número demasiadamente grande ou pequeno de habitantes” (citado pelos padres CALVEZ e PERRIN S. J., ibid., nota 26, p. 241). Dito de outro modo, uma economia regulada com base nas necessidades reais e limitadas, respeitando a lei natural, saberá se organizar de maneira a satisfazer essas necessidades. As forças vivas assim se concentrarão ao redor do que é útil e necessário. Porventura não seria uma ofensa ao Criador afirmar o contrário?

[7] Registremos este ensinamento interessante de Pio XII extraído de uma alocução aos pais de família franceses (18 de setembro de 1951): “Para o cristão, há uma regra que lhe permite determinar com certeza a medida dos direitos e dos deveres da família na comunidade do Estado. Ela é assim concebida: a família não existe para a sociedade; é a sociedade que existe para a família. [...] O Estado deveria, portanto, em virtude mesmo, por assim dizer, do instinto de conservação, cumprir o que, essencialmente e segundo o plano de Deus, Criador e Salvador, é seu dever primário, vale dizer: garantir de maneira absoluta os valores que asseguram à família a ordem, a dignidade humana, a saúde, a felicidade. Estes valores, que são elementos do bem comum, jamais podem ser sacrificados ao que poderia ser aparentemente um bem comum”.

[8] Mons. Paul GUÉRIN relata que São Hugo, assumindo a defesa das famílias da Inglaterra, “não receava dizer ao rei Ricardo: “O que vim eu a saber? Contam-me que oprimis vosso povo com impostos”. Em Vida dos santos para todos os dias do ano, Argentré-du-Plessis, ed. D. F. T., 2003, p. 712. Isso mostra que um governo não pode sacrificar o bem material das famílias invocando um hipotético bem comum.

[9] PIO XI, encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, nº 136, em As Encíclicas Sociais, ed Bonne Presse, 1962.

[10] Pio XII, Carta a Ch. Flory, 5 de julho de 1952, citada pelos padres J.-Y. CALVEZ e J. PERRIN S. J. em Igreja e Sociedade Econômica – O ensinamento social dos papas, de Leão XIII a Pio XII (1878-1958).

[11] Nesta função essencial – a manutenção da justiça na sociedade – o governo fará uso dessa prudência organizacional que Santo Tomás chama prudência política (II-II, q. 47, a. 11). Aqui, a intervenção do governo é bem mais política que econômica.

[12] PIO XI, Quadragesimo Anno, nº 114 e 115, em As Encíclicas Sociais, Bonne Presse, 1962.

[13] JOHN VENNARI, “Os seis pontos do Padre Fahey e uma aplicação concreta”, Le Sel de la terre, nº 51, p. 149.

[14] De acordo com PIO XI, Quadragesimo Anno, 1931, nº 112, em As Encíclicas Papais, Bonne Presse, 1962.

[15] PIO XI, Quadragesimo Anno, 1931, nº 129, em As Encíclicas Sociais, Bonne Presse, 1962.

[16] Santo TOMÁS DE AQUINO, Pequena Suma Política, Da realeza, Paris, Téqui, 1997, pp. 43 e 44.

[17] PIO XI, Quadragesimo Anno, 1931, nº 140.

[18] PIO XII, Discurso aos novos cardeais, 20 de fevereiro de 1946.

[19] A respeito disso, é interessante estudar a evolução das comunidades de ofícios do século XIV ao século XVIII. Passou-se de uma economia consuetudinária extremamente fecunda, totalmente a serviço das famílias e subordinada ao bem comum, a uma economia de administração real que tinha como único objetivo a promoção do poder real. E. COORNAERT analisa nestes termos essa evolução tendo em vista unicamente o século XIV em As Corporações na França antes de 1789, Paris, Les Éditions Ouvrières, 1968, p. 93: “Já Filipe o Belo se habituou a tratar em pessoa das questões normalmente resolvidas pelos estatutos das comunidades, e considerava os ofícios de todo o reino como grupos a ele devotados”. Ele cita, nesta mesma obra, uma sucessão de decretos e editos reais uniformizadores e igualitaristas, dentre os quais eis os principais: em 1330 e 1332, dois decretos de Filipe VI; em 1351, um decreto de João o Bom; um pouco mais adiante, os grandes editos uniformizadores de Henrique III e Henrique IV, em 1581 e 1597. O historiador conclui sua demonstração com uma análise da política colbertista que coroa esse grande edifício estatista. Ele dirá acerca das comunidades de ofícios que elas se tornaram “órgãos passivos da administração” (p. 153).

[20] II-II, q. 58, a. 5.

[21] De acordo com R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e corporações da cidade de Paris no século XIII. O livro dos Ofícios de Étienne Boileau, Paris, Imprimerie Nationale, 1879, p. 95.

[22] Essa obra foi reeditada em fác-símile pela Biblioteca de Artes, Ciências e Técnicas, em 2005 (NDLR).

[23] Santa CATARINA DE SENA, O Livro dos Diálogos, Paris, Seuil, 1953, Cap. XXXIII, p. 117.

[24] Padre PÈGUES, O. P., Catecismo da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, Cadillac, Éditions Saint-Rémi, p. 223, 224.

[25] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Pequena Suma Política, Da Realeza, p. 112, 113.

[26] H. PIRENNE, As Cidades da Idade Média, Paris, P. U. F, 1971, p. 86.

[27] Ver o artigo de Denis RAMELET, “A remuneração do capital à luz da doutrina tradicional da Igreja Católica”, revista Catholica, nº 86, Inverno 2004-2005, p. 13 a 25. Ele recorda, entre outras coisas, a condenação do empréstimo a juros por Bento XIV, em 1745, na encíclica Vix pervenit, dirigida aos bispos italianos, e estendida por Gregório XVI à Igreja Universal em 1835.

[28] H. PIRENNE, As Cidades da Idade Média, p. 19 e 92-93.

[29] II-II, q. 61, a. 2.

[30] Ler Mons. DELASSUS, Verdades Sociais e Erros Democráticos, Cadillac, Éditions Saint-Rémi, cap. XVII: “O Bem Imóvel Comum”, p. 184 a 191 [há edição brasileira, publicada pela Editora Castela].

[31] Aqui nos referimos às organizações comerciais chamadas hansas. Dois problemas maiores se colocam a respeito delas. O primeiro, moral, diz respeito aos seus membros, pois eles eram necessariamente animados por sentimentos especulativos em uma comunidade econômica liberal. O segundo diz respeito às sociedades políticas. Com efeito, uma organização como a Hansa germânica era extrapolítica. Sua atividade se estendia pelo território de muitas cidades e constituía uma verdadeira força revolucionária. Uma sociedade ordenada deve sempre poder controlar o elemento econômico, que é subordinado ao seu bem comum. À guisa de exemplo de desvios notórios no plano político, citemos Albert D’HAENENS, autor de uma obra intitulada A Europa do Mar do Norte e do Báltico. O Mundo da hansa, Paris, Albin Michel, 1984, p. 30: “Nas cidades hanseáticas, a política urbana estava nas mãos dos mercadores hanseáticos, ao passo que em outros lugares os ofícios também nela tinham sua parte. Mas, na Alemanha do Norte, mais especificamente nas cidades marítimas hanseáticas, estes não conseguiram em parte alguma alcançar uma influência política real”. Conhecemos todo o perigo da monopolização do poder político pelos membros de um único ofício, ou, pior, pelos negociantes. O risco de que o bem comum seja sequestrado a serviço de uma profissão é significativo, notadamente para uma comunidade incessantemente ocupada na busca de seus benefícios.

[32] II-II, q. 77, a. 1.

[33] II-II, q. 77, a. 1.

[34] PIO XI, encíclica Quadragesimo Anno, 1933, nº 149.

[35] R. PERNOUD, Luz sobre a Idade Média, France Loisirs, 1981, p. 9.

[36] ID., ibid., p. 17.

[37] Ler Frédéric LE PLAY, A Reforma Social na França, a Família, Tours, Mame, 1878, t. II, p. 11 a 13.

[38] ID., ibid., t. II, p. 1546, 1547. É preciso dizer, a respeito da tirania dos governantes, que a aniquilação da agricultura, do artesanato e do pequeno comércio em nossa sociedade é devida tanto ao regime de sucessão (lei da partilha forçada) quanto ao regime de concorrência (supressão das comunidades de ofícios) e à instabilidade dos casamentos (lei do divórcio).

[39] R. PERNOUD, A Mulher no Tempo das Catedrais, Paris, Stock, 1980, p. 196 [há edição brasileira, publicada pela Editora Quadrante].

[40] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris no século XIII. O Livro dos Ofícios de Étienne Boileau, p. 101, nota. 4.

[41] ID., ibid., p. 101.

[42] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 120.

[43] ID., ibid., p. 14.

[44] Ver os regulamentos dos tapeceiros, R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 50, art. 13, p. 93.

[45] Ver R. PERNOUD, Luz sobre a Idade Média, p. 29.

[46] R. PERNOUD, Luz sobre a Idade Média, p. 36.

[47] Na verdade, eles – Clicquot de Blervache, Diderot, Turgot, etc. – logicamente detestavam aquilo que elas tinham se tornado sob o assalto sufocante de quatro séculos de estatismo e sob a influência moral do humanismo incessantemente crescente: com demasiada frequência pontos de enrijecimento e de privilégios ciosamente conservados. Em resposta, eles proclamavam o dogma da liberdade de trabalho e de empresa.

[48] O termo original francês é “jurande”. Como em português não é possível substantivar o adjetivo “juramentada”, introduzimos na tradução o termo “corporação”, chamando a atenção do leitor para o fato de que ele não era usado no século XIII, como nota o autor – N. T.

[49] Ver, por exemplo, os estatutos dos padeiros (talemeniers) em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título I, art. 22, p.8.

[50] E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 71.

[51] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, p. 104, 105.

[52] Ver o exemplo dos fabricantes de terços e rosários (patenôtriers), R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 27, art. 4, p. 57.

[53] O Direito Romano tem por consequência imediata e natural a abundância dos textos legais, particularmente no regime democrático, onde cada legista quer deixar uma marca. Ele é inevitavelmente igualitarista. Ele se ocupa de tudo até aos mínimos detalhes e torna sistematicamente rígido e inerte o que deve ser regulado com flexibilidade e eficácia. Ele custa muito caro aos contribuintes, pois cria a necessidade da existência de um exército de juristas. Em um regime consuetudinário, estes últimos são vantajosamente substituídos pelos corpos intermediários.

[54] Padre PETITOT O. P., Domingos de Gusmão, Lyon, Éditions du Lion, 1996, p. 53.

[55] Podemos porventura conceber, por exemplo, que o ofício de carpinteiro se pratique da mesma maneira em Dinan e em Cahors? Para os ofícios que trabalham com alimentos, as tradições locais são igualmente numerosas. Acaso devem elas ser confundidas num conjunto regulamentar uniforme, correndo o risco de fazê-las desaparecer em um denominador comum?

[56] A respeito do costume, é preciso salientar aqui que, entre todas as ilustrações escolhidas nesta exposição, nenhuma pode pretender ser universal. A primeira razão disto é que esses exemplos foram extraídos do Livro dos Ofícios. Eles dizem respeito, portanto, apenas aos ofícios parisienses, colocados diretamente sob a autoridade real. Por meio da singularidade dos exemplos, retenhamos o espírito da organização econômica do reino.

[57] II-II, q. 58.

[58] H. PIRENNE, As Cidades da Idade Média, Paris, P. U. F., 1971, p. 152, 153.

[59] Os pedreiros de Paris alegam até mesmo ter recebido privilégios de Carlos Martel, os retroseiros de Carlos Magno, e os ourives de Carlos o Calvo (ver E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 41, 42.

[60] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, p. 98.

[61] Eis aí, por exemplo, o que dizem os costumes dos curtidores: “Se o filho de um curtidor ficar órfão e na miséria, os mestres devem fazer que lhe ensinem seu ofício e proporcionar-lhe todo o necessário. Para atender a essas despesas, eles recorrerão à caixa da confraria”. Citado por R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 87, art. 7, p. 189.

[62] Ver, por exemplo, os estatutos dos cozinheiros em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 69, art. 14, p. 146.

[63] Ver por exemplo os estatutos dos peixeiros de água doce em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris no século XIII. O Livro dos Ofícios de Etienne Boileau, Paris, Imprimerie Nationale, 1879, título 100, p. 214 a 218.

[64] Ver, por exemplo, os estatutos dos ourives, que foram os únicos a especificar o objetivo do trabalho dominical organizado de maneira rotativa, em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 11, art. 8, e p. 33. Muitos outros ofícios organizavam uma rotatividade das vendas no domingo, sem especificar a finalidade caritativa, que era evidente numa época em que as pessoas não se contentavam em deixar de trabalhar nos domingos para a santificação da própria alma.

[65] Caridade é um dos termos em uso na época medieval para designar uma comunidade. Sua etimologia diz muito sobre o espírito que a anima.

[66] Excertos dos estatutos de uma guilda de mercadores de Valenciennes, do fim do século XIII, citados por E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 58. O historiador acrescenta que o texto primitivo conta vinte artigos e que dez dentre eles tratam da amizade cristã, dos serviços que os “irmãos” devem prestar entre si.

[67] Ver, por exemplo, o estatuto dos padeiros em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título I, art. 12, p. 5.

[68] E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 250.

[69] Salvo o ofício do comércio de roupas usadas, que estes últimos possuíam quase integralmente em Paris desde o fim do século XVI. A entrada deles nas outras comunidades era quase impossível. Ver as explicações de E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 187.

[70] E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 187.

[71] Este foi o caso das grandes indústrias têxteis em Flandres desde o século XI. Uma oligarquia de comerciantes aí era predominante. Numerosos conflitos sociais dramáticos mancharam sua história desde o século XI. A preponderância de uma organização industrial em relação a uma organização artesanal é sempre o resultado de uma economia liberal dominada pelos comerciantes e financistas. O mecanismo da industrialização massiva foi claramente explicado por Mons. DELASSUS em Verdadeas Sociais e Erros Democráticos, Éditions Saint-Rémi, cap. 21: “O comércio e seus abusos, o luxo corruptor”, p. 233 a 252.

[72] Assim, os curtidores e os luveiros só podiam vender seus produtos em suas oficinas e nos mercados, onde cada um alugava uma única barraca. Ver R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 87, art. 26, p. 191 e título 88, art. 11, p. 195.

[73] Ver E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 195. O historiador especifica que “os aprendizes eram, em princípio, destinados a entrar na categoria dos mestres. Na hierarquia corporativa, eles eram aproximados destes, e nitidamente distinguidos dos companheiros”.

[74] R. PERNOUD, Luz sobre a Idade Média, France Loisirs, 1981, p. 65.

[75] Os ourives impunham assim um aprendizado de dez anos. Ver R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, título 11, art. 5, p. 33.

[76] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, título 23, art. 1, p. 52.

[77] Sobre a descrição da hierarquia social na cristandade, ler Mons. DELASSUS, Verdades Sociais e Erros Democráticos, Cadillac, Éditions Sant-Rémi, cap. 15: “O capital humano”, p. 169 a 175.

[78] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 114.

[79] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, art. 22, p. 9.

[80] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 24.

[81] Procedimento que consiste em terceirizar uma parte das atividades que antes eram desempenhadas pela própria empresa (NDLR).

[82] Isso quando não se desloca por completo a produção!

[83] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, título 50, art. 19 e 20; p. 95 e 96.

[84] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 96.

[85] Ver os estatutos das tecelãs de seda em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, título 44, art. 3, p. 83.

[86] Ver os estatutos dos fabricantes de meias em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 114.

[87] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Pequena Suma Política, Da Realeza, Paris, Téqui, 1997, cap. 2, p. 49 e 51.

[88] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Pequena Suma Política, Da Realeza, Paris, Téqui, 1997, cap. 6, p. 61.

[89] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 74, art. 8, p. 156.

[90] Recordemos que a organização das comunidades de ofícios é um fenômeno essencialmente urbano. As cidades viviam então em uma relação de serviço contínuo com os campos circunvizinhos. Os habitantes destes últimos iam vender na cidade os excedentes dos produtos agrícolas. Eles lá conseguiam em troca todos os produtos do artesanato que lhes eram necessários.

[91] Tribunal misto composto de juízes profissionais e leigos – N. T. 

[92] Ver E. COORNAERT, As Corporações na França antes de 1789, p. 19.

[93] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 74, art. 021, p. 176.

[94] Ver os estatutos dos pequenos comerciantes [regrattiers] em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 10, art. 5, p. 30.

[95] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 10, art. 6, p. 30.

[96] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 1, art; 32 e 33, p. 9.

[97] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 1, art. 40, p. 11 e nota 3, p. 24.

[98] R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 50, art. 35, p. 98.

[99] Ver os estatutos dos tecelães de linho em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 50, art. 35 e nota 2, p. 30.

[100] Ver os estatutos dos cozinheiros em R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e as Corporações da Cidade de Paris, título 69, art. 7, p. 146.

[101] Esta é a triste constatação de E. COORNAERT em As Corporações na França antes de 1789, p. 105: “Essas disciplinas mais estreitas, essas hierarquias já fixadas, esses regulamentos codificados, todas essas barreiras porventura não são ameaças de esclerose [...]? A disciplina se reforçou, seja, mas em detrimento das relações livres e dos auxílios mútuos voluntáriops. O indivíduo perdeu, pois o que ontem era pedido como consequência do juramento cada vez mais tendeu a ser exigido por uma polícia mais severa”.

[102] Os estatutos de E. BOILEAU, aliás, faziam bem poucas menções às obras de caridade, a tal ponto que Lespinasse julgou ostentatória a descrição de uma tal obra feita pelos ourives. Ver R. DE LESPINASSE, Os Ofícios e Corporações da Cidade de Paris, p. 33, título 11, art. 8 e p. 29. z.